Saúde
Efeito dominó: entenda a crise dos planos de saúde que tem prejudicado beneficiários
A equação inclui altos lucros, insatisfação crescente dos usuários, problemas operacionais e financeiros nas operadoras, e um cenário legislativo incerto
A crise dos planos de saúde se tornou uma conta que não fecha. Ao mesmo tempo em que a Agência Nacional de Saúde anuncia que os planos de saúde tiveram lucros líquidos recordes – 3,1 bilhões de reais, o maior dos últimos dois anos – as reclamações e decisões judiciais contra as empresas também tiveram uma alta sem precedentes.
Apesar dos lucros aparentes, as operadoras apontam de problemas financeiros. Segundo a Associação Brasileira dos Planos de Saúde, o aumento nos procedimentos médicos elevou os custos do setor.
No segundo trimestre deste ano, calcula a entidade, a chamada taxa de sinistralidade chegou a 88,7%. Ou seja: a cada 100 reais recebidos pela operadora, 88,70 foram usados para pagar despesas médicas. Além disso, as despesas assistenciais aumentaram 10,1%.
O efeito dominó do prejuízo afeta também os hospitais privados, reféns dos atrasos nos pagamentos pelos planos de saúde. A Associação Nacional de Hospitais Privados pinta um quadro preocupante: até setembro, quase 50 instituições relataram haver 2,3 bilhões de reais pendentes. O tempo médio de espera por estes pagamentos também aumentou, de 70 para cerca de 120 dias em um ano.
Vale relembrar que este é o primeiro ano de lucro líquido após as operadoras registrarem recordes de prejuízo operacional. Em 2022, o rombo chegou a 10,7 bilhões de reais, o pior resultado da história. A previsão da ANS é que as operadoras fechem 2023 ainda com um déficit em torno de 8 bilhões de reais.
O economista Lucas Andrietta, especialista em Saúde Coletiva da USP, atribui a situação a uma gestão financeira deficiente, exacerbada pela pandemia. Embora tenha faturado alto durante aquela crise, defende, falou planejamento para o futuro.
“A pandemia não interrompeu uma tendência de aumento de operações financeiras de grande porte”, destaca Andrietta, em relação a pesquisa realizada para a Fiocruz sobre as empresas de saúde.
A peça final desta casta de prejuízos recai, é claro, sobre o consumidor. Foram 963 reclamações por dia em 2023, segundo a ANS, um salto de 120% em comparação com o ano de 2019.
Os motivos incluem taxas consideradas abusivas nos reajustes, negativa na autorização de cirurgias ou exames e recusa de reembolsos. Em resposta a essa insatisfação, a ANS suspendeu a venda de 38 planos de saúde em setembro, exigindo que eles melhorassem seus padrões de atendimento.
A advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito Médico, enfatiza que a instabilidade do setor faz com que a Justiça seja, muitas vezes, o único caminho para os clientes prejudicados.
De acordo com uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, os julgamentos de ações contra o setor de saúde aumentaram 239% entre 2011 e 2021. Em geral, os tribunais dão razão aos pacientes: 81% dos processos decididos a seu favor, e esse número sobe para 93% em casos de negativa de cobertura.
A preocupação se estende aos médicos, assoberbados com novos protocolos burocráticos para a autorização de exames e procedimentos. Na segunda-feira 4, a Associação Médica Brasileira acionou a ANS, apontando riscos à à qualidade do atendimento e ao correto diagnóstico.
Perspectivas para o futuro
Um projeto de lei, apresentado em setembro, na Câmara dos Deputados, propõe uma revisão da regulação das operadoras de saúde. O texto reúne cerca de 270 projetos sobre o tema que tramitam há quase 20 anos no Congresso. Atualmente, o relatório do PL está travado na Câmara, aguardando consultas às operadoras antes de ser votado.
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