Saúde

Desconfiar de vacina chinesa é ‘besteira’, diz brasileiro em Oxford

Coordenador dos testes da ‘vacina de Oxford’, o infectologista Pedro Folegatti pede cautela

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Na segunda-feira 22, o noticiário trouxe uma ótima notícia. Um estudo preliminar publicado no site do semanário científico The Lancet indicou que a vacina AZD1222, mais conhecida como “vacina de Oxford”, é segura e aumenta a resposta imune. Um mês depois de receber a dose da vacina, diz o estudo, 95% dos mais de 1.000 pacientes testados produziram mais anticorpos contra a covid-19, além de “uma excelente” resposta das células T, os dois grandes braços do sistema imunológico. Já na primeira linha, aparece, como indica a junção ibérica e italiana, o nome de um brasileiro: Pedro Folegatti, um jovem infectologista de 34 anos lidera a equipe que conduz os testes no Reino Unido.

Folegatti é médico na unidade de pesquisa clínica no Instituto Jenner, da Universidade de Oxford. O único brasileiro. Formado em 2009, fez residência no Instituto Emílio Ribas e passou por outros hospitais brasileiros antes de se mudar para o Reino Unido, em 2014, para fazer um mestrado em saúde pública. “ Já nesta época, passou a integrar os quadros do instituto, que há anos estuda vacinas na mesma plataforma desta que agora é candidata para o coronavírus. No fim do mestrado, surgiu essa oportunidade. Foi meio que estar no lugar certo na hora certa”, brinca. É, oficialmente, o clínico responsável pelo projeto, sob a batuta de Sarah Gilbert, professora de vacinologia em Oxford, e a ajuda de mais dezenas de colegas. “Todo mundo tem trabalhado muito, sem hora pra entrar ou sair, madrugada adentro, tentando resolver coisas de última hora. Estamos tentando correr atrás da pandemia.”

A vacina é segura, induz a resposta imune esperada. Mas não sabemos ainda se essa resposta garante que as pessoas não fiquem doentes

Fruto de uma parceria entre a universidade, o governo britânico e a gigante farmacêutica AstraZeneca, a ‘vacina de Oxford’ é uma das 19 candidatas em fase clínica – quando o produto é testado em humanos. Passa atualmente pela chamada fase III, quando a vacina é testada em milhares de voluntários – inclusive no Brasil. Por aqui, foram escalados 5 mil voluntários, num esforço coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Federal de São Paulo. Um esforço vem sendo feito para assegurar a distribuição em cadeia global. A companhia garante 1 bilhão de doses até o fim do ano.

Folegatti conversou com CartaCapital por videoconferência. Confira os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: O Brasil está há quatro meses em uma ‘quarentena’ desajeitada. Muita gente ficou animada com os resultados aí em Oxford. Dá pra comemorar?

Pedro Folegatti: Os resultados são, sim promissores. A vacina é segura, induz a resposta imune esperada. Mas não sabemos ainda se essa resposta vai garantir que as pessoas não fiquem doentes pelo coronavírus. É preciso muita cautela. Vai demorar alguns meses até que vejamos esse sinal de eficácia. E também para que a vacina seja produzida em larga escala e administrada para as populações gerais. Mas notícia é promissora, sim, não apenas da nossa [vacina], mas de outros vários candidatos mundo afora.

CC: É motivo para relaxar as medidas de proteção e isolamento?

PF: De forma alguma. As pessoas não devem se sentir no direito de relaxar as medidas de isolamento, abandonar as máscaras, deixar de lavar as mãos… Essas medidas são fundamentais para o controle da pandemia. O Brasil e vários países estão, do ponto de vista epidemiológico, numa situação muito ruim. Muitos morrerão se caso as pessoas deixem de aderir ao distanciamento.

Mesmo uma vacina que tenha 30% ou 40% de eficácia pode ter impacto. A conta a fazer é: quantos casos graves conseguimos prevenir?

CC: Aparentemente certas vacinas funcionam melhor em algumas pessoas do que em outras. O que é uma vacina ‘eficaz’? Como é feita essa conta?

PF: Usamos esse número para calcular o tamanho da amostra necessária aos estudos, para saber quantas pessoas podemos recrutar. Aqui, calculamos a amostra com base em uma eficácia de pelo menos 70%. Para uma doença como o coronavírus, que tem um impacto monstruoso na economia e na vida, essa é taxa bastante considerável. O FDA [Food and Drug administration, agência reguladora americana], disse estar preparado para licenciar uma vacina que tenha até 50% de eficácia. No contexto atual, 50% é conservador, eu diria. Mesmo uma vacina que tenha 30% ou 40% de eficácia pode ter um impacto significativo. A conta que temos que fazer é: quantos casos graves conseguimos prevenir? Quanto custa vacinar numa população com uma vacina que tenha 30%, 50%, 90% de eficácia? Quanto conseguimos economizar aos sistemas de saúde? O objetivo final de tudo isso é evitar mortes pelos coronavírus.

CC: No Brasil, muita gente desconfia dos candidatos vacinais chineses. O que você, como especialista, diria a essas pessoas?

PF: É uma grande besteira. Diferentes grupos no mundo todo vão desenvolver vacinas diferentes. Entre eles, há vários candidatos chineses. O fato de a vacina ser produzida na China não a torna menos confiável. Existem critérios muito rigorosos das agências regulatórias para liberar essas vacinas. E isso não é diferente para a vacina que é da China ou que é da Universidade de Oxford. O que precisamos não é de uma, mas de várias vacinas que funcionem contra o coronavírus. Que elas sejam produzidas, testadas e, caso se provem eficazes, sejam distribuídas para a população como um todo. Se vier da China, dos Estados Unidos, da França, pouco importa. 

CC: A pandemia mudou sua rotina? Como tem sido o dia a dia no instituto?

PF: Mudou tudo. O grupo tem trabalhado nessa vacina desde o dia 1, quando o genoma do coronavírus foi divulgado pelos chineses. Temos nos preparados para esses ensaios desde fevereiro. É uma logística monstruosa para recrutar os voluntários na velocidade que a pandemia exige. Todo mundo tem trabalhado muito, sem hora pra entrar ou sair, madrugada adentro, tentando resolver coisas de última hora, porque a situação epidemiológica muda a cada dia. Estamos tentando correr atrás da pandemia. Normalmente, o tempo que se leva da concepção de uma nova vacina até licenciar e distribuí-la é de cinco a dez anos. Temos acelerado e muito esse processo, feito em meses o que levaria anos e anos pra acontecer. 

CC: Essa agilidade tem a ver com a plataforma dessa vacina, certo? Como isso funciona?

PF: Nós pegamos o vírus do resfriado comum, que circula em primatas, não em humanos, para quem não haja imunidade humana prévia a ele. E usamos esse vírus como um cavalo de tróia. Deletamos os genes responsáveis pela replicação do resfriado comum, tornando esse vírus é incapaz de se reproduzir dentro do corpo. O que fazemos é trocar esses genes de replicação por outros que codificam proteínas da doença para a qual queremos proteção. O mesmo vírus pode proteger diferentes doenças. Há anos existem ensaios para influenza, tuberculose e mais recentemente para chikungunya e zika. Usamos o termo ‘plataforma’ por que temos a mesma estratégia de fazer uma vacina baseada nesse vírus, que não tem nada a ver com a doença que queremos atacar, e só trocar o material genético para doença que queremos proteger. Nesse caso é o coronavírus. 

CC: O Reino Unido é um berço do movimento antivacina. Isso, de alguma forma, dificultou o recrutamento de voluntários? 

PF: É sim. Isso ocorre por conta de uma pesquisa que associava vacina de caxumba e rubéola a casos de autismo,  desacreditada pela comunidade científica internacional. Esse movimento está enraizado em alguns pequenos grupos, ainda colhemos frutos por aqui. Mas não tivemos dificuldade nenhuma pra recrutar voluntários, pelo contrário, Tivemos que fechar o site em questão de horas. O volume de interessados era muito, muito, muito grande. Isso é muito positivo e reflete um pouco a urgência do momento. Os grupos antivacina existem, mas a vontade de ter uma vacina que vai tirar a gente dessa é muito maior e tem muito mais força.

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