Saúde

Aplicativo do governo indica cloroquina para Covid, diarreia e ressaca

Cientistas afirmam que aplicativo do Ministério da Saúde é atentado contra a vida. Parlamentares querem tirar plataforma do ar

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O aplicativo TrateCov, lançado pelo Ministério da Saúde para auxiliar profissionais da área na coleta de sintomas e sinais de pacientes e agilizar os diagnósticos da Covid-19, vem sendo alvo de críticas por indicar tratamento precoce e padronizado a pacientes com base na cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, todos sem comprovação científica contra a doença.

 

Pelas redes sociais se multiplicam casos de simulações com os mais diferentes perfis de pacientes e sintomas que chegam à mesma prescrição. Também há casos em que são indicados antibióticos como azitromicina e doxiciclina.

A prescrição foi indicada para a cientista social e editora-chefe do portal Drauzio Varella, Mariana Varella, que, em sua simulação apontou como sintomas fadiga e dor de cabeça há um dia, não ter comorbidades, além de afirmar ter ido ao supermercado duas vezes.

O jornalista Rodrigo Menegat também publicou sua simulação nas redes sociais. Seu paciente hipotético foi um bebê recém nascido de uma semana que apresentava dor de barriga e nariz escorrendo. “O aplicativo recomendou cloroquina, ivermectina, azitromicina e tudo o mais. Crime, crime, crime, crime”, escreveu em sua publicação.

O jornalista, especialista em dados, também acessou o código-fonte do aplicativo, e entendeu que o aplicativo só tem cadastradas as drogas ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, sulfato de zinco, doxiciclina, zinco e dexametasona. Isso significa que, uma vez que o paciente alcance uma pontuação mínima de classificação que indica a probabilidade dele ter Covid-19, a indicação dos medicamentos sempre vai acontecer.

“Não importa a combinação, a exposição a risco, a janela de tempo. O que importa é somar os pontos mínimos”, avalia Menegat.

Até chegar à prescrição, o profissional de saúde precisa preencher um formulário com algumas informações sobre o paciente: como dados pessoais, doenças prévias/comorbidades/dados clínicos, atividades fora de casa nas últimas 2 semanas.

Em nota publicada em seu site oficial no dia 13 de janeiro, o Ministério da Saúde afirma que “depois disso, o TrateCOV sugere algumas opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada, sugerindo a prescrição de medicamentos”.

Ainda de acordo com a pasta, o aplicativo está disponível inicialmente para a prefeitura de Manaus. Na nota, o Ministério falava em 342 profissionais habilitados para utilizar o TrateCov.

Profissionais da saúde devem preencher um formulário clínico com dados do paciente, sintomas e período dos sintomas.

Cientistas condenam o aplicativo

O médico e epidemiologista Paulo Lotufo afirmou em suas redes que, caso os conselheiros dos conselhos federal e regional de medicina , não instalem uma sindicância para investigar os médicos envolvidos no TrateCov, poderão ser julgados por conivência.

“O uso de protocolos se justifica para tratamento em casos bem diagnosticados como tuberculose ou então um infarto do miocárdio. Não se justifica um algoritmo para diagnóstico porque é muito inferior ao raciocínio clínico. Ao propor medicamentos sem benefício comprovado poderá trazer complicações importantes pelo risco de qualquer tipo de medicamento. O uso de azitromicina, um antibiótico, irá conduzir ao aumento da resistência bacteriana a esse medicamento”, explicou à reportagem de CartaCapital.

O também epidemiologista Otávio Ranzani escreveu que o aplicativo é uma afronta à Ciência, além de uma ameaça à vida.

Parlamentares querem tirar plataforma do ar

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) afirmou que vai acionar a Justiça Federal para tirar o aplicativo do ar por estar “sendo usado ilegalmente para estimular o uso de cloroquina, inclusive em casos cujos sintomas descritos são de ressaca! Pazuello tem que responder por crime contra a saúde pública”, escreveu.

Pazuello mente e nega que tenha incentivado a prescrição de cloroquina 

Na segunda-feira 18, a ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, negou que tenha autorizado a adoção de protocolos que indicam a prescrição de medicamentos contra a Covid-19, desde que assumiu a pasta. O general, no entanto, avalizou a recomendação do uso de remédios sem eficácia comprovada, como a cloroquina.

“Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos”, declarou  o ministro em entrevista coletiva em Brasília.

No entanto, em 20 de maio do ano passado – quatro dias depois de assumir interinamente o ministério -, Pazuello divulgou um protocolo que ampliava a recomendação do uso da cloroquina. De acordo com documento divulgado pela pasta, cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância.

Na coletiva, Pazuello voltou a recomendar a “técnica do atendimento precoce”.

“Temos que difundir isso todos os dias, em todos os meios de comunicação, para que a gente possa permitir que as pessoas tenham chance de não agravar. Vários remédios deram algum tipo de resultado e os médicos sabem o que deve ser prescrito para cada paciente”, afirmou o ministro acrescentando, porém, que “nunca receitou este ou aquele remédio”.

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