Política

Torturadores, tremei!

Decisões judiciais anulam a proteção da Lei da Anistia às ações dos agentes da ditadura

Caldas. "A revisão da lei é questão de tempo". Foto: Glaucio Dettmar
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Há poucos dias, em decisão inédita, o juiz Guilherme Dezem, de São Paulo, determinou que no atestado de óbito de João Batista Drummond, dirigente do PCdoB, morto em 1976, conste que ele morreu em decorrência de “torturas físicas” e não de “traumatismo craniano encefálico” como consta hoje.

Esse é o mais recente indício de que a Lei da Anistia brasileira não resistirá ao ambiente democrático.

“A revisão dessa lei é só uma questão de tempo”, sustenta o advogado Roberto Caldas, indicado pelo governo brasileiro para disputar, na Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), a vaga de juiz titular da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em San José da Costa Rica.

Além da criação da Comissão da Verdade, a indicação de Caldas é mais um sólido sinal de intolerância do governo Dilma à Lei da Anistia.

Talvez não haja ninguém no País mais versado sobre o tema do que ele. Profissional sóbrio e sem paixões partidárias, Caldas participa das decisões da CIDH desde 2008 e, como juiz ad hoc, já votou por três vezes pela condenação do Estado brasileiro. A mais recente delas foi a decisão sobre a Guerrilha do Araguaia.

O julgamento ocorreu em 2010, com base na Convenção Americana de Direitos Humanos, que, segundo Caldas, “declarou nula, de pleno direito, a Lei da Anistia brasileira quanto aos crimes cometidos por agentes do Estado”.

A razão é simples. As regras jurídicas não admitem uma lei de autoanistia. Ela é inexistente, inválida, para a Corte e para os tribunais internacionais.

Caldas não tem dúvidas sobre a -necessidade de o Brasil se submeter às decisões impostas por tratados internacionais que assinou: “A ordem jurídica internacional está atenta para não permitir que os detentores do poder político legislem em causa própria, com o objetivo de encobrir crimes graves contra direitos humanos. Mais uma razão somou-se a isso: os crimes de lesa-humanidade não podem ser objeto de anistia nem de prescrição”.

Ele interpreta assim o sentido dessa decisão: “É a condenação de um crime muito mais agressivo do que o assassinato. Funciona como pressão contra um tipo de pensamento que afeta toda a sociedade e não só os que sofreram”.

Um exemplo disso é o medo presente na sociedade brasileira quanto a uma possível retaliação dos militares à apuração de crimes cometidos na ditadura.

Embora lento por tradição cultural, Caldas acredita que o Judiciário brasileiro começará a recepcionar as decisões tomadas pelas cortes internacionais. Talvez um pouco mais tarde do que seria preciso, mas certamente antes do que muitos gostariam.


Ao declarar a Lei da Anistia constitucional, o STF, no entanto, não a blindou definitivamente?

Roberto Caldas diz que não, e explica: “A decisão do tribunal ateve-se à análise da constitucionalidade da lei. Não há qualquer equiparação com decisões tomadas no âmbito do direito internacional vigente à época. É anterior ao julgamento do caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana, que interpreta e aplica a Convenção Americana, uma espécie de Constituição continental sobre Direitos Humanos”.

Isso significa, por exemplo, que “é perfeitamente cabível”, segundo ele, “a análise dos crimes continuados, por parte de agentes do Estado”.

A Lei da Anistia não é o nó cego pensado pelos articuladores dela: a proteção permanente das ações desumanas, imposta aos presos políticos na ditadura, está com os dias contados. Portanto, torturadores, tremei!

Há poucos dias, em decisão inédita, o juiz Guilherme Dezem, de São Paulo, determinou que no atestado de óbito de João Batista Drummond, dirigente do PCdoB, morto em 1976, conste que ele morreu em decorrência de “torturas físicas” e não de “traumatismo craniano encefálico” como consta hoje.

Esse é o mais recente indício de que a Lei da Anistia brasileira não resistirá ao ambiente democrático.

“A revisão dessa lei é só uma questão de tempo”, sustenta o advogado Roberto Caldas, indicado pelo governo brasileiro para disputar, na Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), a vaga de juiz titular da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em San José da Costa Rica.

Além da criação da Comissão da Verdade, a indicação de Caldas é mais um sólido sinal de intolerância do governo Dilma à Lei da Anistia.

Talvez não haja ninguém no País mais versado sobre o tema do que ele. Profissional sóbrio e sem paixões partidárias, Caldas participa das decisões da CIDH desde 2008 e, como juiz ad hoc, já votou por três vezes pela condenação do Estado brasileiro. A mais recente delas foi a decisão sobre a Guerrilha do Araguaia.

O julgamento ocorreu em 2010, com base na Convenção Americana de Direitos Humanos, que, segundo Caldas, “declarou nula, de pleno direito, a Lei da Anistia brasileira quanto aos crimes cometidos por agentes do Estado”.

A razão é simples. As regras jurídicas não admitem uma lei de autoanistia. Ela é inexistente, inválida, para a Corte e para os tribunais internacionais.

Caldas não tem dúvidas sobre a -necessidade de o Brasil se submeter às decisões impostas por tratados internacionais que assinou: “A ordem jurídica internacional está atenta para não permitir que os detentores do poder político legislem em causa própria, com o objetivo de encobrir crimes graves contra direitos humanos. Mais uma razão somou-se a isso: os crimes de lesa-humanidade não podem ser objeto de anistia nem de prescrição”.

Ele interpreta assim o sentido dessa decisão: “É a condenação de um crime muito mais agressivo do que o assassinato. Funciona como pressão contra um tipo de pensamento que afeta toda a sociedade e não só os que sofreram”.

Um exemplo disso é o medo presente na sociedade brasileira quanto a uma possível retaliação dos militares à apuração de crimes cometidos na ditadura.

Embora lento por tradição cultural, Caldas acredita que o Judiciário brasileiro começará a recepcionar as decisões tomadas pelas cortes internacionais. Talvez um pouco mais tarde do que seria preciso, mas certamente antes do que muitos gostariam.


Ao declarar a Lei da Anistia constitucional, o STF, no entanto, não a blindou definitivamente?

Roberto Caldas diz que não, e explica: “A decisão do tribunal ateve-se à análise da constitucionalidade da lei. Não há qualquer equiparação com decisões tomadas no âmbito do direito internacional vigente à época. É anterior ao julgamento do caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana, que interpreta e aplica a Convenção Americana, uma espécie de Constituição continental sobre Direitos Humanos”.

Isso significa, por exemplo, que “é perfeitamente cabível”, segundo ele, “a análise dos crimes continuados, por parte de agentes do Estado”.

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