Embasamento científico é a principal diferença na gestão da Covid-19 entre Brasil e França, diz pesquisadora

Outro contraste 'muito marcado' é o aumento da capacidade de testes, fundamental para 'reabrir a economia', aponta Letícia Kawano

Paciente é submetido a teste para Covid-19. Foto: Bertrand Guay/AFP

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Apesar de terem protocolos médicos semelhantes, Brasil e França vivem de maneira diferente a pandemia de Covid-19. O ponto principal que diferencia a gestão da crise nos dois países é o embasamento científico, segundo a médica pneumologista e pesquisadora clínica do Hospital do Coração de São Paulo, Letícia Kawano. Em entrevista à RFI, a especialista, que está na França para realizar uma pesquisa no Hospital Bichat, em Paris, traça um paralelo entre os dois países.

 

 

“Do ponto de vista de saúde pública, me chamou a atenção a abordagem científica que está sendo dada ao controle da pandemia”, diz a pesquisadora em relação à gestão da doença na França. Letícia ressalta o fato de o presidente Emmanuel Macron se referir a um Conselho Científico quando toma decisões sobre a Covid-19.

A pesquisa que realiza na França sobre doença pulmonar associada à artrite reumatóide é vinculada à Universidade de Paris e financiada por uma bolsa das Sociedades Respiratória Europeia (ERS) e Latino Americana (ALAT). Um de seus orientadores no Hospital Bichat, um dos principais centros de tratamento de Covid-19 no país, é o professor Bruno Crestani, que faz parte do grupo de especialistas consultados regularmente pelo governo francês.


Como vários especialistas de áreas relacionadas ao aparelho respiratório, desde o início da pandemia no Brasil, em fevereiro deste ano, a pneumologista se envolveu em diversos ensaios clínicos e pesquisas relacionadas à Covid-19. Ela também é membro do Painel da Organização Mundial de Saúde (OMS) que discute o tratamento da doença.

Para a médica, a obrigatoriedade do uso de máscaras em lugares públicos abertos, medida adotada pelo governo francês em julho, é essencial no controle e prevenção da doença. “No Brasil como um todo, a gente não vê essa mensagem clara a respeito dessas medidas públicas”, compara. Outra diferença “muito marcada”, segundo a pesquisadora, é o aumento da capacidade de testes, fundamental para “reabrir a economia de uma cidade, garantindo a saúde da população”, ressalta.

Essas medidas de contenção são importantes para evitar casos graves da doença, defende a pesquisadora, já que a ciência ainda não desenvolveu tratamentos efetivos para a Covid-19, além de serem um aprendizado para a França enfrentar outras pandemias no futuro.

 

Vermífugos e hidroxicloroquina 

Letícia Kawano diz que nos hospitais brasileiros os protocolos de tratamento dos doentes com casos agudos da doença são semelhantes aos franceses. Drogas não efetivas para Covid-19, como vermífugos ou a hidroxicloroquina, não são utilizadas. “No entanto, no tratamento precoce, ou seja, assim que você começa a apresentar os sintomas”, o uso desses medicamentos “tem sido defendido inclusive, infelizmente, pelo governo federal no Brasil, coisa que a gente não vê em absoluto na França.”

O ministro brasileiro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, indicou em outubro que o nitazoxanida, um antiparasitário comercializado no Brasil sob o nome de Annita, reduziria a carga viral de pacientes com Covid-19. O anúncio foi feito baseado em estudos clínicos ordenados pela pasta e que tiveram o ministro como um dos voluntários da pesquisa. Ele testou positivo para a doença em julho.

Mas, como o próprio estudo conclui, a redução da carga viral não se traduz em diminuição dos sintomas. Além disso, o resultado da pesquisa foi anunciado pelo governo brasileiro antes de passar pela revisão de outros pesquisadores, um dos pontos mais importantes para a publicação de artigos acadêmicos e científicos.

Letícia diz que, segundo uma checagem informal realizada por epidemiologistas brasileiros, “nenhuma nação desenvolvida, com sólida base de pesquisa, está prescrevendo ivermectina, nitazoxanida, hydroxicloroquina para Covid. Infelizmente, o Brasil está atuando de forma não científica na abordagem precoce da doença e isso aqui na França a gente não vê de jeito nenhum.”

 

Evidências científicas

Para alertar a população sobre a importância de uma medicina baseada em evidências científicas em uma época de obscurantismo, Letícia desenvolveu o projeto Respira evidência. A ideia é levar informação com base científica para a população. “Ao mesmo tempo dar informação com qualidade e também falar um pouquinho de método: como é que eu estabeleço que uma coisa causou a outra.”

O projeto também inclui discussões sobre equidade de gênero, com foco na medicina, e “todas as dificuldades que o gênero feminino encontra no desenvolver da carreira profissional.”

 

 


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