Política

Vaza Jato: Procuradores consultaram Receita Federal sem autorização

Procuradores da Operação Lava Jato tiveram ajuda do auditor fiscal Roberto Leonel, hoje presidente do Coaf, para obter dados sigilosos

Roberto Leonel, ex-auditor da Receita e atual presidente do Coaf (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
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Novos diálogos vazados pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o site The Intercept Brasil neste domingo 18 apontam que procuradores da Operação Lava Jato buscaram informações da Receita Federal sem que a Justiça autorizasse a quebra de sigilo fiscal de pessoas investigadas por eles.

Para obter informações sigilosas, membros da força-tarefa recorriam informalmente a Roberto Leonel, que chefiou a área de inteligência da Receita Federal em Curitiba até 2018 e mais recentemente assumiu a presidência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do governo Bolsonaro.

Segundo o jornal, os procuradores usaram bastante este expediente em 2016, quando investigavam as reformas executadas por empreiteiras no sítio de Atibaia. Foram solicitadas a Leonel informações fiscais de uma nora de Lula, do caseiro do sítio, de antigos donos e até da esposa de Lula, Marisa Letícia.

A reportagem revela ainda que, em 2015, o procurador Roberto Pozzobon pediu a Roberto Leonel informações fiscais de um sobrinho de Lula assim que surgiram notícias de que este teria feito negócios em Angola com ajuda da Odebrecht.

Já em 2016, outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, contou a colegas que pedira a Leonel para verificar se seguranças de Lula teriam adquirido uma geladeira e um fogão em 2014 para equipar o tríplex do Guarujá, alvo de outra investigação sobre o ex-presidente.

“Delete este assunto por enquanto”

As mensagens vazadas ao The Intercept Brasil e divulgadas pela Folha de S. Paulo, no entanto, não permitem saber se o então auditor da Receita atendeu aos pedidos dos procuradores por informações fiscais relacionadas a pessoas ligadas ao ex-presidente Lula.

Contudo, ao menos em um caso é possível ter certeza de que Roberto Leonel colaborou com a força-tarefa repassando informações fiscais sem autorização legal: foi em maio de 2017, quando o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) estava sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Naquela época, Rocha Loures estava afastado de seu mandato na Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que havia sido flagrado carregando uma mala de dinheiro recebida de um executivo da JBS.

Mesmo esta investigação da PGR sobre Loures estando fora da alçada de Curitiba, Leonel procurou Deltan Dallagnol depois de ser questionado pelo chefe da Coordenadoria de Pesquisa e Investigação (Copei), Gerson Schaan, seu superior, a respeito da representação feita por ele contra os pais de Loures.

“Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado está inf a vcs. Disse q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto”

— Roberto Leonel, em mensagem com grafia original enviada a Deltan Dallagnol no dia 24 de maio de 2017.

Em resposta, Deltan questionou por que a Receita tinha essa suspeita de compartilhamento de informações, mas o auditor Roberto Leonel ignorou e só contou que iria protocolar uma nova representação contra a esposa de Rocha Loures, que recentemente havia declarado uma nova conta na Suíça.

“Confidencial. A ex cônjuge do dep fed Rodrigo entregou dirpf retificadora incluindo conta no banco pictet suica Não menciona na dirpf se fez ou não dercat. Mas aproveitou o embalo e inseriu saldo de 1 milhão em cc na suica aem lastro”

— Roberto Leonel, em mensagem com grafia original enviada a Deltan Dallagnol em 2017.

Na mensagem reproduzida acima, “Dirpf” significa “Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física” e “Dercat” é referência à “Declaração de Regularização Cambial e Tributária”, documento referente ao programa para regularização de ativos mantidos no exterior, lançado em 2016.

Os vazamentos publicados pela Folha em parceria com o Intercept ainda sugerem que a Lava Jato buscou acesso amplo às informações deste programa, mas tinha receio que essa consulta expusesse quais seriam os próximos alvos da operação. A lei brasileira permite que o Ministério Público solicite informações à Receita Federal durante investigações, mas desde que formalmente e com fundamentação. Para casos abrangentes, é preciso autorização judicial.

Outro lado

Ao ser comunicada do conteúdo das mensagens vazadas, a força-tarefa e a Receita Federal optaram em não se manifestar sobre o caráter informal dos pedidos de informação feitos pela Operação Lava Jato ao Fisco, mas afirmaram ser “perfeitamente legal – comum e salutar no combate ao crime organizado – o intercâmbio de informações” entre as partes.

Sobre os pedidos de acesso ao programa de regularização de ativos no exterior, a força-tarefa se defendeu dizendo que atuou dessa maneira para proteger a identidade dos novos alvos da operação, garantindo o andamento das investigações. Por fim, o grupo voltou a repetir que não reconhece a autenticidade das mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil.

A Receita Federal, por sua vez, afirmou que seu escritório em Curitiba respeita regras do Código Tributário Nacional, que exige procedimentos formais para troca de informações, e que o Ministério Público Federal tem “poder de requisitar informações protegidas por sigilo fiscal”.

Já o ex-auditor e atual presidente do Coaf, Roberto Leonel, por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, onde hoje está alocado o órgão, declarou que não iria se manifestar sobre as mensagens vazadas.

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