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Hoje e ontem. Antes de ser contemplada com um apartamento do programa, Josyele dos Santos vivia com a família em uma ocupação clandestina na Zona Leste de São Paulo  – Imagem: Arquivo/Condomínio Dandara e Renato Luiz Ferreira

StudioCarta

Histórias de vida

Para famílias das áreas mais desassistidas do País, a casa própria representa a chance de escapar do ciclo da pobreza

CONTEÚDO OFERECIDO POR GOVERNO FEDERAL

Moradores das casas e apartamentos entregues no programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, carregam histórias de muita luta e sacrifício nas regiões mais desassistidas do ­País. Felizmente, na grande maioria dos casos, com um desfecho reconfortante. O exemplo de Josyele Vilela dos Santos, de 36 anos, baiana de Itaberaba, a 264 quilômetros de Salvador, é bem expressivo. Josy, como é conhecida, veio para São Paulo ainda bebê, com a família, em busca de uma vida melhor. “Estou na luta por moradia desde os 15 anos. Comecei cedo, mas por caminhos tortuosos, participando de invasões”, conta ela. “Enfrentei muita violência policial durante as reintegrações de posse, muita agressão com gás de pimenta.”

Mãe de três filhos, entre eles uma garota albina com necessidades específicas, Josy, hoje solteira, diz que viveu momentos de depressão, por conta dessas pressões e frustrações, até ser chamada, em meados de 2015, para participar da Ocupação Dandara, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST, num terreno abandonado no bairro de São Mateus, na Zona Leste de São Paulo. “Depois de inúmeras marchas, atos de ruas, muita resistência, reivindicações e negociações com o governo estadual, conseguimos, finalmente, que a ocupação se transformasse num empreendimento do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades”, celebra. “Em 13 de julho de 2021, dia do aniversário de um dos meus filhos, recebi as chaves. Foi uma emoção que não sei explicar. Entrei no meu novo apartamento, deitei na cama com meus filhos e desatei a chorar”.

Igualmente sofrida, foi a luta de Gilvânia Reis Gonçalves para alcançar o sonho da casa própria. Natural de Euclides da Cunha, cidade próxima de Canudos, na Bahia, Gilvânia decidiu, aos 14 anos, deixar sua cidade, para viver em São Paulo, mesmo contra a vontade da mãe, por ser menor de idade. Morou até os 18 anos em São Sebastião, no Litoral Norte, trabalhando como doméstica. No início dos anos 1990, foi morar na capital, com seu irmão, num cortiço do bairro do Belenzinho. Passou a trabalhar de maneira informal e comprou um carrinho para vender tapioca, a “Tapioca da Gil”, no terminal do Metrô Carrão. Mas, com cinco filhos e solteira, nunca conseguia uma moradia digna, devido ao alto valor dos aluguéis. “Vivia angustiada, mudei de casa mais de 15 vezes.”

Xô, aluguel. ”Vivia angustiada, mudei mais de 15 vezes”, lembra Gilvânia, que recebeu as chaves de sua casa em 2021 – Imagem: Renato Luiz Ferreira

Gilvânia também seguiu a trilha da Ocupação Dandara, na Zona Leste de São Paulo, em junho de 2015, quando as primeiras lonas foram erguidas no terreno abandonado do Jardim Nova Vitória, em São Mateus. “Só no meu grupo tinha mais de 600 famílias”, conta. “A gente conquistou o direito ao terreno para as moradias em 2016, após muita mobilização”, relata. “Chegamos a fazer uma grande manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. Ocupamos a região durante 22 dias. Instalamos barracos de lona, montamos cozinha coletiva, fizemos comida para vender à população que nos apoiava”, destaca Gilvânia.

O espírito coletivo e de luta estava estampado no próprio nome do conjunto habitacional – Dandara, em homenagem à guerreira do Quilombo dos Palmares. Em maio de 2018, o contrato para construção de 216 apartamentos na Ocupação Dandara foi oficializado, na sede da Caixa Econômica Federal, com representantes das famílias dos acampados, a construtora Sugoi, selecionada pelo banco, e pela Cohab São Paulo. “Recebi as chaves do meu apartamento em maio de 2021”, lembra. É um projeto habitacional com bom acabamento. No condomínio, tem uma horta ­comunitária, plantada sem agrotóxicos, que vende os produtos para os moradores, salão de festas, espaço para churrasco e forno para pizza, e os apartamentos são de 49 metros quadrados, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro grande e lavanderia. “Os apartamentos não são de graça. Eu pago uma prestação de 82 reais, com prazo de dez anos. Mas a maior alegria é ter uma casa para chamar de minha. Só quem viveu na crise, sem condições de pagar aluguel, sabe o quanto isso é gratificante”, confia Gilvânia.

A promessa de um futuro com mais qualidade de vida sensibiliza – e se efetiva – em várias regiões do País atendidas pelo Minha Casa, Minha Vida. Na longínqua Abaetetuba, cidade distante cerca de 130 quilômetros de Belém, Rita de Cássia Cardoso, de 40 anos, festejou efusivamente a mudança para seu novo apartamento, no Residencial Angelim. Fez parte do grupo de 800 pessoas beneficiadas com as 222 unidades habitacionais do programa, construídas em Abaetetuba.

“Temos muito zelo com a casa nova, é um patrimônio e um sonho”, afirma a paraense Rita de Cássia

“O Minha Casa, Minha Vida, eu posso dizer que representa uma vida nova, uma vida construída, uma vida realizada. A gente percebe que isso está estampado no rosto das pessoas que sempre tiveram o desejo de possuir uma moradia digna. Eu acho que o programa pode resumir-se nisso: em uma história realizada de uma vida digna”, afirma Rita de Cássia. “Estamos muito felizes com a casa nova. Minha filha Rianne, de 10 anos, está radiante com o quarto dela, que mandei ajeitar. Temos muito zelo com a casa nova, é um patrimônio e um sonho. Para nós, que não ganhamos tanto para comprar um imóvel, ter uma casa digna é algo que precisamos conservar com muita dedicação. A vida melhorou bastante.”

Rita de Cássia, que não tem emprego fixo e faz trabalhos esporádicos em casas de famílias, recebe o apoio do Bolsa Família. Ela conta que o dinheiro que passou a economizar com o aluguel depois que se mudou para o Residencial ­Angelim aliviou as contas e diz que a filha está completamente integrada em sua nova casa. “Foram mais de 12 anos de aluguel e agora a gente investe esse dinheirinho em outras coisas”, diz.

No município capixaba de Aracruz, Bárbara Silva e Suzana Soares, que trabalham como cozinheiras e pagavam 650 reais de aluguel, também festejam a conquista da casa própria, depois de mais de dez anos de espera. Em 23 de outubro do ano passado, elas participaram da cerimônia de entrega de 537 unidades do Minha Casa, Minha Vida no Residencial Barra Riacho I a VI, em Aracruz, um projeto que teve investimentos de 37,5 milhões de reais, com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial.

“Quando entrei no apartamento, chorei de felicidade, porque aquele é um lugar que vai ser meu”, orgulha-se. “Nunca perdi a fé de que iriam sair essas casas. Para falar a verdade, não estou nem dormindo. Estou ansiosa. Só tenho a agradecer”, diz Bárbara, 43 anos de idade, nascida na cidade baiana de Itajuípe e vivendo no Espírito Santo há 30 anos. “Em agosto de 2023, recebi a notícia de que tinha sido selecionada para o Minha Casa, Minha Vida. Foram 12 anos de espera e um sonho realizado.”

Em expansão. Em Abaetetuba, no Pará, mais de 800 pessoas ganharam um novo lar com a entrega de 222 residências – Imagem: Roni Moreira/Agência Pará/GOVPA

“Eu também fiquei feliz demais”, conta Suzana Soares, de 39 anos, natural de Vitória. “Estava esperando o momento para ter minha casa própria e foi uma surpresa enorme”, conta. “Vai mudar muita coisa na minha vida. Além da casa própria, vai sobrar um dinheiro no caixa. Vai melhorar bastante a minha vida e a dos meus filhos”, afirma.

Envolver os movimentos sociais nesse esforço de reconstrução do programa de moradias populares é uma questão-chave para o sucesso do projeto governamental, avalia Rud Rafael, coordenador nacional do MTST. “O programa continua em disputa e, nesse sentido, fortalecer a modalidade do Minha Casa, ­Minha Vida Entidades, financiado pelo Fundo de Desenvolvimento Social, é importantíssimo”, avalia. “Essa nova modalidade apresenta as melhores habitações, resultado da participação e do protagonismo popular nos empreendimentos.”

Segundo Rafael, o debate também passa por ampliar a participação popular na construção das políticas que desenham as nossas cidades, e pela estruturação de mais “Parcerias Público-Populares” e menos Parcerias Público-Privadas, pensando a relação entre gestão pública e movimentos sociais como orientações de um Estado justo, democrático e de direito. •

Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Histórias de vida’

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