Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

A medalha que o Brasil não ganhou

O País era favorito na modalidade enfrentamento de pandemia, mas decepcionou.

Foto: Marcio James/AFP
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Quando a pandemia de Covid-19 começou, poucos países estavam preparados para enfrentá-la. Epidemias acompanham a humanidade desde sempre, mas não é possível prever com exatidão quando vão surgir e como vão se espalhar pelo planeta. No caso dos coronavírus, aqueles que tiveram as epidemias do antecessor do atual SARS, em 2002/2003, usaram a experiência prévia para organizar respostas mais eficazes, o que explica em parte o rápido controle observado na China recentemente.

No entanto, a partir do momento que a Covid-19 começou a se disseminar, alguns países estavam em melhores condições para encarar o desafio de minimizar seu impacto. Os Estados mais ricos e aqueles com sistemas de saúde bem estruturados. Em razão desse segundo ponto, a expectativa na comunidade internacional era que o Brasil tivesse uma das melhores respostas à pandemia. Nosso país de renda média, porém com um dos melhores programas de imunização e o maior sistema púbico universal de saúde do mundo, teve um desempenho muito abaixo do esperado.

A resposta a uma epidemia precisa de ações políticas bem articuladas e que alcancem toda a população de um determinado território. É claro que a tarefa é mais difícil num país de dimensões continentais. Mas o grande trunfo do Brasil era justamente a estrutura federativa do SUS, com gestão compartilhada entre os três níveis de governo – a autonomia dos municípios é uma particularidade do federalismo brasileiro – organizada de forma cooperativa e harmônica. Era, porque o governo Bolsonaro resolveu desprezar isso, apostando na tática do cada um por si e, pior, atrapalhando os governos estaduais e municipais.

A agenda política de deturpação do SUS vem desde sua criação pela Constituição. A ideia de que o sistema de saúde deveria ser focalizado – ou seja, voltado para a assistência da população mais pobre – sempre teve adeptos no Brasil. A proposta é direcionar as políticas sociais de saúde para um modelo de assistência social, com mais espaço para a complementação pela rede privada. Em vez de ser baseado na integração com ações de saúde pública, defendem que o sistema deveria se concentrar nos cuidados individuais, com uma cobertura mínima de ações e serviços.

Exatamente o oposto do necessário para enfrentar epidemias, que são eventos essencialmente coletivos.

Quando a pandemia chegou, pegou o Brasil em situação desfavorável, pois os defensores declarados do desmonte do SUS estão no governo desde 2016. Vale lembrar que o então ministro da Saúde do governo Temer dizia abertamente que era preciso diminuir o tamanho do SUS, por “não ser possível sustentar o nível de direitos que a Constituição determina”. Não por acaso, é o atual líder do governo Bolsonaro na Câmara. Ele mesmo, o deputado Ricardo Barros.

Essas ideias encontraram reforço no atual governo. Como está definido hoje, o regime fiscal do teto de gastos reduz a base de financiamento federal do SUS. E, se fosse pela vontade ministro Paulo Guedes, nem isso haveria, já que ele defende a total desvinculação do orçamento que retiraria toda a obrigação de alocação mínima de recursos na Saúde.

Além disso, tem o ímpeto destrutivo de Bolsonaro, que deliberadamente jogou fora ativos do SUS, como a capilaridade nos 5570 municípios e o Programa Nacional de Imunizações (PNI), que é referência internacional pelo sucesso da cobertura atingida em diversas campanhas de vacinação em quase cinco décadas.

 

Essa triste conjunção de fatores levou o Brasil às últimas posições na disputa contra a pandemia.

Ainda bem que o SUS resiste a Bolsonaro. Resgatar a tradição do país na saúde pública e restaurar esse patrimônio valioso do povo brasileiro tem que ser um dos principais objetivos a serem buscados pelo próximo governo.

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