Política

Uma voz autêntica

O ex-ministro e novo colunista de CartaCapital fala do Congresso, do governo Dilma e do amigo Eduardo Campos

Lyra. Sua coluna quinzenal estreia na próxima edição. Foto: Leo Caldas
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Entrevista publicada originalmente em 9 de novembro de 2012.

O ex-ministro Fernando Lyra morreu de falência múltipla de órgãos nesta quinta-feira 14, às 16h50, no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo (Leia ).

 

O MDB, a oposição consentida na ditadura, era aquele conhecido balaio de gatos em que nem ­todos eram pardos. Sabe-se como muitos deles traíram os princípios do movimento, inclusive grande parte da turma que compunha a chamada ala dos autênticos. Uma exceção é Fernando Lyra. Deputado federal por oito mandatos consecutivos, entre 1971 e 1999, ministro da Justiça do governo Sarney, indicado por Tancredo Neves, a quem considera o maior político que conheceu, Lyra continua autenticamente coerente, como se verá nesta entrevista. Pernambucano, amigo e conselheiro do governador Eduardo Campos, o ex-ministro reforça a equipe de colunistas de CartaCapital a partir da edição 724. Escreverá quinzenalmente, em revezamento com Marcos Coimbra. A seguir, Lyra avalia o cenário político brasileiro e afirma: “Na democracia, os momentos gloriosos do Congresso tornaram-se raros”.

CartaCapital: O senhor concorda com a tese de que o julgamento do “mensalão” é um divisor de águas e que, daqui para a frente, certas práticas na política não serão mais aceitas?


Fernando Lyra: É próprio da história tentar identificar marcos, eras, etapas. Na verdade, o processo histórico é um todo contínuo. De vez em quando acontecem fatos marcantes que viram divisores de água. Se o julgamento do mensalão será um deles, só o futuro dirá. Apesar de toda a sua carga de simbolismo, só dividirá águas se tiver uma interferência efetiva no aprimoramento do trato com os recursos públicos e o rigor na punição dos “malfeitos”.

CC: Como atacar a corrupção na política e no poder público?


FL: Não é uma tarefa exclusiva dos políticos. É um desafio para as instituições democráticas, para as organizações da sociedade civil e, principalmente, para a sociedade como um todo. São os eleitores que escolhem e depõem os políticos. Não podemos esquecer nossa origem latina, cuja cultura é milenarmente tolerante em relação à mistura entre patrimônio público e interesses privados. Então, tudo isso passa por uma mudança de valores do corpo social, um maior rigor na avaliação de pessoas e partidos que usam de práticas condenáveis na gestão dos recursos do povo.

CC: O financiamento público de campanha seria uma das soluções para reduzir a influência do poder econômico?


FL: Sinceramente, não acredito em nenhuma solução isolada. A redução do poder econômico no sistema só ocorrerá com a mudança na legislação, assunto que, convenhamos, não está em pauta (risos). Tudo passa por uma reforma política profunda, que ainda não foi feita porque é cobrada por uma parte da mídia e da intelectualidade, mas em nenhum momento se inseriu na pauta da sociedade. Para que o financiamento  público funcione, além das reformas mais profundas especialmente no sistema partidário, será preciso muito mais rigor no controle do chamado caixa 2. Caso contrário, vai favorecer os políticos articulados com os grandes grupos econômicos. O desequilíbrio seria ainda maior, em detrimento dos candidatos de base popular.

CC: O Brasil tem partidos demais? Seria necessário instituir uma cláusula de barreira para impedir essa dispersão?


FL: Sou contra proibir. A cláusula de barreira é uma solução antipática, impositiva. Se a intenção é fortalecer os grandes partidos, basta acabar com a excrescência das coligações nas eleições proporcionais. Cada partido teria de mostrar seu potencial, inclusive do ponto de vista ideológico. Às vezes as soluções são simples, mas muito difíceis de ser adotadas, pois contrariam grandes interesses.

CC: O senhor integrou o grupo de ­autênticos do PMDB, foi ministro, deputado ­várias vezes. Considera o atual ­Parlamento brasileiro melhor ou pior do que em seu tempo?


FL: Como diz a sabedoria popular, nem melhor nem pior, apenas diferente. Quando conquistei meu primeiro mandato, havia uma ditadura no País. Uma ditadura que, como todo mundo sabe, tinha a ­pretensão de parecer uma democracia e criou um partido de oposição. Entrei nele e, apesar de todas as dificuldades, da ameaça que pesava sobre nossas cabeças, da cassação de mandatos, de prisões, torturas e assassinatos de parlamentares, o MDB se transformou em importante espaço de luta democrática. O Parlamento viveu no período momentos deploráveis e momentos gloriosos. Hoje, com a democracia instalada, os momentos gloriosos tornam-se raros.

CC: Como avalia o governo Dilma Rousseff até este momento?


FL: Dilma herdou a enorme responsabilidade de dar continuidade ao governo mais popular da República. Enfrenta uma crise internacional de grandes proporções. Sabemos que o cobertor dos recursos é curto. O governo continua a investir prioritariamente no social e é natural que alguns setores comecem a sentir falta de investimentos. Mas, no conjunto, ela está se saindo muito bem. Não sou eu quem diz, é a opinião pública, medida nas pesquisas.

CC: O governador Eduardo Campos, seu amigo, está em ascensão. Se o senhor fosse lhe dar um conselho, diria para ele concorrer à Presidência em 2014 ou esperar um pouco mais?


FL: Concordo com o pensamento de que candidatura presidencial vitoriosa não é projeto, é destino. O importante é que, no governo Eduardo Campos, Pernambuco mudou, venceu barreiras históricas, descortinou uma nova perspectiva de futuro. Hoje, ele é um protagonista indispensável da cena política nacional. Quando o momento de uma possível candidatura se apresentar, ele saberá fazer a opção, não precisa do meu conselho. Mas, se ele pedir minha opinião, darei com todo prazer.

CC: Eduardo Campos forjou um amplo arco de alianças em Pernambuco, onde quase não existe oposição. É neto de um esquerdista, mas bem-aceito pelo empresariado local e pelas elites. Qual o segredo?


FL: Eduardo começou ainda adolescente na política, teve uma escola exemplar e trajetória inquestionável. Foi oficial de gabinete do governador, chefe de gabinete do governador, secretário de Governo, secretário da Fazenda, deputado estadual, deputado federal, ministro da Ciência e Tecnologia e governador de Estado. A essa vivência agrega determinação, capacidade de formar equipe, eficiência gerencial, tino político, carisma e liderança. Não tem segredo, tem uma combinação rara de qualidades.

CC: Qual deve ser o discurso de quem pretende se eleger presidente da República no Brasil contemporâneo?


FL: Não existe uma fórmula de discurso, sacada do bolso do colete. Existem valores e princípios a ser defendidos. Existe um discurso de situação e discursos de oposição que serão elaborados no momento apropriado. A eleição presidencial ainda não está na agenda do povo.

CC: Qual foi o maior político que o senhor conheceu e por quê?


FL: Tive a felicidade de conviver com grandes políticos de várias gerações. Tenho muita alegria em ver desabrocharem jovens políticos com futuro promissor, como o próprio Eduardo, Aécio Neves e alguns outros. Porém, o maior político que conheci foi sem dúvida Tancredo Neves. Mais do que ninguém, ele soube fazer a hora na história do Brasil. Personificou a transição democrática, mas o destino não quis que fosse o seu executor.

Entrevista publicada originalmente em 9 de novembro de 2012.

O ex-ministro Fernando Lyra morreu de falência múltipla de órgãos nesta quinta-feira 14, às 16h50, no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo (Leia ).

 

O MDB, a oposição consentida na ditadura, era aquele conhecido balaio de gatos em que nem ­todos eram pardos. Sabe-se como muitos deles traíram os princípios do movimento, inclusive grande parte da turma que compunha a chamada ala dos autênticos. Uma exceção é Fernando Lyra. Deputado federal por oito mandatos consecutivos, entre 1971 e 1999, ministro da Justiça do governo Sarney, indicado por Tancredo Neves, a quem considera o maior político que conheceu, Lyra continua autenticamente coerente, como se verá nesta entrevista. Pernambucano, amigo e conselheiro do governador Eduardo Campos, o ex-ministro reforça a equipe de colunistas de CartaCapital a partir da edição 724. Escreverá quinzenalmente, em revezamento com Marcos Coimbra. A seguir, Lyra avalia o cenário político brasileiro e afirma: “Na democracia, os momentos gloriosos do Congresso tornaram-se raros”.

CartaCapital: O senhor concorda com a tese de que o julgamento do “mensalão” é um divisor de águas e que, daqui para a frente, certas práticas na política não serão mais aceitas?


Fernando Lyra: É próprio da história tentar identificar marcos, eras, etapas. Na verdade, o processo histórico é um todo contínuo. De vez em quando acontecem fatos marcantes que viram divisores de água. Se o julgamento do mensalão será um deles, só o futuro dirá. Apesar de toda a sua carga de simbolismo, só dividirá águas se tiver uma interferência efetiva no aprimoramento do trato com os recursos públicos e o rigor na punição dos “malfeitos”.

CC: Como atacar a corrupção na política e no poder público?


FL: Não é uma tarefa exclusiva dos políticos. É um desafio para as instituições democráticas, para as organizações da sociedade civil e, principalmente, para a sociedade como um todo. São os eleitores que escolhem e depõem os políticos. Não podemos esquecer nossa origem latina, cuja cultura é milenarmente tolerante em relação à mistura entre patrimônio público e interesses privados. Então, tudo isso passa por uma mudança de valores do corpo social, um maior rigor na avaliação de pessoas e partidos que usam de práticas condenáveis na gestão dos recursos do povo.

CC: O financiamento público de campanha seria uma das soluções para reduzir a influência do poder econômico?


FL: Sinceramente, não acredito em nenhuma solução isolada. A redução do poder econômico no sistema só ocorrerá com a mudança na legislação, assunto que, convenhamos, não está em pauta (risos). Tudo passa por uma reforma política profunda, que ainda não foi feita porque é cobrada por uma parte da mídia e da intelectualidade, mas em nenhum momento se inseriu na pauta da sociedade. Para que o financiamento  público funcione, além das reformas mais profundas especialmente no sistema partidário, será preciso muito mais rigor no controle do chamado caixa 2. Caso contrário, vai favorecer os políticos articulados com os grandes grupos econômicos. O desequilíbrio seria ainda maior, em detrimento dos candidatos de base popular.

CC: O Brasil tem partidos demais? Seria necessário instituir uma cláusula de barreira para impedir essa dispersão?


FL: Sou contra proibir. A cláusula de barreira é uma solução antipática, impositiva. Se a intenção é fortalecer os grandes partidos, basta acabar com a excrescência das coligações nas eleições proporcionais. Cada partido teria de mostrar seu potencial, inclusive do ponto de vista ideológico. Às vezes as soluções são simples, mas muito difíceis de ser adotadas, pois contrariam grandes interesses.

CC: O senhor integrou o grupo de ­autênticos do PMDB, foi ministro, deputado ­várias vezes. Considera o atual ­Parlamento brasileiro melhor ou pior do que em seu tempo?


FL: Como diz a sabedoria popular, nem melhor nem pior, apenas diferente. Quando conquistei meu primeiro mandato, havia uma ditadura no País. Uma ditadura que, como todo mundo sabe, tinha a ­pretensão de parecer uma democracia e criou um partido de oposição. Entrei nele e, apesar de todas as dificuldades, da ameaça que pesava sobre nossas cabeças, da cassação de mandatos, de prisões, torturas e assassinatos de parlamentares, o MDB se transformou em importante espaço de luta democrática. O Parlamento viveu no período momentos deploráveis e momentos gloriosos. Hoje, com a democracia instalada, os momentos gloriosos tornam-se raros.

CC: Como avalia o governo Dilma Rousseff até este momento?


FL: Dilma herdou a enorme responsabilidade de dar continuidade ao governo mais popular da República. Enfrenta uma crise internacional de grandes proporções. Sabemos que o cobertor dos recursos é curto. O governo continua a investir prioritariamente no social e é natural que alguns setores comecem a sentir falta de investimentos. Mas, no conjunto, ela está se saindo muito bem. Não sou eu quem diz, é a opinião pública, medida nas pesquisas.

CC: O governador Eduardo Campos, seu amigo, está em ascensão. Se o senhor fosse lhe dar um conselho, diria para ele concorrer à Presidência em 2014 ou esperar um pouco mais?


FL: Concordo com o pensamento de que candidatura presidencial vitoriosa não é projeto, é destino. O importante é que, no governo Eduardo Campos, Pernambuco mudou, venceu barreiras históricas, descortinou uma nova perspectiva de futuro. Hoje, ele é um protagonista indispensável da cena política nacional. Quando o momento de uma possível candidatura se apresentar, ele saberá fazer a opção, não precisa do meu conselho. Mas, se ele pedir minha opinião, darei com todo prazer.

CC: Eduardo Campos forjou um amplo arco de alianças em Pernambuco, onde quase não existe oposição. É neto de um esquerdista, mas bem-aceito pelo empresariado local e pelas elites. Qual o segredo?


FL: Eduardo começou ainda adolescente na política, teve uma escola exemplar e trajetória inquestionável. Foi oficial de gabinete do governador, chefe de gabinete do governador, secretário de Governo, secretário da Fazenda, deputado estadual, deputado federal, ministro da Ciência e Tecnologia e governador de Estado. A essa vivência agrega determinação, capacidade de formar equipe, eficiência gerencial, tino político, carisma e liderança. Não tem segredo, tem uma combinação rara de qualidades.

CC: Qual deve ser o discurso de quem pretende se eleger presidente da República no Brasil contemporâneo?


FL: Não existe uma fórmula de discurso, sacada do bolso do colete. Existem valores e princípios a ser defendidos. Existe um discurso de situação e discursos de oposição que serão elaborados no momento apropriado. A eleição presidencial ainda não está na agenda do povo.

CC: Qual foi o maior político que o senhor conheceu e por quê?


FL: Tive a felicidade de conviver com grandes políticos de várias gerações. Tenho muita alegria em ver desabrocharem jovens políticos com futuro promissor, como o próprio Eduardo, Aécio Neves e alguns outros. Porém, o maior político que conheci foi sem dúvida Tancredo Neves. Mais do que ninguém, ele soube fazer a hora na história do Brasil. Personificou a transição democrática, mas o destino não quis que fosse o seu executor.

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