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Primeiro passo para o recomeço
Histórias reais mostram como políticas públicas e crédito ajudam milhões de brasileiros a recuperar renda, emprego e dignidade


A confeiteira Lauricea Rodrigues da Silva, de João Pessoa (PB), começou com bolos de pote, fez cursos e usou o crédito para manter o negócio com o marido – Imagem: Yako Guerra/MDS
Quando Brenda da Costa viu seu pequeno comércio virar cinzas após um incêndio em Fortaleza, pensou em desistir. Durante semanas, ela e o marido sobreviveram com doações de vizinhos e o básico do Bolsa Família. Mas, em vez de parar, ela deu um passo que mudaria sua história: buscou apoio no programa Acredita no Primeiro Passo. Com um crédito de pouco mais de mil reais, Brenda comprou mesas, cadeiras e parte do estoque que perdeu. Hoje, ela fatura, em média, 2 mil reaispor mês.
Histórias como a de Brenda se multiplicam em várias regiões do País. Maria Francilene, também do Ceará, saiu da insegurança alimentar com um empréstimo de 350 reais. Começou vendendo marmitas e hoje abastece eventos com seus pratos. Em São João do Araguaia, no Pará, Cícera e Cleide abriram um salão de beleza. No Piauí, Nilza Souza montou uma pequena loja de roupas. Para muitos, o primeiro passo foi sair da fome; o segundo, reconstruir a dignidade.
Fome estrutural e falta de renda
O Brasil convive com números desafiadores. Em 2022, mais de 33 milhões de pessoas viviam em insegurança alimentar grave. A resposta do governo veio com o Plano Brasil Sem Fome, que reúne 80 ações para garantir o direito à alimentação, ampliar o acesso a serviços básicos e promover a inclusão socioeconômica.
Uma das frentes desse esforço é o Programa Acredita no Primeiro Passo. Lançado em outubro de 2024, é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Sua missão é ajudar quem está em situação de vulnerabilidade a gerar renda, buscar emprego ou abrir o próprio negócio.
O programa é voltado para pessoas inscritas no CadÚnico, com foco especial em mulheres, jovens, negros, pessoas com deficiência e comunidades tradicionais. O objetivo é ampliar as oportunidades em três frentes principais: qualificação profissional, intermediação de emprego e apoio ao empreendedorismo.
Além da formação empreendedora, o programa oferece orientação para quem busca emprego
Na prática, isso significa desde oferecer cursos de capacitação até articulação com empresas que oferecem vagas. O programa criou uma plataforma para que os participantes possam montar currículos e se candidatar de forma mais simples às oportunidades.
Os resultados aparecem nos números. Em 2024, mais de 98% das vagas formais criadas no Brasil para pessoas do CadÚnico foram preenchidas por beneficiários do Bolsa Família. Um dado que ilustra a conexão direta entre as políticas de transferência de renda e o acesso ao mercado formal.
Crédito que vira alavanca
O eixo do empreendedorismo é um dos mais procurados. Por meio de parcerias com bancos públicos e privados, o programa viabiliza créditos de até 21 mil reais para quem deseja iniciar ou ampliar um pequeno negócio. Até fevereiro de 2025, foram contratados mais de 700 milhões de reais em operações de crédito.
O Banco do Nordeste lidera em volume, com mais de 86 mil contratos assinados e 720 milhões de reais liberados. O Banco da Amazônia e a Caixa Econômica Federal também estão entre os principais agentes financeiros.
Um dos diferenciais é o Fundo Garantidor Acredita no Primeiro Passo, administrado pelo Banco do Brasil. Ele cobre até 100% da operação, eliminando a exigência de fiador ou bens como garantia. Outra novidade é que metade do crédito disponível é reservada para mulheres. A taxa de inadimplência até agora é baixa: apenas 0,043%, com 20 contratos em atraso num universo de 155 mil operações.
Preparar antes de emprestar
Antes de liberar o crédito, o programa investe em capacitação. Parcerias com o Sebrae, universidades e institutos federais oferecem formação em gestão, finanças e marketing. Os participantes recebem acompanhamento técnico de agentes especializados. A ideia é garantir que o dinheiro seja bem aplicado e que o negócio tenha chance real de prosperar.
Além da formação empreendedora, o programa também oferece orientação para quem busca emprego. Grandes companhias como Amazon, Huawei, Visa e a Neoenergia firmaram acordos com o governo para disponibilizar vagas e promover treinamentos.
Até o início de 2025, o programa havia firmado 44 parcerias com estados, prefeituras, empresas privadas, igrejas e organizações sociais. Estados como Ceará, Piauí, Sergipe e Pará já estão na fase operacional.
A Neoenergia, por exemplo, abriu vagas para formar eletricistas vindos do CadÚnico. A Petrobras lançou iniciativas de qualificação para trabalhadores de comunidades vulneráveis. Já a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) apoia capacitações em logística e comércio exterior.
Impacto em larga escala
O alcance do programa é expressivo. Até fevereiro de 2025, o Acredita no Primeiro Passo havia liberado 2,63 bilhões de reais em crédito, somando 152,9 mil operações. Só o Banco do Nordeste respondeu por mais de 60% desse volume.
No eixo de geração de emprego, 75% das vagas ocupadas por beneficiários do Bolsa Família foram preenchidas por mulheres, o que reforça o papel central delas na reconstrução da renda familiar.
No campo da capacitação, mais de 200 mil pessoas passaram por algum tipo de treinamento ou curso ligado ao programa.
Mudanças de rota
O fluxo de atendimento é simples: primeiro o cadastro, depois a qualificação e, por fim, o acesso ao emprego ou ao crédito. Mas o impacto vai além das etapas burocráticas. Para quem viveu a realidade da fome, o programa representa um recomeço.
Em São João do Araguaia, Cícera relembra o tempo em que dependia da cesta básica da prefeitura. Hoje, com o salão funcionando, ela já pensa em contratar uma ajudante. Brenda, por sua vez, sonha em abrir uma segunda unidade de seu comércio. Maria Francilene planeja investir em equipamentos para ampliar sua cozinha.
No longo prazo, espera-se que o programa gere impactos estruturais, como a diminuição da dependência de programas assistenciais, o crescimento da base de pequenos negócios formais e o fortalecimento da força de trabalho qualificada no País
Para quem estava preso à fome, ao desemprego ou à falta de perspectiva, o primeiro passo é, muitas vezes, o mais difícil de dar. E, hoje, milhares de brasileiros estão conseguindo caminhar novamente. •
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Primeiro passo para o recomeço’