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Autonomia. A nova fábrica da Fiocruz vai ampliar a produção de vacinas e medicamentos. Nísia Trindade, ministra da Saúde, cuida da articulação entre governo, empresas e pesquisa – Imagem: Carolina Antunes/MS e Raquel Portugal/Agência Fiocruz

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O governo planeja usar o poder de compra do SUS para estimular o complexo industrial da Saúde

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O governo está decidido a reduzir, cada vez mais, a dependência de insumos farmacêuticos do mercado externo. A retomada do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com a produção intensiva de materiais básicos para o Sistema Único de Saúde, é um dos programas prioritários do novo Programa de Aceleração do Crescimento na área de saúde, com investimentos que devem chegar a 29,3 bilhões de reais até o fim do mandato do presidente Lula. Ao menos 8,9 bilhões começaram a ser desembolsados para o fortalecimento de uma cadeia de produção em imunobiológicos, fármacos e equipamentos tanto no setor público quanto no privado. São ­duas as principais iniciativas estratégicas: a construção de uma nova planta industrial da Fundação Oswaldo Cruz ­(Fiocruz), no estado do Rio de Janeiro, destinada a ampliar a oferta de vacinas e biofármacos, e a implantação do polo fabril da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), em andamento, em Pernambuco.

Com novo aporte de cerca de 2 bilhões de reais, foi retomado o projeto do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) em uma área de 580 mil metros quadrados no distrito industrial de Santa Cruz (RJ). O CIBS tem tudo para se tornar o maior centro de produção de insumos biotecnológicos da América Latina. A planta contará com capacidade­ de produção estimada de 120 milhões de frascos de vacinas e biofármacos por ano, em diferentes apresentações (quantitativo de doses por frasco) e servirá para atender prioritariamente às demandas da população por meio do SUS.

No município pernambucano de Goiana, na Zona da Mata Norte, a 63 quilômetros do Recife, a fábrica da Hemobrás em construção receberá aporte adicional de 900 milhões de ­reais. A unidade vai ocupar uma área de 48 mil metros quadrados e garantir a autossuficiência em derivados de plasma. “A previsão da Hemobrás é fazer as primeiras entregas de imunoglobulina e outros importantes derivados de plasma a partir de 2025”, explicou recentemente a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Segundo a ministra, em diversas declarações públicas, a cadeia produtiva e de inovação do complexo econômico e industrial da saúde significará o envolvimento de 15 institutos públicos de ciência e tecnologia visando fortalecer essa capacidade de produção de insumos, entre eles vacinas e medicamentos, em tempo recorde, para emergências sanitárias.

Há um estímulo à cadeia de produção em imunobiológicos, fármacos e equipamentos

A preocupação faz todo sentido, afirmou Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do ministério. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, a importação de matérias-primas, produtos e tecnologias da saúde atingiu 20 bilhões de dólares. Como um todo, o setor de saúde representa 10% do Produto Interno Bruto, que chegou a 9,9 trilhões de reais em 2022, segundo o IBGE. Proporciona a geração de 20 milhões de empregos diretos e indiretos e responde por um terço das pesquisas científicas no País. “É, no entanto, a segunda área mais dependente de importações, chegamos a importar quase 90% dos insumos farmacêuticos ativos”, disse Gadelha.

Com o novo PAC, a intenção do governo federal, segundo explicou Trindade em eventos públicos e entrevistas, é promover a articulação governamental e formular medidas para fortalecer pesquisa e desenvolvimento, produção e inovação nacional, em conjunto com o setor privado, para atender a demandas estratégicas do SUS. Um dos programas que devem ganhar mais fôlego são as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), que têm se tornado uma ferramenta de desenvolvimento da indústria nacional de medicamentos e do fortalecimento de laboratórios. A meta, de acordo com a ministra, é obter 70% de produção local de insumos necessários para o adequado funcionamento do setor de saúde até 2026.

Para Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria, a redução da dependência externa de insumos e medicamentos e o desenvolvimento desse setor exigem, de fato, um esforço conjunto do governo, do setor privado, das instituições de pesquisa e da sociedade em geral. No caso da indústria farmacêutica, trata-se de uma atividade que tem hoje um valor de transformação industrial superior a 42 bilhões de reais. O faturamento atingiu 130 bilhões em 2022, e o investimento em novas drogas somou 43,2 bilhões (33,9% do total), o que, segundo Alban, sinaliza a extensa atividade de pesquisa e desenvolvimento que o setor é capaz de gerar. “A pandemia de Covid-19 mostrou a importância de termos medicamentos e tecnologia nacionais, reafirmando a natureza estratégica da indústria farmacêutica para toda a economia nacional.”

Retaguarda. A pandemia foi um alerta à dependência externa. A Hemobrás terá sua capacidade ampliada. O ministro Rui Costa aposta nas PPPs – Imagem: Walterson Rosa/MS, Henrique Raynal/Casa Civil e Cristine Rochol/SMS/Prefeitura de Porto Alegre

Segundo Marcelo Thomé da Silva Almeida, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), a indústria farmacêutica deve realmente ser estimulada a investir cada vez mais em pesquisa de novos produtos e desenvolvimento de soluções biotecnológicas, tendo a biodiversidade como base de uma produção diferenciada na qualidade e referenciada na origem. “O Complexo Econômico Industrial da Saúde pode se consolidar e ajudar a consolidar a bioeconomia como esteio da nova indústria brasileira.” A expectativa é de que os novos investimentos do PAC na saúde – 29,3 bilhões de reais até 2026 e mais 1,2 bilhão depois –, além da ampliação do parque industrial do setor, representem um salto na expansão da assistência à população pelo SUS. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve participar com 6 bilhões e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com outros 4 bilhões. O governo federal espera que o setor privado aporte em torno de 23 bilhões de reais.

A maior parcela dos recursos será direcionada à eliminação dos gargalos históricos na atenção especializada, a começar pela melhora do atendimento oncológico e o aumento do número de hospitais. O programa possibilitará, nos próximos quatro anos, a universalidade de serviços essenciais na rede pública, como o SAMU 192. Os investimentos equilibram-se em cinco pilares: Atenção Primária, Atenção Especializada, Preparação para Emergências em Saúde, Complexo Industrial da Saúde e Telessaúde. A ideia é retomar os investimentos em políticas públicas, especialmente em obras de infraestrutura econômica, social e urbana. Um dos focos é a construção de 1,8 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), com investimento de 4,2 bilhões de ­reais, de um total de 7,4 bilhões destinados à Atenção Primária à Saúde. Nesse caso em especial, o objetivo é alcançar outro patamar para as UBS, avaliou Nésio Fernandes, secretário da APS, do Ministério da Saúde. “Queremos mudar a imagem de postinho dos estabelecimentos da atenção primária para unidades de saúde amplas e equipadas, dentro de um conceito de alto padrão de qualidade para atenção primária do SUS.”

Outra iniciativa importante é a preparação do País para futuras emergências sanitárias. Além do fortalecimento do complexo industrial de saúde, o novo programa de investimentos deve destinar recursos à expansão da capacidade interna de responder às eventuais situações epidêmicas, como a pandemia de Covid-19. Até 2026, estão previstos investimentos em equipamentos para 47 novos laboratórios de saúde pública.

Reduzir a dependência das importações exige um esforço conjunto de governo, laboratórios e centros de pesquisa

O novo PAC prevê ainda mais de 1 bilhão de reais em investimentos na construção do primeiro Laboratório de Nível de Segurança 4 (NB4) do Brasil, primeiro do mundo conectado a uma fonte de luz síncrotron, especializado em lidar com patógenos que podem causar doenças graves. O complexo laboratorial de 20 mil metros quadrados será construído pelo Ministério da Saúde, em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com recursos garantidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. “A pandemia recolocou no centro do debate a importância do domínio nacional de uma base produtiva em saúde, bem como o papel do Estado na coordenação de agentes e investimentos no enfrentamento da crise sanitária”, declarou publicamente a ministra Luciana Santos, de Ciência e Tecnologia. Atualmente, há cerca de 60 laboratórios de máxima contenção biológica no mundo, mas nenhum na América do Sul, Central ou Caribe. “A implantação do laboratório de biossegurança nível 4, portanto, é estratégica”, assinalou a ministra.

Uma das diretrizes do novo plano de investimento do PAC é utilizar o instrumento das Parcerias Público-Privadas na construção das unidades básicas de saúde, laboratórios e outros equipamentos, com a participação direta do governo federal ou em parceria com estados e municípios. “Esse plano vai reunir os investimentos diretos federais, de orçamento público da União, os investimentos através de concessões do governo federal, e vamos iniciar o que estados e municípios, especialmente estados, já fazem há alguns anos, projetos de PPP”, explanou em mais de uma ocasião o ministro Rui Costa, da Casa Civil. •

Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Feito em casa’

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