Saúde

Drauzio Varella: “O mais importante é isolar o foco da febre amarela”

Acometido pela grave doença infecciosa em 2004, o médico ressalta a importância de imunizar as pessoas das áreas atingidas por novo surto

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Dos cinco casos de febre amarela notificados pela Vigilância Sanitária em 2004, apenas dois pacientes sobreviveram. Um deles é o cancerologista Drauzio Varella, colunista de CartaCapital. No livro O Médico Doente (Companhia das Letras, 136 pág.), ele relata o drama pessoal, após ser infectado pelo flavivírus durante uma viagem à Floresta Amazônica. Aventurou-se pelos afluentes do Rio Negro com a vacina vencida.

Diante do novo surto da moléstia na região norte de Minas Gerais, Varella concedeu uma entrevista para esclarecer dúvidas sobre os sintomas e formas de prevenção da febre amarela. “O mais importante é isolar o foco. Criar um cinturão de pessoas imunizadas no entorno, exatamente para evitar que a doença se alastre (pelas cidades)”.

CartaCapital: O que pode explicar esse novo surto de febre amarela?
Drauzio Varella: Esse tipo de surto acontece periodicamente na modalidade silvestre. Isso depende da quantidade de macacos infectados pelo vírus na floresta, o que aumenta as chances de transmissão para humanos que vivem nas áreas rurais, próximos das matas.

“O mais importante é isolar o foco. Criar um cinturão de pessoas imunizadas no entorno, exatamente para evitar que a doença se alastre (pelas cidades)”

CC: Desde 1942 o Brasil não registra casos de febre amarela urbana. O senhor acredita que há o risco da doença avançar para as cidades?
DV: Sempre há esse risco, porque as cidades possuem todas as condições para disseminar a doença. O mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue e zika, está circulando por aí, e também é transmissor da febre amarela. A maior preocupação das autoridades sanitárias, diante de um surto como esse, é evitar que ele chegue às cidades, porque fica mais difícil de controlar. Nos centros urbanos, há muitas pessoas convivendo próximas umas das outras, o potencial de infecção é muito maior.

CC: Quem deve se vacinar? Há contraindicações?
DV: É uma vacina bastante segura. A cada 400 mil pessoas imunizadas, pode surgir uma complicação. O benefício é muito grande em relação ao risco. Isso não significa que devemos vacinar todos os cidadãos. Quando surge um foco de infecção, como este no norte de Minas Gerais, o recomendável é criar um cinturão de proteção, vacinar quem vive no entorno ou quem vai visitar essa região. Não faz sentido vacinar, porém, uma população que não tem chance de pegar a doença.

Imagine se decidirem imunizar 20 milhões de habitantes da Grande São Paulo. Nesse caso, podem surgir uns 50 casos de complicações, num lugar em que a chance de infecção é remotíssima. Ou seja, pode gerar uma desvantagem maior do que não vacinar. O mais importante é isolar o foco. Criar um cinturão de pessoas imunizadas no entorno, exatamente para evitar que a doença se alastre.

 

CC: O senhor já foi acometido pela febre amarela. Quais são os primeiros sinais de alerta para procurar assistência médica?
DV: Os sintomas são muito claros. Começa com uma febre alta, de 39, 40 graus, acompanhado de calafrios, dores pelo corpo. Isso perdura por ao menos três dias. A partir de então, há uma tímida melhora. Você pode passar o dia bem e, à noite, voltar a ter uma crise. A febre amarela é, porém, considerada uma doença bifásica. Depois desses sintomas iniciais, há um grupo de pessoas que evolui bem, começa a melhorar, a febre diminui, as dores começam a atenuar, até a recuperação plena.

O segundo grupo, contudo, passa a ter acometimento de vários órgãos, como o fígado, razão pela qual muitos pacientes desenvolvem icterícia (caracterizada pela cor amarelada da pele e dos glóbulos oculares). O infectado passa a ter náuseas, vômitos, incapacidade de se alimentar. Esse é o grupo que corre risco de morte. No Brasil, a mortalidade é da ordem de 45%, 50% dos infectados que desenvolvem esse quadro mais grave.

CC: O senhor chegou a desenvolver esse quadro mais severo?
DV: Sim, foi bastante grave. Fui infectado durante uma viagem à Amazônia. Havia tomado a vacina muitos anos antes, e não havia tomado a dose de reforço. No estágio em que eu cheguei, o risco de morte era de 80%. E não tem remédio específico para tratar a doença. 

CC: Não? Qual é, então, a assistência médica indicada para esses casos?
DV: Precisa manter a hidratação e remediar os sintomas. O paciente sente fortes dores pelo corpo, precisa de analgésicos. E também de antitérmicos para minimizar a febre. O problema é que ele precisa estar num local que ofereça as condições necessárias para tentar salvá-lo. O vírus se dissemina pelo corpo todo, dá miocardite (inflamação do miocárdio, a camada muscular do coração), pode desenvolver um quadro bradicárdico, o coração bate mais devagar, leva a uma insuficiência hepática importante.

A doença afeta o fígado, responsável pela produção dos fatores de coagulação, e o paciente pode sofrer com sangramentos. É preciso mantê-lo internado, muitas vezes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). É uma doença grave, com uma taxa de mortalidade bem superior à da malária, moléstia que muita gente confunde com febre amarela.

 

CC: Alguma recomendação especial a quem está próximo dos locais afetados?
DV: Siga as recomendações do Ministério da Saúde, que tem muita expertise na área, tanto que o último caso de febre amarela urbana ocorreu em 1942. Há mais de 70 anos as autoridades sanitárias têm conseguido impedir que a doença chegue até as cidades. Portanto, o melhor conselho é procurar um posto de saúde e verificar se há a indicação para tomar uma vacina, se for o caso. Ao perceber os sintomas, procure imediatamente assistência médica. Se do nada aparecer uma febre muito alta e dores musculares, busque ajuda.

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