Saúde

Com UTIs lotadas, estados tentam enfrentar o negacionismo de Bolsonaro e a inércia de Pazuello

Diante da falta de coordenação pelo governo federal, medidas locais são tomadas em meio ao pior momento da pandemia de Covid-19

JAIR BOLSONARO E EDUARDO PAZUELLO. FOTO: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
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Considerando os números de novos casos e mortes e a ocupação de leitos de UTI dedicados a pacientes com Covid-19, o Brasil vive o momento mais dramático da pandemia. Na quinta-feira 25, o País registrou o dia mais letal desde o início da crise sanitária: foram 1.541 óbitos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ao todo, mais de 251 mil pessoas perderam a vida no Brasil para o novo coronavírus.

Diante desse drama, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que conduz de forma atabalhoada o Programa Nacional de Imunização, ensaia uma mudança de discurso. Naquela quinta, a mais mortal desde o início da pandemia, o general deu a mais tétrica declaração desde que assumiu o comando da pasta.

Pazuello admitiu, durante um pronunciamento em Brasília, que a chamada variante brasileira do coronavírus já é “parte do cotidiano”. E que o País enfrenta uma “nova etapa” da pandemia. “O vírus mutado nos dá três vezes mais contaminação, e a velocidade com que isso acontece em pontos focais pode surpreender o gestor”, disse.

Horas depois, entretanto, seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, propagou ao vivo nas redes sociais mais desinformação sobre o uso de máscaras e pregou uma “volta à normalidade”.

Segundo o pesquisador da Fiocruz Daniel Villela, as festas de final de ano ajudam a explicar a disparada dos casos e mortes

O fator decisivo dessa equação é a ocupação dos leitos de UTI. De acordo com um estudo da Fiocruz, 11 estados e o Distrito Federal estão na zona de alerta crítica em relação à disponibilidade de leitos, e 13 na zona intermediária. Somente um, o Mato Grosso, aparece fora da zona de alerta.

Os dados foram coletados e analisados entre 31 de janeiro e 20 de fevereiro, da quinta à sétima semana epidemiológica.

São considerados em situação crítica os estados que possuem mais de 80% dos leitos de UTI-Covid ocupados. Estão nessa lista, segundo números atualizados até 22 de fevereiro pela Fiocruz, Roraima (82%), Amazonas (95%), Acre (89%), Rondônia (97%), Ceará (92%), Rio Grande do Norte (81%), Pernambuco (85%), Bahia (80%), Goiás (89%), Distrito Federal (87%), Paraná (92%), Santa Catarina (93%) e Rio Grande do Sul (84%).

Na comparação com o estudo anterior, o Sudeste é a região que apresenta maior estabilidade na manutenção dos leitos, embora todos os estados da região estejam na zona de alerta intermediária.

Essa análise por estados, entretanto, deve ser feita de modo cauteloso, porque pode esconder condições específicas de determinadas cidades. Em São Paulo, por exemplo, há regiões que vivem uma situação dramática. Em Araraquara, a prefeitura decidiu prorrogar até este sábado 27 um lockdown que seria encerrado na última terça-feira 23.

Nessa normalmente pacata cidade do interior paulista, os leitos de UTI e de enfermaria continuam 100% ocupados. Além disso, o município convive com a disseminação da ‘variante brasileira’. E, mesmo com um lockdown decretado, os índices de isolamento continuam muito abaixo dos 70% desejados. Em menos de dois meses em 2021, Araraquara já registrou mais mortes por Covid-19 do que em todo o ano de 2020.

Para o médico infectologista José David Urbaéz, da Sociedade Brasileira de Infectologia em Brasília, “nunca tivemos um controle verdadeiro da pandemia, tolerando ‘nos melhores dias’ 400 mortes por dia e 15 a 20 mil casos.”

“A população é incitada a se movimentar para além das suas atividades laborais, a partir do estimulo contínuo e permanente que a atividade econômica induz (viagens de férias, jantares em restaurantes, academias, reuniões e comemorações em bares)”, afirmou a CartaCapital, ressaltando a importância de “massivas campanhas de comunicação”.

Urbaéz ainda destaca que o fim do auxílio emergencial fez com que muitas pessoas passassem a se deslocar pelas cidades em busca de subsistência, o que contribui com a propagação do vírus. “Se não houver medidas intensas de restrição à circulação das pessoas, com o auxílio emergencial, a perspectiva é sombria.”

SRAG em alta

De acordo com o boletim Infogripe, da Fiocruz, divulgado na quinta-feira 25 com dados coletados até o dia 22, oito estados apresentam sinal moderado (probabilidade superior a 75%) ou forte (acima de 95%) de crescimento do número de casos de Síndrome Aguda Respiratória Grave na tendência de longo prazo.

Ceará, Santa Catarina e Tocantins apresentam sinal forte, enquanto Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul têm sinal moderado.

Todas as regiões – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul – estão na zona de risco e com uma ocorrência de novos casos considerada multo alta.

Ao considerar o quadro das capitais, depreende-se que seis das 27 apresentam sinal moderado ou forte de crescimento na tendência de longo prazo. João Pessoa (PB) apresenta sinal forte de crescimento, enquanto Campo Grande (MS), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Palmas (TO), e Salvador (BA) apresentam sinal moderado.

Segundo o pesquisador Daniel Villela, membro do Observatório Fiocruz Covid-19 e coordenador do Programa de Computação Científica da Fiocruz, as aglomerações nas festas de final de ano ajudam a explicar a disparada dos casos e mortes. Esse desrespeito às recomendações sanitárias, ressalta o especialista, também favorece o surgimento de novas cepas do coronavírus.

“A partir de determinado momento, as pessoas acharam que estava passando o que se chamou de primeira onda e, a partir da segunda onda, muita gente não levou da mesma forma. No final do ano vimos as festas, vários eventos, e esse é um dos fatores”, afirma Villela em entrevista a CartaCapital. “Tem as variantes, também. Essa é uma questão importante. Quando aumenta o contágio, pode aumentar ainda mais a questão das mutações e gerar novas variantes.”

“Para as próximas semanas, pode continuar nesse patamar, o que seria lamentável, ou pode até aumentar. Esse não pode ser o novo normal”, acrescenta o pesquisador. Segundo ele, as ações do Poder Público devem ser coordenadas, a fim de evitar ao máximo as aglomerações, inclusive no transporte público.

Mas, com a falta de uma coordenação nacional, marcada pelo negacionismo de Jair Bolsonaro e pela inércia de Eduardo Pazuello, estados que percebem a escassez de recursos humanos e hospitalares optaram por trabalhar por contra própria para tentar reduzir os danos.

No Paraná, serviços e atividades não essenciais serão suspensos a partir deste sábado 27 até o dia 8 de março. A circulação de pessoas em espaços e vias públicas também estará proibida entre as 20h e as 5h.

Santa Catarina também decidiu decretar um lockdown pelos próximos dois finais de semana, durante os quais apenas setores tidos como essenciais terão autorização para funcionar.

Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) afirmou que o estado “está entrando em colapso” e “esgotando suas possibilidades para aumentar a cobertura hospitalar”. A partir das 20h desta sexta-feira 26, a Bahia terá o fechamento das atividades não essenciais. A medida valerá até as 5h da segunda-feira 26. A venda de bebidas alcoólicas, inclusive em supermercados, está proibida durante esse período.

O governo de São Paulo regrediu a Grande São Paulo, inclusive a capital paulista, além das regiões de Campinas, Registro e Sorocaba, à fase laranja da quarentena, a segunda mais restritiva do plano de combate à pandemia. A capital registra lotação recorde de hospitais privados e públicos.

No Distrito Federal, o avanço da doença fez com que o governador Ibaneis Rocha (MDB) anunciasse que, a partir deste domingo 28, “todas as atividades e estabelecimentos comerciais e industriais” devem fechar as portas, com exceção dos serviços essenciais. As medidas valem por tempo indeterminado.

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