Saúde

Covid-19: ‘Chegada da vacina não muda nada no primeiro momento’, diz especialista

De acordo com o especialista Roberto Medronho, é um equivoco pensar que tudo estará resolvido com a iminente produção dos imunizantes

Vacinas. Foto: Agência Brasil Vacinas. Foto: Agência Brasil
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A segunda onda de Covid-19 no Brasil chegou antes do fim da primeira. É o que aponta nota técnica do Grupo de Trabalho para Enfrentamento da Covid-19 da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgada nesta semana, que aponta medidas como abertura imediata de leitos hospitalares, realização de ampla testagem, fechamento de praias e avaliação da decretação de lockdown para conter o aumento de infecções pelo novo coronavírus. Nem a chegada da vacina, em um primeiro momento, será suficiente para refrear a taxa de transmissão.

De acordo com o especialista em saúde pública e professor titular da UFRJ Roberto Medronho, “é um equivoco pensar que chegando a vacina hoje, amanhã vai estar tudo resolvido”.

“Vão ser necessárias milhões de doses, que terão que ser distribuidas, milhões de seringas, de agulhas. Estamos falando de uma escala muito avançada. Uma vacina como a de Oxford, que é a mais adiantada, precisa de duas doses [para ser eficaz] e o Brasil não tem capacidade instalada de produzir essa quantidade, pois a população alvo teria que ser multiplicada por duas”, diz Medronho em entrevista a CartaCapital.

Para ele, o País ainda vai conviver com a pandemia, mesmo após iniciada a vacinação. “Em 2021, ainda não teremos atividades como antes. Em 2022, talvez comecemos a voltar, mas conviveremos de uma forma híbrida com o vírus”, afirma.

Leia a entrevista completa.

CartaCapital: Já se pode afirmar que o Brasil passa por uma segunda onda?

Roberto Medronho: Nós não podemos nem falar em segunda onda, porque sequer nos livramos da primeira. Tivemos uma evolução rápida no número de casos lá atrás, no meio de abril e maio, e depois a descida desse número não foi tão rápida quanto a subida. O que percebemos agora, nas últimas semanas, é que a tendência de queda se reverteu em elevação. E não é uma flutuação. É um aumento sustentado e por isso optamos em lançar a nota técnica para alertar a população e autoridades para as necessárias medidas restritivas e de ampliação de quantidade de leitos.

Essa nova onda sobrepondo a primeira está impactando em vários lugares os serviços de saúde e já temos casos no Rio de Janeiro de ocupação de quase 100% dos leitos de UTI. Como já ganhamos expertise no tratamento da doença, em função do grande número de casos que tivemos, hoje a probabilidade de um doente se internar e sobreviver é muito maior do que em alguns meses atrás, mas precisa ter o leito disponível.

CC: Há estimativas que indicam que podemos ter números parecidos ao pico que tivemos há alguns meses?

RM: É cedo para falar, mas é fato que estamos assistindo a um aumento no número de casos. A velocidade é menor, com a curva mais alargada, o que significa que vamos passar por números grandes de infectados ao longo do tempo. Possívelmente, passaremos o Natal e o Ano Novo com um número de casos bem elevados, mas não ao ponto do que ocorreu lá em abril e maio.

CC: Com a aproximação da vacina, não se corre o risco dos críticos falarem que as recomendação da nota técnica são exageradas?

RM: Acreditamos que não. O que estamos assistindo em várias localidades é um estresse do sistema de saúde e isso é um fato concreto. Os dados dos casos são os notificados, o que mostra também que o que estamos vendo é a ponta do iceberg, pois o número de contágio é maior.

Estamos vendo uma mobilização da população tendendo a ser semelhante ao período pré-pandemia. Reconhecendo que a população está cansada, além da questão economia, nós não recomendamos ainda o lockdown, mas não concordamos com alguns governantes que falaram que a medida está descartada. Isso é um equívoco. O lockdown é um mecanismo que podemos adotar caso a curva se acelere muito rápido, como fez a Europa.

Outro equivoco é achar que a saúde e a economia são coisas diferentes. Tem um estudo sobre a gripe espanhola, feito pelo Federal Reserve, que mostrava que as cidades que adotaram as medidas de isolamento saíram mais rápido da crise econômica e com menos mortes.

Agora, na Europa, eles decretaram o lockdown e já estão abatendo a curva. O número de casos já se reduziu e eles vão controlar o número de casos. Não é porque estamos cansados e a economia com problema que nós temos que deixar de receitar o que é o mais correto para conter a onda de contágio.

CC: As recomendações se mantêm mesmo com a chegada da vacina? O que muda?

RM: A chegada da vacina não muda nada no primeiro momento. É um equivoco pensar que chegando a vacina hoje, amanhã vai estar tudo resolvido. Vão ser necessárias milhões de doses, que terão que ser distribuidas, milhões de seringas, de agulhas. Estamos falando de uma escala muito avançada.

Uma vacina como a de Oxford, que é a mais adiantada, precisa de duas doses [para ser eficaz] e o Brasil não tem capacidade instalada de produzir essa quantidade, pois a população alvo teria que ser multiplicada por duas. Então, em 2021, nós ainda conviveremos com a pandemia, mesmo após iniciada a vacinação. Isso se todos agirem de forma eficiente. Mas, por outro lado, o Ministério da Saúde anuncia que quer prorrogar a data de validade de 7,8 milhões de testes, pois não conseguiu distribuir.

Recomendações do Grupo de Trabalho para Enfrentamento da Covid-19 da Universidade Federal do Rio de Janeiro

CC: Há o risco de baixarmos a guarda e sofrermos novas ondas?

RM: Os Estados Unidos hoje estão passando uma terceira fase de crescimento sem terem acabado a primeira e a segunda. O Brasil parece que segue o que acontece nos Estados Unidos. É muito grave e não é uma situação trivial.

CC: Proporcionalmente, o Rio está pior que o Brasil?

RM: É dificil falar do País inteiro, porque são vários Brasis. A pandemia é muito dinâmica, mas o Rio está em uma situação muito séria e precisa de ações imediatas.

CC: Quando voltaremos à uma vida normal?

RM: Em 2021, não teremos atividades como antes. Em 2022, talvez comecemos a voltar, mas conviveremos de uma forma híbrida com o vírus.

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