Saúde

Covid-19: Podemos ser otimistas, mas sem liberar geral, diz Natalia Pasternak

Número de mortes pelo novo coronavírus caiu 6% na última semana

Foto: Mauro Pimentel/AFP
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O número de casos de Covid-19 ficaram estabilizados na última semana em comparação com a anterior, segundo divulgou o Ministério da Saúde na última quinta-feira 8. Já mortes em função da pandemia do novo coronavírus caíram 6% no mesmo período.

 

Os índices, segundo a a doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, devem ser vistos com ressalvas.

“A queda deve ser encarada com otimismo: podemos comemorar, mas com um otimismo responsável – e não relaxar e liberar geral”, disse em entrevista exclusiva a CartaCapital.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou nesta sexta-feira 9 que mais de 70% da população do Estado entrará na fase verde do Plano SP, que prevê a reabertura parcial das atividades.

“Seis regiões de São Paulo progridem e agora 76% da população segue para a fase verde do plano, incluindo a capital. Na 14ª requalificação, as regiões de Campinas, Piracicaba, Sorocaba, Taubaté, Baixada Santista e Grande São Paulo evoluíram de fase”, disse o governador.

Para a doutora, a reabertura no País deve ser cautelosa. “Devemos observar caso a caso. As medidas de quarentena devem ser implementadas de acordo com as taxas de transmissão comunitária de cada região, em cada cidade”, afirmou.

Leia a entrevista completa:

CartaCapital: O Brasil ultrapassou os cinco milhões de casos e já tem mais de 148 mil mortes em decorrência da Covid-19. Onde erramos?

Natalia Pasternak: Nós erramos em quase todas as nossas abordagens se pensarmos de maneira nacional. Faltou ao governo federal uma iniciativa para integrar as diretrizes nacionais com uma execução dos estados e municípios.

O governo federal não se preocupou em criar essas diretrizes que pudessem orientar quanto a medidas de quarentena, testes, diagnósticos, tratamentos, compra de insumos e treinamento de agentes comunitários de saúde.

O que aconteceu é que estados e municípios fizeram por iniciativa própria, mas sem uma orientação centralizada.

CC: O Brasil passou por um tempo com mais de 1.000 mortes diárias. Nos últimos dias, houve uma queda. A que se deve?

NP:  É claro que é bom diminuir o número [de mortes], mas ainda é um número muito preocupante. Tem que ver se a queda é consistente, pois pode ser que volte a subir.

A gente tem visto uma segunda onda se formar em vários países da Europa, o que é natural quando se começa a reabrir a economia e tem mais pessoas circulando. Daí, pode acontecer um aumento no número de casos.

Tem lugares que estão voltando a fechar. A gente vê Paris fechando bares e restaurantes, Inglaterra tomando medidas de lockdown e Nova York fechando escolas em alguns bairros, onde a taxa de transmissão comunitária subiu.

A vigilância e controle precisam acontecer. A queda no Brasil deve ser encarada com otimismo: podemos comemorar, mas com um otimismo responsável – e não relaxar e liberar geral

CC: Dá para se ter ideia do porquê esses números caíram? Podemos atribuir à imunidade de rebanho?

NP: A imunidade de rebanho só é alcançada com vacina, pois é quando a doença para de circular a ponto da gente não ver mais uma frequência grande novos casos.

E para a doença parar de circular, grande parte da população precisa estar protegida, ou por vacina ou porque já pegou a doença, se recuperou e está imune.

Mas não podemos falar de imunidade de rebanho permanente no Brasil porque a gente não sabe quanto tempo essa imunidade dura, a gente não sabe se as pessoas que já tiveram a doença realmente ficam imunes.

Tentar fazer isso de forma natural é muito mais complicado, porque sempre vão ter pessoas que mudam de cidade, pessoas que nascem e uma população de suscetíveis que pode crescer e ocasionar novos surtos.

Portanto, a imunidade de rebanho natural não é permanente, é transitória e custa muitas vidas.

CC: Neste momento, quais deveriam ser as medidas no Brasil: abrir gradualmente ou adotar mais um período de quarentena?

NP: Devemos observar caso a caso. As medidas de quarentena devem ser implementadas de acordo com as taxas de transmissão comunitária de cada região, em cada cidade.

O que precisa são ferramentas de vigilância epidemiólogica. Precisamos saber a taxa de transmissão comunitária em cada cidade. E aquele local, de acordo com a sua taxa de transmissão, decide.

A partir daí, se for reabrir, é preciso fazer uma campanha muito forte de comunicação para se ter certeza de que todo mundo está engajado para uma reabertura consciente, com segurança.

Para Natalia, País errou em quase todas as nossas abordagens. (Foto: Divulgação)

CC: É possível saber quanto há de subnotificação?

NP: É difícil. O que os epidemiologistas têm tentado fazer é levantar o número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave [SARG] que são registrados nos hospitais mesmo sem diagnóstico de Covid-19.

Pois, durante uma pandemia, se a pessoa tem a SARG, é grande a probabilidade de ser Covid-19.

Então, tem vários epidemiologistas tentando levantar esses números, comparar com essa mesma época do ano passado e daí fazer uma estimativa.

Mas esses levantamentos só dão o número dos casos de pessoas que estão hospitalizadas. Não saberemos o número de pessoas assintomáticas, de casos leves, porque o Brasil peca muito nos testes.

CC: Com a vacina, a vida volta ao normal?

NP: Vai demorar um pouco. Pense que, primeiro, as vacinas precisam ser aprovadas. Elas estão adiantadas, na fase 3 de testes. Terminando essa fase, a gente vai ter ideia se elas funcionam ou não.

Aí, uma vez aprovada, precisamos pensar nos processos de fabricação em larga escala, logística de distribuição, transporte, armazenamento e montar campanhas de vacinação.

Então, vai demorar, porque é preciso montar tudo isso e depois efetivamente vacinar a população inteira. Vamos supor que até o meio do ano que vem a gente consiga vacinar a maior parte da população.

Uma vez que grande parte da população está vacinada, aí a gente começa a ver os efeitos, pois o vírus para de circular. É um processo que vai demorar um pouco.

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