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Todos contra Paes

Com chances de vencer as eleições no primeiro turno, o prefeito será alvo da esquerda à extrema-direita

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Chapa puro-sangue. Em busca da reeleição, o candidato esnoba o apoio de Lula e exclui o PT da definição de seu vice. O escolhido é Eduardo Cavaliere, do PSD – Imagem: Ricardo Stuckert/PR e Redes Sociais/Alerj
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A história ensina que nenhuma eleição é ganha de véspera, mas somente uma reviravolta inédita no Rio de Janeiro parece capaz de impedir a vitória de Eduardo Paes, do PSD, na disputa para a prefeitura em outubro. Com 49% das intenções de voto, segundo uma pesquisa da Quaest divulgada na última semana de julho, o atual prefeito por enquanto navega em águas tranquilas rumo ao seu quarto mandato, mas, no que depender de seus dois principais adversários, tudo pode mudar com o início da campanha eleitoral. À esquerda e à direita, respectivamente, os deputados federais Tarcísio Motta, do PSOL, e Alexandre Ramagem, do PL, traçaram estratégias para conquistar parte do heterogêneo eleitorado de Paes e chegar ao segundo turno, no qual, ao menos em tese, tudo pode acontecer.

O trunfo na manga de Ramagem, que aparece com 13% das intenções de voto, atende pelo nome de Jair Bolsonaro. Na mesma pesquisa, quando associado ao ex-presidente, o candidato do PL salta para 30%, diminuindo consideravelmente a vantagem de Paes. Alvejado, antes mesmo de a campanha começar, pelas investigações da Polícia Federal sobre a estrutura paralela de arapongagem montada na Agência Brasileira de Inteligência sob sua chefia, Ramagem, garante a direção do PL no Rio, passou incólume junto ao eleitorado bolsonarista, mais atento às bandeiras de costumes e de segurança pública erguidas pelo candidato.

A estratégia de colar Ramagem em Bolsonaro no maior número possível de atividades de rua teve início em julho, com uma intensa agenda nos logradouros por bairros das zonas Norte e Oeste do Rio. Cuidadoso para não configurar o que naquela altura seria campanha antecipada, Bolsonaro evitou pedir votos ao microfone, mas deixou claro que Ramagem é o seu candidato: “Esse delegado da Polícia Federal, que eu conheço desde 2018, já começa a pagar um preço alto pela sua ousadia de querer administrar essa cidade com respeito, honradez e orgulho”, disse, em referência às investigações da PF. Já Ramagem, para delírio da audiência, prometeu “revitalizar a Guarda Municipal e transformá-la em “polícia armada”.

Curiosamente, a maior ameaça à candidatura de Ramagem parece ter vindo do próprio Bolsonaro, que, segundo fontes do PL, teria ficado furibundo ao saber pela imprensa que a reunião na qual pede a ajuda da Abin para salvar a pele do filho Flávio Bolsonaro, enredado no escândalo da rachadinha, havia sido gravada. O ex-capitão, no entanto, teria sido convencido “a dar uma nova chance ao rapaz”, até porque encontrar outro candidato viá­vel agora seria praticamente impossível para o PL, a lembrar que o delegado já é o plano B do bolsonarismo no Rio, após o naufrágio da pré-candidatura do ex-general Walter Braga Netto.

Ramagem conta com o padrinho Bolsonaro para levar a disputa ao segundo turno

Outra meta estratégica de Ramagem é conquistar uma fatia maior do eleitorado evangélico, segmento no qual tem 21% das intenções de voto. Nessa disputa, o candidato do PL já começa perdendo para Paes, que utilizou seu acesso “por cima” aos líderes da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus para, sucessivamente, abortar os arranjos para que as deputadas estaduais Rosane Félix, do MDB, e Tia Ju, do Republicanos, ocupassem o posto de vice na chapa do PL. O próprio partido acabou escolhendo outra deputada, Índia Armelau, para ser a número 2: “É uma mulher que cumpre nossos valores de respeito à vida e à família”, postou Ramagem. Procurado por CartaCapital para comentar a estratégia eleitoral do partido, o presidente do PL, deputado federal Altineu Côrtes, não respondeu até o fechamento desta edição.

O atual prefeito tem 41% das preferências no eleitorado evangélico. Mas seu empenho em acenar ao bolsonarismo, traduzido no convite ao depurado federal Otoni de Paula, do MDB, para integrar a coordenação de campanha, é um dos motivos alegados por uma dissidência do PT, liderada pelo deputado federal Lindbergh Farias, para declarar apoio ao candidato do PSOL. A união da militância da “verdadeira esquerda” que, nesse caso, abrangeria também grupos no PCdoB, no PSB e no PDT, já que nenhum desses partidos tem candidato próprio, ao contrário de outras eleições, é a principal aposta estratégica de Tarcísio Motta para ultrapassar os 30%, beliscar um naco do eleitorado de Paes e garantir lugar no segundo turno. O candidato aparece com 7% na pesquisa Quaest e, ao menos oficialmente, em que pese o apoio da Rede e do PCB, também teve de se contentar com uma chapa puro-sangue, com a ­deputada federal Renata Souza como vice.

A CartaCapital, Motta afirma que, apesar de os tempos serem outros, a militância ainda pode fazer a diferença: “Essa é a nossa aposta. Hoje, o PSOL é o maior partido de esquerda do Rio. Elegemos a maior bancada de vereadores em 2020, quando fui o vereador mais votado. Em 2022, elegemos cinco deputados estaduais e cinco federais. A minha vice é a deputada mais votada da história da Alerj. Nunca tivemos um início de campanha tão bom, nem em 2012, quando ficamos em segundo lugar, nem em 2016, quando fomos para o segundo turno. O cenário eleitoral é promissor”. Outra estratégia do candidato do PSOL é a “identificação natural” com o presidente Lula: “Estamos construindo uma frente popular com os que foram para as ruas defender o programa do Lula em 2022. Somente nossa candidatura irá assumir os princípios e valores que uniram os setores progressistas da cidade na última eleição contra o fascismo. Vamos tirar a extrema-direita do segundo turno”, afirma, revelando outra aposta no discurso de campanha. A presença de Lula em seu palanque é sonho realizável? “Já fizemos esse convite ao presidente.”

Laços. Lindbergh Farias lidera dissidência petista que apoia Tarcísio Motta, do PSOL. O capitão parece ter perdoado o ex-chefe da Abin, que o expôs em uma gravação – Imagem: Pablo Porciuncula/AFP e Arquivo/Câmara RJ

A vereadora Monica Benicio afirma que a principal tarefa do PSOL é impedir que “a política do ódio” avance. “A única forma de o campo progressista derrotar a extrema-direita ainda no primeiro turno é votando no Tarcísio. Fizemos um chamado à frente de esquerda porque acreditamos que é a saída para enfrentar o bolsonarismo no seu berço. Formamos uma aliança com todos os principais movimentos sociais, com os setores em luta da nossa cidade”, afirma. Benicio avalia que o voto em Paes não é um voto antifascista: “O prefeito tenta posar de ­democrático e instrumentaliza os receios legítimos da população carioca, que viveu quatro anos de uma prefeitura liderada pela extrema-direita, com Marcelo Crivella. Foi aqui que o ovo da serpente foi gestado, e é aqui que ele será aniquilado por uma frente de esquerda democrática e programática. Paes não tem compromisso com a derrota do bolsonarismo”.

Paes parece seguro da vitória a ponto de esnobar o apoio de Lula – associação que o faz cair para 46% nas intenções de voto, segundo a pesquisa Quaest – e na última hora rifar o PT na formação da chapa, para surpresa de ninguém. Esta veio no próprio PSD, com a escolha do deputado estadual e ex-chefe da Casa Civil municipal Eduardo Cavaliere em detrimento do braço-direito político do prefeito, o deputado federal Pedro Paulo, às voltas com o vazamento de um vídeo íntimo que certamente seria usado pelos adversários na campanha e pesou na decisão. Em todo caso, o mais importante para Paes nessa movimentação foi assegurar que alguém de seu grupo político mais próximo ocupe a prefeitura quando ele deixar o cargo para concorrer ao governo estadual em 2026.

Presidente municipal do PT, Tiago Santana diz que, para o partido, “o principal é o projeto do presidente Lula, que está governando o Brasil e precisa fazer com que essa aliança mais ampla nacionalmente também chegue aos municípios”. No caso do Rio, acrescenta, as decisões políticas estão claras: “Paes é uma figura com peso nacional. Está fazendo um cálculo mais individual, se vai ser candidato a governador ou não, e por isso quer alguém no posto de vice para dar continuidade aos seus projetos. O PT topou, mas conseguimos o compromisso dele para que esteja com a gente no projeto central, que é a reeleição de Lula, de governança agora e de renovação do Congresso em 2026”. O dirigente afirma não temer que o partido fique escondido durante a campanha. “É pouco provável, porque vai ser uma eleição polarizada. Paes tem larga vantagem, mas o bolsonarismo ainda tem força e isso vai esgarçar mais essa polarização. Então vai ser o bloco do Bolsonaro de um lado e o bloco do Lula de outro. Lula ainda vai ser um elemento central nessa disputa eleitoral.”

O PT espera aumentar sua bancada na Câmara, hoje com quatro vereadores: “Nossos cálculos são de uma atuação e um investimento para pelo menos eleger seis vereadores nossos e mais um ou dois da federação, juntamente com PCdoB e PV”, diz Santana, que também tentará estrear na Câmara. O petista ainda minimiza a dissidência em apoio ao PSOL: “É uma parte muito pequena que tomou essa decisão. É uma pena porque quem faz isso acaba trabalhando contra o partido. Tarcísio tem os candidatos a vereador do PSOL e não vai ajudar quem é de fora. O PT está com Paes oficialmente, aí aparecem petistas apoiando outra chapa, o eleitor fica confuso. Não ajuda ninguém”.

Ex-secretária de Meio Ambiente de ­Paes e uma das puxadoras de votos do PT, a vereadora Tainá de Paula diz acreditar que o partido dobrará sua bancada: “Em 2020, a conjuntura era muito difícil, isso fez com que o PT tivesse um resultado insatisfatório. Agora, o cenário é outro. O antipetismo ainda está presente, mas muito menor do que há quatro anos. Temos candidatos que participaram do governo Paes, figuras que têm agora seus nomes colocados num espectro mais amplo do cenário político local. Isso fará com que, naturalmente, o resultado da chapa seja maior”. •

Publicado na edição n° 1323 de CartaCapital, em 14 de agosto de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Todos contra Paes’

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