Política

Um pote até aqui de mágoas

As desavenças nacionais entre PDT e PT ameaçam a longeva e bem-sucedida aliança no Ceará

Ciro e Camilo Santana. Imagem: Redes sociais
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Depois de 16 anos de uma aliança consolidada no Ceará, PT e PDT podem marchar separados nas eleições estaduais deste ano. Isso porque existe um rosário de ­mágoas e insatisfações dos dois lados, rusgas que ultrapassam as fronteiras locais, influenciadas, até certo ponto, pelo acirramento imposto pela disputa presidencial. O discurso antipetista e antilulista impresso por Ciro Gomes tem provocado mal-estar no PT cearense, que, para continuar na aliança, impõe veto ao nome do ex-prefeito de Fortaleza, o pedetista Roberto Cláudio, preferido de Ciro para disputar o governo do estado. Como se fosse pouco o desentendimento entre petistas e pedetistas, no próprio PDT o clima é de animosidade. A governadora Izolda Cela, que assumiu o cargo em abril, com a saída do petista Camilo Santana, candidato ao Senado, lançou-se à reeleição, mas tem sido combatida internamente, sem falar de outros dois pré-candidatos, o deputado estadual Evandro Leitão e o federal Mauro Filho.

No PT, o grupo hegemônico defende a manutenção da aliança e reconhece que cabe ao PDT indicar a cabeça de chapa, pois o partido ocupa a vaga de senador. Os petistas preferem, no entanto, Cela ou Leitão, que comanda a Assembleia Legislativa. Em entrevista recente, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, afirmou não aceitar o veto e sinalizou apoio a Cláudio, posição compartilhada pelo deputado federal André Figueiredo, presidente estadual da legenda. “Não aceitamos vetos injustificáveis, não há nada que desabone a reputação de qualquer um dos quatro nomes colocados, todos são democráticos e antibolsonaristas, não tem por que ter veto”, dispara o parlamentar. Em junho, diz Figueiredo, o partido deve anunciar o indicado, após uma série de 12 encontros regionais.

A crítica a Cláudio concentra-se no estilo do ex-prefeito, apontado como muito similar ao de Ciro, sobretudo nos ataques aos petistas. Recentemente, o presidenciável do PDT insinuou que a deputada federal e ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins representa o “lado corrupto do PT” no estado. “É possível manter a aliança, desde que o nome que vá representar o projeto garanta uma harmonia entre a candidatura ao governo e as presidenciais. Identificamos no nome de Roberto Cláudio alguém que tenha a mesma linha política do Ciro, absolutamente inaceitável. Não temos como conviver politicamente com uma candidatura que reproduz o que Ciro Gomes tem feito no plano nacional. Pior que o veto é imaginar a campanha de alguém que trata o Lula e o PT como Ciro trata. O PDT tem quatro nomes e dois deles a gente tem condições de dialogar e apoiar. O partido precisa decidir se quer ou não manter a aliança. Se a escolha for Roberto Cláudio, o PT terá candidatura própria. Reconhecemos que a governadora Izolda tem o direito à reeleição”, salienta o deputado Elmano Freitas, líder petista na Assembleia Legislativa.

O parlamentar diz ainda que a candidatura de Lula é prioridade para o PT e que, caso a aliança seja rompida, o nome mais provável para disputar o governo é o de Luizianne Lins. Freitas não descarta, porém, uma coligação com o MDB do ex-senador Eunício Oliveira, que já declarou apoio a Lula e foi convidado para compor a coordenação da campanha presidencial no Ceará, ao lado de representantes do PT, PCdoB e PV. Oliveira rompeu com a aliança liderada pelos Ferreira Gomes em 2014, quando o grupo não o apoiou à corrida estadual, eleição na qual o emedebista perdeu por uma diferença de 3 mil votos. O ex-senador está disposto a recompor, desde que a candidata seja Cela e o MDB, contemplado. “Se não for Izolda e o PT romper com o grupo, estaremos juntos numa chapa com Lula e Camilo e coloco meu nome para o governo, tendo Luizianne como vice”, sugere.

Os petistas vetam a candidatura ao estado do ex-prefeito Roberto Cláudio, discípulo de Ciro Gomes

Roberto Cláudio não atendeu aos pedidos de entrevista desta publicação, mas tem dito que defende a manutenção da aliança. “A unidade é fundamental e por essa razão nenhum projeto pessoal, individual, qualquer justa ambição e desejo, pode ser maior que a nossa responsabilidade com a continuidade desse legado”, disse à TV Ceará. O ex-prefeito tem cumprido uma agenda intensa no interior, na busca de apoio de prefeitos para consolidar sua candidatura. Segunda opção do PT, Leitão também defende a manutenção da aliança e se diz preparado para a missão. “Estou pronto, assim como os demais nomes, para qualquer desafio colocado pelo nosso grupo político para continuar os avanços que o estado tem vivido nos últimos anos.” A governadora não quis se pronunciar sobre o assunto, assim como os irmãos Cid e Ciro Gomes.

Embora existam quatro pré-candidatos pedetistas, a decisão deve se dar mesmo entre Cela e Cláudio. Nos bastidores, fala-se de uma divergência entre os irmãos Ferreira Gomes, pois a governadora seria a opção de Cid. Cela tem uma relação pessoal e histórica com o senador, foi secretária de Educação quando ele foi prefeito do município de Sobral, pasta que também comandou em nível estadual nos oito anos do governo do pedetista, além de ter sido indicada por ele a vice na chapa encabeçada por Camilo Santana em 2014 e na reeleição em 2018. Santana, também muito próximo de Cid Gomes, trabalha pela reeleição da governadora. Não está descartada a hipótese de o candidato vir a ser o próprio Cid, que está na metade do mandado de senador, uma alternativa para acalmar os ânimos e manter o arranjo.

“O grupo Ferreira Gomes é extremamente grande e heterogêneo e tem muitos interesses divergentes. O grupo começa a dar sinais de esgotamento, mas está consolidado no estado e não é impossível que se mantenha, tendo em vista a própria força”, analisa a socióloga Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará e integrante do Laboratório de Política, Eleições e Mídias da UFCE. A especialista destaca a liderança política de Camilo Santana, que saiu do governo com alta popularidade e lidera com folga a corrida pelo Senado. E ressalta: o racha na aliança fortalece a candidatura do Capitão Wagner (União Brasil), aliado de Jair Bolsonaro. “A possibilidade de candidaturas próprias do PT e PDT fortaleceria a oposição, o que representaria a mudança de um ciclo político e o fim da era dos Ferreira Gomes. É uma realidade no horizonte.”

Diante do impasse e da possibilidade de a aliança perder o comando político do estado, está prevista para os próximos dias reunião entre os presidentes nacionais do PT e PDT, Gleisi Hoffmann e ­Carlos Lupi. A paz será selada? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Um pote até aqui de mágoas”

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