Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

O caso Prevent Senior é o maior escândalo médico da história do Brasil

Usar pacientes como cobaias é intolerável. Coagir médicos viola autonomia a profissional. Fraudar resultados é motivo para banimento

Hospital da Prevent Senior em São Paulo
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Desde que foi divulgado o estudo conduzido pelo plano de saúde Prevent Senior para testar a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, em abril de 2020, já ficou claro que havia muita coisa errada nele. Os resultados não se sustentavam e os métodos não seguiam o padrão de pesquisa clínica. Poderia ser apenas um estudo muito ruim, feito por pessoas sem experiência numa tentativa desesperada de encontrar alguma alternativa terapêutica no começo da pandemia.

De fato, esse estudo – se é que se pode chamar assim – não foi publicado em nenhuma revista científica e certamente nunca será. Mas as evidências que vêm surgindo indicam que esse episódio pode ser muito mais grave.

As acusações feitas por um grupo de médicos e ex-médicos da operadora à CPI da Covid no Senado, se confirmadas, farão com que esse seja o maior escândalo da prática médica e da pesquisa clínica que se tem notícia no Brasil. E mais um crime contra a humanidade cometido por integrantes do governo Bolsonaro.

Testar medicamentos sem o conhecimento dos pacientes, fazendo-os de cobaias, é prática intolerável pelos princípios éticos mundialmente adotados em pesquisa com seres humanos. Forçar médicos a assumirem condutas e mudar prescrições estão entre as maiores violações à autonomia profissional. Fraudar resultados de pesquisa é motivo para o banimento da comunidade científica, principalmente por terem ocultado mortes de participantes do estudo. Cada acusação dessas, por si só, já seria suficiente para provocar perplexidade e repulsa.

Pelo que se sabe da denúncia, o governo federal fez um acordo com os dirigentes da Prevent Senior com o objetivo de comprovar a absurda teoria da imunidade de rebanho por contágio. Os medicamentos sem eficácia contra a Covid serviriam como justificativa para expor as pessoas ao coronavírus. Ou seja, uma prévia do que alguns meses depois veio a ser a tragédia de Manaus, em janeiro de 2021.

 

A CPI da Covid tem a oportunidade de retomar o rumo, após algumas semanas de perda de foco. Por mais que as suspeitas de corrupção e desvio de recursos devam ser investigadas, o objetivo da comissão é o de informar a sociedade e indicar os culpados pela desastrosa gestão da pandemia.

Vale ressaltar que o Brasil conta com pesquisadores sérios e reconhecidos pelos melhores centros de excelência do mundo e que têm contribuído de forma relevante para a construção do conhecimento sobre inúmeros temas clínicos, incluindo a Covid-19. O que está sendo revelado nesse caso da Prevent Senior é mais uma expressão do fenômeno social e político que levou o país à triste situação atual e não representa a maioria dos cientistas brasileiros.

Por isso, é essencial que tudo seja esclarecido. Aqueles que levaram adiante esse conluio absurdo, do governo e da empresa, devem responder pelo que fizeram. Para virar a página do bolsonarismo, o Brasil vai precisar responsabilizar quem participa do pior governo da história e os que lhe dão suporte. Não podemos banalizar o mal.

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