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Controle de suplementos

Um editorial da revista médica Jama defende a reforma da FDA e o controle de produtos que alardeiam a cura para variados males

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Controle de suplementos
Suplementos como o OxyElite Pro têm estimulantes proscritos no Brasil, mas é fácil consegui-los. Nas academias, eles são comuns. Foto: Receita Federal
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Mudar a Food and Drug ­Administration (FDA) dos Estados Unidos para melhor controle de qualidade de suplementos alimentares, vitaminas, produtos cosméticos e testes diagnósticos médicos parece um sacrilégio. Assim como parece um sacrilégio mudar o que o mundo considera o padrão-ouro da avaliação e do controle de qualidade e de eficácia de remédios e tecnologia médica.

Mas, na realidade, a FDA ainda é muito falha e limitada em sua capacidade de avaliar produtos vendidos até em supermercados, com propaganda de resolverem todos os problemas de saúde da população, de câncer a artrose.

Em editorial publicado há poucos dias na prestigiosa revista médica ­Jama, os doutores Scott Gottlieb e Mark ­McClellan discutiram a urgente necessidade de reformar a FDA para se adequar à avalanche de produtos que são colocados no mercado sem que saibamos o que contêm e quais problemas os mesmos resolvem – sobre eles sabemos apenas que engordam bem a conta bancária dos produtores e vendedores.

Para entendermos melhor esse problema e seu contexto no Brasil, conversamos com o doutor Claudio Maierovitch, médico sanitarista da Fundação Oswaldo ­Cruz-Fiocruz, e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

CartaCapital: Qual a importância do tema abordado neste editorial?

Claudio Maierovitch: Trata-se de três assuntos diferentes que, embora não costumem estar no foco das atenções da mídia ou do público, são relevantes tanto para a saúde como para a defesa do consumidor. Nos Estados Unidos, suplementos dietéticos e cosméticos não passam pelo crivo da FDA. No Brasil, tais produtos são regulados por classes de riscos. Para que coloquem no mercado produtos de categorias de baixo risco, as empresas devem notificar a Anvisa, respeitar as listas de substâncias permitidas e suas quantidades e as cadeias de produção. Além disso, a importação e a comercialização devem estar regularizadas junto ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

CC: Como é o controle no Brasil?

CM: Nesses casos, o controle baseia-se na boa-fé e na atribuição de responsabilidades às empresas. Quanto aos suplementos, não podem ter finalidade terapêutica. Caso contrário, passam por um processo mais rigoroso. Há também limites de dose para que possam ser classificados como suplementos alimentares. No entanto, não são feitas análises laboratoriais pelo governo rotineiramente. Assim, caso os fabricantes não tenham bons sistemas de qualidade e integridade, a composição dos produtos pode sair do padrão e isso, provavelmente, não será detectado.

CC: Como a Anvisa controla, e se controla a respeito desses produtos?

CM: Há um problema sério de falta de controle da propaganda, que pode induzir o consumidor a comprar produtos que não lhe trarão benefícios. Os cosméticos também devem estar em conformidade com regras que proíbem diversas substâncias, como aquelas tóxicas, alergênicas, carcinogênicas ou teratogênicas. A composição deve ser informada à Anvisa. Produtos que têm relação com a saúde, como bloqueadores solares ou sabonetes antissépticos passam por análises mais cuidadosas.

CC: Como se dá o controle dos testes diagnósticos?

CM: Os produtos para diagnóstico in ­vitro também são classificados por grau de risco. Aqueles de grau mais elevado, como os utilizados para triagem da presença de doenças infecciosas em bancos de sangue, são testados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde. Há lacunas para a avaliação de muitos dos produtos registrados, cujos estudos podem ser pouco confiáveis. A garantia de qualidade, em parte, deriva de procedimentos de validação que os laboratórios de análises clínicas devem fazer. Aqui, como lá, é possível utilizar métodos confeccionados pelos laboratórios de análises sob responsabilidade dos mesmos, sem submissão à Anvisa.

CC: O que o senhor pensa sobre o futuro do controle desses três produtos, e sugere para o Brasil?

CM: Na minha opinião, os suplementos devem ter maiores restrições quanto à propaganda e rotulagem. Não vejo grandes problemas em relação a cosméticos. No caso de testes laboratoriais, acredito que precisamos de um trabalho mais cuidadoso, que integre as sociedades médicas e de profissionais de laboratórios para definir mais claramente os parâmetros de aceitabilidade e uma rede solidária de informações para testar continuamente o que está no mercado. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Controle de suplementos”

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