Saúde

Covid-19: Medicamentos surgem como alternativa para combater doença

Mais de 150 remédios estão em teste no mundo; maioria nos estágios iniciais de pesquisa

A dexametasona é uma das apostas dos cientistas para reduzir as mortes. (Foto: AF) A dexametasona é uma das apostas dos cientistas para reduzir as mortes. (Foto: AF)
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A interrupção dos testes da vacina desenvolvida por cientistas italianos e produzida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford foi breve: durou apenas sete dias. Embora suspensões desse tipo sejam comuns em pesquisas dessa monta, acendeu o sinal amarelo em relação às expectativas mundiais por uma vacina contra o coronavírus. Quanto maior a fadiga com o isolamento social, cresce a ansiedade pelo dia de ir até o posto de saúde mais próximo, erguer a manga da camisa e ficar livre da doença. Há, porém, muitas questões em aberto. Quem serão os primeiros a recebê-la? Quanto tempo durará o efeito imunizador? Quantos serão protegidos? Uma única dose será suficiente?

De olho nos dividendos eleitorais, muitos políticos prometem uma vacina no fim do ano. As perspectivas da Organização Mundial da Saúde (OMS), contudo, são bem mais modestas: só a partir de 2022, estima-se, teremos uma parcela significativa de imunizados. Diante da realidade, é razoável não apostar todas as fichas na seringa. Em entrevista a CartaCapital em agosto, a médica Mariângela Simão, diretora-geral-assistente da OMS para vacinas e novos medicamentos, destacou a importância da busca de alternativas. “A humanidade vai conviver com este vírus por mais algum tempo. Ao menos até que tenhamos três coisas. A primeira, testes rápidos, baratos e que funcionem. A segunda, um medicamento: precisamos de uma droga para impedir que se morra pelo coronavírus. Essas coisas precisam caminhar juntas.”

Mais de 150 medicamentos estão em teste no mundo, a maioria nos estágios iniciais de pesquisa

Há mais de 150 medicamentos em testes no mundo. Alguns acumulam evidências de eficácia, mas a maioria ainda está nos estágios iniciais de pesquisa. Esses estudos podem ser divididos em três grandes frentes: antivirais que atacam a capacidade do coronavírus de se desenvolver no organismo, drogas que acalmam o sistema imunológico e anticorpos retirados do plasma sanguíneo dos sobreviventes. Até agora, a mais promissora delas pertence ao primeiro grupo. É a dexametasona, corticóide usado há décadas para aliviar inflamações e tratar doenças que requerem controle da resposta imune, como a artrite reumatoide, alergias e asma. Cientistas sabem que os casos mais graves da Covid-19 estão relacionados a uma resposta inflamatória que atinge todo o organismo. É como se, para combater o frio, o morador de uma casa ateasse fogo nos móveis. Até aqui, a dexametasona só tem, no entanto, demonstrado benefícios a pacientes em estado crítico. O estudo Recovery, conduzido pela Universidade de Oxford em parceria com o governo britânico e a Fundação Gates, indicou que a dexametasona reduziu em 35% as mortes em pacientes ventilados e em 20% entre aqueles que receberam apenas oxigênio. No Brasil, uma pesquisa conduzida pelos hospitais Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa reforçou o efeito benéfico: pacientes em estado grave que receberam a droga ficaram seis dias sem respiração artificial. Os que não receberam, quatro.

Outro medicamento potencial é o remdesivir, antiviral da Gilead testado, sem sucesso, contra o ebola e a hepatite C. Primeiro remédio contra a Covid-19 a ser aprovado pelo FDA dos Estados Unidos, o remdesivir é promissor, mas carece de evidências mais robustas. Uma pesquisa patrocinada pela Gilead concluiu que a droga pode encurtar o tempo até a melhora clínica e, com isso, diminuir a mortalidade, mas não teve efeito sobre a necessidade de intubação nem sobre o período de internação hospitalar. Um estudo posterior não apontou nenhum efeito na redução da mortalidade. Na segunda-feira 14, a farmacêutica Eli Lilly anunciou que um anti-inflamatório lançado em 2017, o baricitinibe, reduziu o tempo de internação de pacientes em estado grave. Mas o estudo não foi revistado por pares nem apresenta benefícios tão grandiosos. Os mil pacientes da pesquisa foram divididos em dois grupos: um recebeu remdesivir e o outro a nova droga. Neste segundo grupo, houve redução de mais um dia no tempo de internação.

Em tempos habituais, a busca pela cura seria diferente. “Geralmente, as primeiras fases de pesquisas duram um ano, dois anos. Isso só para descobrir as potenciais substâncias”, explica Carina Carvalho Silvestre, professora-adjunta do departamento de Farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Para ganhar tempo contra a Covid-19, descreve, as farmacêuticas e os cientistas têm apostado em medicamentos existentes. Esse cenário também abre caminho à pseudociência, agora impulsionada pela ultradireita no poder. O exemplo mais evidente é o da cloroquina e da sua versão mais light, a hidroxicloroquina. Incensado por Donald Trump e Jair Bolsonaro, o antimalárico passou por estudos científicos padrão-ouro em todo o mundo. Nenhum deles sugeriu qualquer eficácia da droga contra a doença.

Entre engodos e descobertas, nesses quase dez meses de pandemia a medicina e a ciência têm aprendido com a doença. Nos hospitais, as técnicas de tratamento hospitalar se aperfeiçoam. Algumas são relativamente simples, como manter os pacientes de bruços por algumas horas. “Isso auxilia na proteção pulmonar e na oxigenação inclusive em pacientes não-entubados”, aponta Fábio Rodrigues, fisioterapeuta especializado em recuperação cardiorrespiratória do Hospital das Clínicas, em São Paulo. A respiração mecânica continua, no entanto, a técnica mais utilizada nos casos graves. No HC, os pacientes em terapia intensiva ficam em média 11 dias internados. Para contornar essa crise, será necessária gama cada vez mais ampla de terapias. “Sozinhos, os medicamentos não conseguem conter epidemias”, avalia Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP. “As soluções não farmacológicas foram decisivas na redução de casos de tuberculose, malária, esquistossomose… Mas os medicamentos são importantes para os indivíduos.”

Diante dos repiques de casos, embora menos letais, e da aparição de um número pequeno mas crescente de reinfecções, é ilusão sonhar com uma cura a jato. Talvez nunca se tenha uma “cura”: não há para gripe, o resfriado e outras infecções semelhantes. Um tratamento eficaz pode não ser suficiente para derrotar o vírus, mas tornaria a doença mais branda. Além da razão óbvia de salvar vidas, um remédio eficaz pode aliviar as rígidas restrições à circulação e o contato entre os seres humanos.

Passados 37 anos da descoberta da AIDS, a vacina contra a doença não saiu do papel. A ciência foi, no entanto, capaz de desenvolver coquetéis que controlam o vírus e impedem o avanço da doença, garantindo não apenas sobrevivência, mas qualidade de vida aos infectados. No caso da tuberculose, doença viral e respiratória e mortal como o coronavírus, o tratamento via remédios contribuiu para reduzir o contágio da doença: em 2018, o Brasil teve em 36,2 casos para cada 100 mil habitantes contra 51,3 em 1990.

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