Política
Todos contra todos
Com direita e esquerda rachadas, quatro candidatos disputam palmo a palmo passagem para o segundo turno das eleições


Nas eleições deste ano, Fortaleza tornou-se palco de batalhas fratricidas entre candidatos do mesmo campo ideológico. À direita, Capitão Wagner, do União Brasil, engalfinha-se com o deputado federal André Fernandes, do PL, apoiado por Jair Bolsonaro. Pelo campo progressista, a queda de braço se dá entre o prefeito José Sarto, do PDT, em busca de reeleição com a bênção de Ciro Gomes e do ex-prefeito Roberto Cláudio, e o deputado estadual Evandro Leitão, alçado a candidato pelo ministro da Educação, Camilo Santana, com o apoio do presidente Lula e do governador Elmano de Freitas, todos do PT, além do senador Cid Gomes, do PSB. Por disputarem fatias específicas do eleitorado, são remotas as chances de um segundo turno disputado entre políticos do mesmo grupo político. Um sobe à custa do outro.
Até pouco tempo, os institutos apontavam folgada liderança de Wagner, mas o cenário começa a mudar. Na quarta-feira 11, o ex-PM somava 24% das intenções de voto na Quaest, seguido de perto por Fernandes (21%), Evandro Leitão (21%) e José Sarto (18%). Antes, o AtlasIntel já havia indicado uma erosão na dianteira de Wagner, que até julho figurava com 33% em algumas sondagens. Além da concorrência bolsonarista, o candidato é assombrado pela fama de “cavalo paraguaio”, aquele que dispara na largada, mas refuga na reta final.
Há dois anos, na sucessão para governador, Wagner esteve na liderança até as vésperas da votação, mas o petista Elmano de Freitas terminou eleito ainda no primeiro turno. Em 2020, perdeu a prefeitura de Fortaleza no segundo turno para Sarto por uma diferença de apenas 3% dos votos. “Capitão Wagner tem um recall importante, já foi candidato várias vezes, bateu na trave em 2020, foi deputado estadual, federal, vereador, sempre com votações muito expressivas. Ficou muito conhecido por sua participação no motim dos policiais militares, em 2012, e é um nome forte da direita cearense”, comenta a socióloga Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará e pesquisadora do Observatório das Eleições. “Mas a tendência é que ele perca um pouco do seu eleitorado, considerando que André Fernandes se coloca como o mais fiel representante do bolsonarismo no Estado. Wagner sempre começa em vantagem nas pesquisas, mas parece possuir um teto, que não consegue superar.”
Capitão Wagner, André Fernandes, Evandro Leitão e José Sarto estão tecnicamente empatados, segundo a pesquisa Quaest
Apesar de muito jovem – tem apenas 26 anos –, André Fernandes também acumula um capital político importante. Foi o campeão de votos em 2018, quando disputou uma vaga para a Assembleia Legislativa, e em 2022, ao se eleger deputado federal. Domina como poucos o traquejo nas redes sociais, acumulando 1,8 milhão de seguidores no Instagram, no qual sempre se apresentou como um soldado da extrema-direita. Em agosto, contou com a presença de Bolsonaro em uma motocarreata, evento que marcou o lançamento da sua campanha, e, em abril, recebeu em Fortaleza Nikolas Ferreira, deputado federal e um dos um expoentes jovens da extrema-direita.
Agora, para ir além da bolha extremista, Fernandes modera o discurso, visando atingir parcelas mais amplas do eleitorado. Em recente entrevista, disse que vai dialogar, caso eleito, com o governador Elmano de Freitas e com o presidente Lula, por representar, como prefeito, não apenas o segmento conservador, mas toda a sociedade. Já Wagner distanciou-se de Bolsonaro nos últimos anos, exatamente para escapar da pecha de radical.
Duelo de padrinhos. O neopetista Evandro Leitão conta com Lula no palanque. O prefeito José Sarto fia-se no apoio de Ciro Gomes – Imagem: Redes sociais e Ricardo Stuckert/PR
“Nesse momento, ambos caminham para o centro, mas com estratégias diferentes”, observa Torres. Ao mesmo tempo que se diz aberto ao diálogo com adversários se for eleito, Fernandes mantém um agressivo discurso de “combate à corrupção e à velha política”. Já Wagner, além de afastar-se de Bolsonaro, busca descolar-se da imagem de político monotemático, por ter levantado por muitos anos a bandeira da segurança pública como pauta prioritária e quase única. Agora, busca associar-se ao perfil de gestor público, valendo-se da experiência como secretário de Saúde de Maracanaú, município da Região Metropolitana de Fortaleza, cargo que assumiu após perder a eleição para governador em 2022.
No campo progressista, a cisão começou em 2020, quando PT e PDT estiveram em palanques distintos na corrida pela prefeitura de Fortaleza, e foi potencializada na disputa estadual, em 2022, com o fim de uma aliança histórica de 16 anos entre os dois partidos. Para carimbar o passaporte para o segundo turno, Sarto conta com o peso da máquina municipal e com o capital político de Roberto Cláudio, que deixou a prefeitura com alto índice de aprovação. Já o neopetista Evandro Leitão precisa superar a dificuldade de ser pouco conhecido do eleitorado da capital, apesar de presidir a Assembleia Legislativa do Ceará. Para isso, aposta todas as fichas nos padrinhos políticos. Lula esteve no lançamento de sua campanha e deve voltar a Fortaleza antes do primeiro turno para pedir voto para o candidato petista. Camilo Santana resolveu puxar para si a empreitada e se licenciou do Ministério da Educação para entrar de cabeça na campanha do correligionário. Cid Gomes também passou a fazer agendas com Leitão. A movimentação começa a render frutos. Na pesquisa Quaest, ele conseguiu ultrapassar Sarto e abrir três pontos de vantagem, ainda que dentro da margem de erro.
A briga dos irmãos Cid e Ciro Gomes aprofundou a cisão entre PT e PDT
“Fico muito honrado de poder contar com o apoio do maior presidente da história deste país, do ministro da Educação e ex-governador do Ceará que enfrentou a pandemia de forma exemplar, se destacando como um líder, e do apoio do senador e ex-governador que iniciou o processo de transformação num estado modelo para a Educação do Brasil. Esses nomes fortalecem nossa campanha e dão a certeza aos eleitores de que farão a escolha certa votando no nosso projeto”, afirma Leitão. Um dos principais calos da gestão Sarto é também o trunfo do candidato petista para superar o ex-aliado e garantir vaga no segundo turno: a taxa do lixo, implantada pela prefeitura e motivo de insatisfação generalizada entre os fortalezenses. O tributo corresponde a valores anuais que vão de 258 reais a 1,6 mil reais, a depender da metragem das residências. Moradores de baixa renda estão isentos.
“Havia certa dissidência interna no PDT, uma parcela do partido queria um nome com mais competitividade, porque Sarto estava desgastado. Mas as principais figuras da sigla no Estado, Ciro e André Figueiredo (deputado federal e presidente da legenda) defenderam que a candidatura dele é natural e, portanto, o prefeito tem o direito de disputar a reeleição”, explica Torres, lembrando que o PDT passou por um processo de inanição depois do racha dos irmãos Ferreira Gomes. Ciro ficou com o PDT e Cid assumiu o comando do PSB no Estado, levando consigo mais de 80% dos prefeitos do partido. •
Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Todos contra todos’
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