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Afinal, o que é inflação médica e por que supera o IPCA?
Por Gustavo Ribeiro, Presidente Da Associação Brasileira De Planos De Saúde (Abramge)
O debate público sobre a sustentabilidade das empresas de saúde suplementar muitas vezes baseia-se em análises simplistas que desconsideram a complexidade do setor. Um exemplo comum é a comparação direta entre a inflação médico-hospitalar e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como se ambos representassem os mesmos vetores econômicos. Esse é um grave erro conceitual, que gera uma impressão distorcida – e, em certos casos, injusta – sobre o setor de saúde suplementar.
Enquanto o IPCA mede o aumento geral do custo de vida, analisando a variação de preços de uma cesta de quase 400 itens de consumo familiar, a inflação médica mede o aumento específico dos custos com saúde, como avanços tecnológicos, aumento na demanda por serviços e uso mais intenso do plano de saúde. É nesse segundo grupo de dados econômicos que se baseia o cálculo de reajustes das mensalidades dos planos de saúde coletivos e empresariais. E, histórica e globalmente, o segundo índice é sempre superior ao primeiro.
Relatórios de alcance global reforçam esse ponto. A consultoria AON projeta que, em 2025, o custo médico-hospitalar mundial crescerá 3,6 vezes acima da inflação geral. Já a WTW estima uma diferença ainda maior, chegando a 3,9 vezes. Na América do Norte, a proporção ultrapassa 4,4 vezes. No Brasil, a tendência é semelhante: enquanto o IPCA segue em patamar moderado, o custo médico-hospitalar deve avançar em torno de 12,5% neste ano.
A Variação do Custo Médico-Hospitalar (VCMH), calculada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), ilustra essa dinâmica. Entre setembro de 2022 e setembro de 2023, o índice chegou a 12,7%, mais que o dobro do IPCA no mesmo período. Entre 2020 e 2021, os picos superaram 22%. Esses números revelam o impacto direto sobre o equilíbrio econômico das operadoras e, consequentemente, sobre sua capacidade de manter e ampliar a qualidade do atendimento oferecido à população.
Vale lembrar que a saúde suplementar atende 52,5 milhões de brasileiros. Se essa parcela da população migrasse integralmente para o Sistema Único de Saúde (SUS), a pressão sobre os recursos públicos seria inviável.
Ao comparar mecanicamente os reajustes dos planos de saúde ao IPCA, perde-se a oportunidade de promover um debate qualificado. O debate precisa ser ancorado na realidade financeira das mais de 600 operadoras em atividade no País. Entre 2021 e 2023, por exemplo, a saúde suplementar registrou prejuízos operacionais que somaram 17,5 bilhões de reais. Não há sustentabilidade possível com déficits sucessivos dessa magnitude.
Outro fator que contribui para o aumento dos custos é a judicialização excessiva, que impõe a cobertura de procedimentos fora do rol estabelecido pela ANS ou sem respaldo técnico. Um levantamento da Abramge, com base em dados públicos da ANS, apontou que a judicialização gerou despesas de 23,9 bilhões de reais nos últimos seis anos, sendo 6,8 bilhões apenas em 2024.
O cenário exige corresponsabilidade. É fundamental que todos os agentes envolvidos atuem de forma conjunta para fortalecer o sistema. Algumas medidas são urgentes, como o combate a fraudes e desperdícios, a adoção de modelos de remuneração baseados em entrega de valor, a ampliação da prevenção e do autocuidado contínuo e o uso racional dos recursos.
O equilíbrio e a sustentabilidade do setor precisam ser avaliados levando-se em conta o papel que o setor exerce na demanda da sociedade pela saúde. Para atendê-la são necessários investimentos robustos em inovação, estrutura, tecnologia e capital humano, fatores que se traduzem em melhorias diretas para os beneficiários.
A longevidade crescente da população é um reflexo desses avanços. De acordo com o IBGE, a expectativa de vida no Brasil passou de 72 anos, em 2006, para 76,4 anos em 2023. Esse ganho decorre de políticas públicas e do papel relevante da saúde suplementar, que contribui de forma consistente para a ampliação do acesso, a agilidade nos atendimentos e a incorporação de soluções inovadoras.
Como temos defendido na Abramge, o caminho é o diálogo técnico, transparente e orientado por medicina baseada em evidências. Reconhecer a singula-ridade da inflação médica não significa restringir direitos, mas garantir que sejam sustentáveis e efetivos. Não há como preservar a qualidade assistencial sem equilíbrio econômico. E é com esse compromisso que seguiremos contribuindo para o fortalecimento do sistema de saúde suplementar no Brasil.
A saúde suplementar repousa sob a tríade acesso, inovação e sustentabilidade. Mas, para isso, é necessário que haja previsibilidade e respeito aos contratos – temas que trataremos na próxima coluna.