Política

‘Bolsonaro tenta remediar erro ao questionar estados e municípios pela aplicação de vacinas’

Para presidente do Conass Carlos Lula, a compra de vacinas ‘a conta-gota’ pelo governo federal atrapalha esforços de entrega pelo País

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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O governo federal e o Congresso Nacional têm cobrado maior transparência em relação às doses de vacinas distribuídas a estados e municípios pelo Ministério da Saúde e aquelas efetivamente aplicadas.

No dia 31 de março, após reunião do Comitê Nacional de Enfrentamento à Pandemia, o presidente da Câmara Arthur Lira defendeu um maior controle do número de brasileiros vacinados contra o coronavírus. “Por que o Brasil distribuiu 34 milhões de doses de vacinas e nós só temos 18 milhões de doses aplicadas?”, questionou com base em dados da época.

 

“Eu não acredito, não acho que seja possível que nem um governador ou prefeito estejam vacinando, nós estamos com déficit aí de quase 14 milhões de vacinas nos gráficos oficiais. Isso impacta percentualmente e absolutamente na informação dada aos brasileiros”, complementou.

A tese também tem sido apregoada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma forma de jogar sobre estados e municípios a responsabilidade pelo bom andamento da vacinação.

De fato, as diferenças entre os números existem. Dados mais recentes do Ministério da Saúde – que tomam como base a distribuição até o dia 13 de abril – apontam 47,8 milhões de doses distribuídas e 31,1 milhões aplicadas, uma diferença de 16 milhões. Estados e municípios condenam a maneira de o governo tratar o caso.

Para Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), “é um tipo de informação que desinforma, passa meias verdades”. Vários fatores, completa, explicam a diferença numérica.

De acordo com Lula, das 47 milhões de doses distribuídas aos estados, 43 milhões já foram repassadas aos municípios. “Agora, há diversas razões para explicar a diferença dos números nos dados oficiais”, garante.

A primeira é a dificuldade de alguns territórios reportarem as informações ao LocalizaSus, site oficial do Ministério da Saúde que faz a contagem da distribuição de vacinas. Muitos locais acabam acumulando os reportes justamente por enfrentarem problemas de acesso à internet. Também influencia o tempo necessário às equipes de saúde para concluir a vacinação em regiões mais afastadas.

“Quando eu desloco equipes para atender regiões quilombolas, por exemplo, elas ficam lá de dois a três dias, ou seja, isso só deve aparecer no sistema lá pelo quarto dia depois da imunização.”

Ainda de acordo com Lula, para cada lote de distribuição feita estão previstas vacinas de segunda dose, “que não podem ser aplicadas imediatamente e devem ser estocadas. Isso já vem delimitado, D1 e D2”, garante. Ele também explica que o Plano Nacional de Imunização garante 5% de cada distribuição para reserva técnica dos municípios. “É preciso contar com perdas do material, as vacinas podem ser roubadas, ou acontecer problemas com energia e ter de repor o imunizante”, esclarece.

“Cortina de fumaça”

O presidente do Conass entende que o governo tem utilizado o discurso como ‘cortina de fumaça’ para remediar seus próprios erros na condução da pandemia. “A grande questão é: por que o governo federal não adquiriu as vacinas no tempo adequado?”.

O governo federal não se antecipou na compra de vacinas em 2020. Ao longo do ano, o governo de Jair Bolsonaro negou três ofertas da farmacêutica norte-americana Pfizer, que previam a aplicação de vacinas já em dezembro, como aconteceu em países como Reino Unido e EUA.

Em outubro de 2020, o governo também negou uma proposta do Instituto Butantan que previa a entrega de 45 milhões de doses da Coronavac até dezembro de 2020, e outras 15 milhões no primeiro trimestre de 2021, o que garantiria ao menos 60 milhões de doses na primeira fase de vacinação.

No final das contas, só foram disponibilizadas, em janeiro e fevereiro, 9,8 milhões de doses da CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e 2 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca. A vacinação no Brasil começou em janeiro.

Atualmente, o Ministério da Saúde promete mais de 562 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 até o fim de 2021. Além de Pfizer e Janssen, a pasta cita acordos AstraZeneca/Oxford (Fiocruz) e Instituto Butantan – os dois responsáveis pela produção nacional de vacinas até o momento -, consórcio Covax Facility, Precisa/Bharat Biotech (vacina Covaxin) e União Química/Gamaleya (vacina Sputnik V).

Operação a conta-gotas

Carlos Lula, que também atua como secretário de saúde do Maranhão, explica que a compra de vacinas a conta-gotas pelo governo federal determina o ritmo das entregas na ponta. Mas garante: “Estamos vacinando com o máximo de velocidade possível”.

“Do jeito que estamos hoje, fazemos retrabalho o tempo inteiro. Por não receber as doses de uma vez só, a gente não tem como dispor de vacinação em todos os locais ao mesmo tempo”, destaca ao falar da complexidade das operações de entrega que tem de ser repetidas semanalmente, de acordo com a chegada das doses. As repetidas operações, garante, também saem mais caras aos cofres públicos.

Compra fracionada de vacinas pelo governo federal determina a repetição de complexas operações logísticas. Créditos: Divulgação

“A gente já tinha uma entrega de vacinas anual, entendíamos dessa operação. Só que eu fazia isso via terrestre, com caminhões, e levava três semanas para abastecer todos os municípios [são 217 no estado]. Agora, estou fazendo isso em um dia, usando carros, avião, helicóptero, tudo para chegar o mais rápido possível”.

Abandono vacinal

Na terça-feira 13, o Ministério da Saúde informou que cerca de 1,5 milhão de brasileiros que tomaram a primeira dose das vacinas Coronavac e Oxford/Astrazeneca não compareceram para a 2ª aplicação.

O maior número de pendências está em São Paulo, diz o vacinômetro do governo federal, com 343.925 pessoas. Em seguida aparecem Bahia (148.877) e Rio de Janeiro (143.015).

Para a Coronavac, o prazo é de 28 dias para tomar a 2ª dose após a 1ª. Já quem tomou a de Oxford/AstraZeneca recebe um intervalo de 84 dias. Segundo a pasta, as pessoas que perderam o prazo estabelecido devem procurar uma unidade de saúde para receber a imunização. A recomendação do Programa Nacional de Imunizações é de que o esquema seja completado, ainda que haja atraso.

Carlos Lula reconhece um decréscimo histórico de aplicações de vacinas em campanhas que consideram mais de uma fase, mas pondera: o tema deve ser tratado pelo Ministério da Saúde em campanha nacional. “É preciso reforçar que as pessoas não estão protegidas com uma dose só. O Ministério da Saúde precisa comunicar isso de maneira eficiente, mas como não comunicou nem que deveríamos lavar as mãos, fica difícil esperar que atuem nesse sentido.”

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