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Voto de cabresto

Empresários continuam a ameaçar funcionários e fornecedores, caso Lula vença as eleições presidenciais

Burla. O bolsonarista Trennepohl, da Stara, se dirigiu aos fornecedores, mas queria enviar recado aos funcionários sem risco de processos trabalhistas - Imagem: Redes sociais
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Os bolsonaristas têm ­pressa. Menos de 24 horas após o fechamento das urnas no primeiro turno, Fábio Augusto ­Bocasanta (não se perca pelo sobrenome), diretor-administrativo e financeiro da Stara, fabricante de máquinas e equipamentos agrícolas da gaúcha Não-Me-Toque, reiniciou o terrorismo eleitoral. Em comunicado encaminhado aos fornecedores, Bocasanta informou que, “após os resultados prévios do pleito eleitoral deflagrado em 2 de outubro de 2022 e, em se mantendo esse resultado no segundo turno, a empresa deverá reduzir sua base orçamentária para o próximo ano em pelo menos 30%”.

Com pouco mais de 17,6 mil habitantes, Não-Me-Toque é o berço da imigração holandesa no estado, além de aglutinar descendentes de alemães e italianos. No domingo 2, mais de 60% dos eleitores da cidade votaram em Bolsonaro, contra 32% em Lula. O ex-ministro Onyx ­Lorenzoni, candidato ao governo ­estadual, recebeu 52% e o vice-presidente, Hamilton Mourão, 58%. O vice-prefeito, Gilson Lari Trennepohl, do União Brasil, coincidentemente é o dono da Stara, embora desde 2020 esteja oficialmente afastado do comando dos negócios, atualmente dirigido pelo filho. Emprega cerca de 4 mil trabalhadores e se transformou na locomotiva da economia local. Nessas condições, perder o posto de trabalho amedronta não apenas os empregados, mas também a cadeia produtiva do município. O comércio, a agricultura e os serviços na comunidade têm dependência quase absoluta da empresa. Pois é justamente com essas táticas do medo, da ameaça, do terrorismo ao desemprego que a Stara quer forçar os trabalhadores a votar no ex-capitão. Exerce sobre eles uma pressão que os torna submissos.

Segundo funcionários da Stara, empresa do Rio Grande do Sul, eleitores do petista foram demitidos

Segundo Luís Carlos Aguiar, “militante das causas sociais sem qualquer filiação partidária”, nas mobilizações de panfletagem defronte à Stara os empregados eram vigiados pela gravação das câmeras de segurança para saber quem “aceitou receber santinhos da oposição”. A coação teve enorme repercussão. O documento vazou nas redes sociais. Nas páginas do ­Facebook, o comunicado acabou replicado por apoiadores do ex-capitão com recados ameaçadores. “Olha aí quem votou no Lula. As empresas estão preparando para o pior recado. Quem votou no ladrão vai passar fome”, ameaça um simpatizante do bolsonarismo. Nas páginas da empresa, choveram comentários, contra e a favor. Um empregado da Stara contou em um grupo de WhatsApp: “Recebi hoje lá na firma que, caso o PT ganhe a eleição, vão cortar contrato, diminuir produção, vão mandar funcionários embora. E quem somos nós diante de uma Stara? Somos pequenininhos”.

Na terça-feira 4, o diretor-presidente da Stara, Átila Stapelbroek Trennepohl, em entrevista a uma rádio local, que, por sinal, pertence à família, e por meio das redes sociais veio a público manifestar a posição oficial da empresa. Justificou que a emissão do comunicado era destinada aos fornecedores. Afirmou que, por prática de gestão, todos os anos, no segundo semestre, a diretoria faz uma projeção dos negócios para o exercício vindouro. Agora, diante do momento de instabilidade política, os dirigentes estão “revendo o que havia sido planejado”. Em relação à pressão aos empregados foi lacônico e econômico nas palavras.  Negou que haverá demissão e “muito menos que iremos coagir para votar em A ou B”.

Os funcionários continuam amedrontados. Sob a condição de anonimato, três empregados falaram com CartaCapital a respeito das ameaças da direção da empresa. A pressão, dizem, acentuou-se nos últimos 60 dias. Em reuniões ou conversas informais, os coordenadores de setores e subsetores da fábrica “muitas vezes induziam as conversas para temas políticos” e questionavam sobre em “quem iria votar”. Logo os trabalhadores perceberam que eleitores declarados de Lula passaram a ser dispensados. “A partir daí começamos a ficar quietos, sem fazer qualquer comentário político”, conta um deles. Até que no último mês a imposição veio acompanhada de ameaças explicitas: em caso de derrota de Bolsonaro, seriam feitas demissões. Não bastasse, dizem as fontes, pequenos fornecedores ou prestadores de serviços locais começaram a ser alertados dos riscos que corriam de perder contratos.

Sem controle. Apesar do cerco judicial aos empresários que pregaram um golpe a favor do capitão, o assédio aos empregados não diminuiu – Imagem: Alan Santos/PR

Outra denúncia aconteceu em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e envolve a Extrusor, empresa de máquinas e peças para indústrias de plástico. O estilo é o mesmo: carta encaminhada aos fornecedores alerta que, “caso o resultado das eleições se mantenha da mesma forma atual, ao fim do ano passaremos nossa loja da forma física para virtual”. Nas duas situações, os empresários informam os fornecedores, embora se trate de clara tentativa de fazer ameaças aos empregados sem que o terrorismo possa ser enquadrado como desrespeito às leis trabalhistas.

O assédio dos empresários começou na disputa de 2018 e intensificou-se neste ano. Nem a tentativa do Tribunal Superior Eleitoral de contê-lo tem dado resultado. Em setembro, o ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte, determinou o bloqueio de contas e a investigação de oito bolsonaristas que, em um grupo de WhatsApp, defenderam até uma quartelada para evitar uma vitória de Lula nas urnas. O grupo também insinuava a hipótese de compra de votos: oferecer bônus salarial aos funcionários, caso Bolsonaro fosse reeleito.

No Tocantins, o pecuarista Cyro de Toledo Júnior prometeu pagar 15º e, eventualmente, 16º salário aos seus empregados, caso o ex-capitão ganhasse no primeiro turno. Em um vídeo que viralizou na internet, Toledo Júnior explicava que “a soma das metas certamente daria o 14º”, mas caso Bolsonaro vença “eu dou o 15º. Se ele vencer no primeiro turno, dou um 16º”. Depois, negou que estivesse disposto a comprar votos. “Só quero que o Bolsonaro ganhe e que os empregados passem um Natal feliz” afirmou, candidamente.

Novos casos mostram que os tribunais eleitorais não conseguem conter a prática

No início da campanha, o Ministério Público do Trabalho no Rio ­Grande do Sul e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região emitiram uma nota conjunta na qual alertavam: ameaças a trabalhadores para tentar coagir a escolha em favor de um ou mais candidatos ou candidatas “podem ser configuradas como prática de assédio eleitoral e abuso do poder econômico do empregador, passíveis de medidas extrajudiciais e judiciais na esfera trabalhista”. De acordo com Adriane Reis de Araújo, procuradora regional do Trabalho em Brasília e coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades do Ministério Público do Trabalho, situações de coerção ou pressão sobre trabalhadores para que adotem determinadas vestimentas ou símbolos de um candidato, para que participem de atos eleitorais ou votem nos candidatos indicados pelo empregador e seus representantes têm sido investigados pelo MPT. “Constituem assédio eleitoral. Trata-se de abuso do poder empresarial e podem constituir, além de ilícito trabalhista, crime eleitoral.”

Ainda segundo a procuradora, os empresários condenados podem responder uma ação civil pública em que se pede, inclusive, o pagamento de indenização por danos morais coletivos, além de ter dificultada a obtenção de empréstimos e financiamentos públicos pelo BNDES e bancos oficiais. As ações têm sido coibidas pela adequação espontânea da conduta, por meio de compromisso firmado perante o Ministério Público ou a obtenção de liminares que proíbem a prática de assédio no ambiente de trabalho. “Em alguns casos, temos obtido retratação do empregador, quando ele reconhece a importância do pluralismo político e da liberdade de consciência e da orientação política de todas as pessoas”, diz. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Voto de cabresto “

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