Política
Tudo é política
Déia Freitas, do podcast Não Inviabilize, lança uma série sobre vidas transformadas por programas sociais


Vítima de transfobia na infância e tráfico de pessoas na juventude, a transexual Dandara, 41 anos, viu a história de sua vida tomar um novo rumo após conseguir uma bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos) em 2007. Só depois de ingressar no ambiente acadêmico a transexual pôde perceber que poderia ter uma vida digna e ocupar outros espaços. “É muito significativa a história de Dandara, porque a gente vê que ela estava à beira do abismo, agarrou uma oportunidade e mudou radicalmente a vida para melhor. E o programa é para que a pessoa acredite no seu potencial, mas, para que isso aconteça, a oportunidade precisa existir”, resumiu Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e candidato a governador de São Paulo pelo PT .
O relato da trajetória de Dandara, com comentário de Haddad, é o primeiro episódio do Especial Políticas Públicas, elaborado pela podcaster Déia Freitas, idealizadora do Não Inviabilize – canal de grande sucesso nas plataformas dedicado a crônicas da vida real. Em uma sequência de quatro partes, Freitas conta histórias emocionantes de beneficiários de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. A série, afirma, foi lançada neste momento que antecede o primeiro turno das eleições para deixar mais claro na cabeça dos ouvintes que é possível apostar em um governo compromissado com políticas públicas, a partir do retorno do ex-presidente Lula à Presidência da República. “Chegou o momento de se posicionar e lutar pelo bem maior, a manutenção da dignidade. Esse é meu ato democrático voluntário para a retomada de algo que estamos perdendo ao longo dos últimos anos: a esperança.”
Ainda no início do ano, a podcaster começou a reunir relatos e a pedir no Twitter para seus ouvintes indicarem histórias. Segundo ela, foram muitas, especialmente em relação ao ProUni, e demonstravam como brasileiros conseguiram sair de uma situação de pobreza por meio da educação. “Isso me deixou muito emocionada, foram cerca de 200 casos. Eu contei um, e escolhi contar a história de uma travesti para poder abordar também esses assuntos. Eu não imaginava o alcance que esse programa teve, como mudou a vida de jovens.”
No episódio sobre o programa educacional, Haddad também afirma que não imaginava como o ProUni mudaria a vida de tanta gente. “São mais de 3 milhões de brasileiros. Sempre que estou em algum evento, aparece alguém com um cartaz falando sobre o ProUni. Ouvir essas histórias me deixa muito feliz.”
“É meu ato voluntário para a retomada de algo que estamos perdendo ao longo dos últimos anos: a esperança”
Além de Dandara, outro protagonista de um episódio que teve a vida transformada pelo programa é Guto. Após conseguir ingressar no ensino superior, com uma bolsa, ele se formou em engenharia elétrica e passou em um concurso público. Só o valor do vale-refeição é a soma do salário de toda a família que o havia sustentado. “Fiz faculdade pelo ProUni, meu irmão estudou no instituto federal, minha irmã também teve bolsa no ensino superior, trabalho no programa Escola da Família. Ambos compraram casa pelo Minha Casa Minha Vida e muitas outras coisas que vieram para nos dar apoio social e de desenvolvimento. Cada oportunidade dessas na vida das pessoas é uma semente plantada que vai gerar muitos frutos no futuro”, diz Guto.
Para Déia Freitas, contar essas histórias serve para reafirmar a importância da política no dia a dia. “Existe um pouco de dificuldade das pessoas em entender bem, quando a gente fala sobre política. Geralmente, pensam em roubalheiras, corrupção, que político não faz nada. Mas as pessoas não entendem que, quando a gente fala sobre direitos básicos, também estamos falando sobre política.”
Nos últimos dias, o Twitter do podcast foi inundado de comentários de ouvintes que se emocionaram com as histórias e os agradecimentos por uma explicação simples sobre o que é política pública. “Fiquei feliz com o resultado, eu estava preparada para uma onda de ódio bem maior, mas só vi um dizendo que ficou decepcionado, mas não é a primeira nem vai ser a última história que conto e que deixa alguém decepcionado.”
Logo no início do especial, Freitas achou por bem, no entanto, fazer uma ressalva para se precaver de questionamentos sobre o motivo de um podcast de crônicas falar sobre o assunto: “Tudo é política. O ser humano é um ser político, tudo na vida é política, o ato de comer, de se expressar, de se vestir, de ir para lá e para cá, tudo envolve política”. A caminho dos 100 milhões de plays no Spotify, a podcaster ressalta que os episódios do Não Inviabilize são permeados por questões políticas, como nas crônicas que relatam casos de racismo ou abuso. “Estou falando sobre política, acho que falta às pessoas entenderem mesmo o que a política engloba.”
As questões sobre relacionamentos abusivos, que aparecem com frequência no quadro “Picolé de Limão” (com histórias ácidas geralmente sobre relacionamento), são aquelas com tom político mais evidente, por se tratar de direitos das mulheres. “Eu conto histórias de pessoas comuns que a gente pode encontrar todo dia. Muitas vezes, enquanto uma pessoa está ouvindo a história, ela se reconhece naquela situação e fala ‘poxa, então o que estou sofrendo aqui é abuso, isso não é legal’. De certa forma, é até educativo, como um sinal de alerta e as pessoas já usam bordões criados no programa, como ‘êe, fulaninha’, para situações em que uma cilada era nítida.”
Nesse campo, acredita Freitas, o podcast consegue deixar as mulheres mais espertas em relação a vários tipos de pequenos abusos. Ela espera que o impacto das políticas públicas na vida dos personagens selecionados também consiga deixar o eleitor mais esperto na hora de pensar sobre política. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1227 DE CARTACAPITAL, EM 28 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Tudo é política “
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