Política

“Fora da esfera ambiental, Marina não inova”

Para Anthony Pereira, diretor do instituto de estudos do Brasil na Universidade de Londres, não está claro que tipo de governo faria a candidata do PSB

Marina tem alguns problemas com contradições, afirma Pereira.
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De Londres

Anthony Pereira, mestre e doutor pela Universidade de Harvard, dirige o King’s Brazil Institute, da Universidade de Londres. Especialista em temas relacionados ao País, ele recebeu CartaCapital no King’s College para comentar a eleição presidencial. “Marina tem alguns problemas com contradições”, diz.

Leia a íntegra abaixo:

CartaCapital: A eleição presidencial deste ano ocorre em um cenário mais tenso que em 2010: a economia brasileira enfrenta dificuldades e os candidatos estão pressionados pelas demandas dos protestos de 2013. O senhor acredita que essa é a eleição mais excepcional dos últimos anos?
Anthony Pereira: Essa é uma eleição excepcional ao menos por duas razões. Uma delas é a ruptura do eixo PT-PSDB devido à candidatura de Marina Silva (PSB). A outra é a rápida mudança do cenário eleitoral após a morte de Eduardo Campos. Nunca havia visto tamanha alteração. Antes do falecimento de Campos, especialistas acreditavam em uma vitória previsível de Dilma Rousseff (PT). Mas tudo mudou drasticamente, o que mostra a excepcionalidade desta eleição.

 

CC: Após a morte de Campos, Marina Silva apareceu bem nas pesquisas. Mas ela já havia recebido quase 20 milhões de votos em 2010. O que explica o resultado dela nas pesquisas?
AP: Vai além da morte de Campos. As pessoas estão buscando uma mudança, como mostraram os protestos em 2013. Lembro-me de um cartaz nas manifestações que dizia: “A mesa vai virar”. Mas para quem? Havia muita ambiguidade nos protestos. Uma pesquisa recente dizia que mais da metade das pessoas entre 16 e 33 anos acha que o Brasil estaria melhor sem partidos políticos. Logo, essa visão anti-partidária é muito forte entre os jovens e talvez Marina possa simbolizar essa ansiedade [por mudanças]. Mas não deixa de ser contraditório, pois ela tem partido e, caso eleita, vai governar com partidos. Ao menos essa ansiedade ela tenta canalizar. Se isso é coerente, é outra questão.

 

CC: O senhor acredita que Marina Silva representa a “nova política”?
AP: O discurso dela de que desenvolvimento e preservação do meio ambiente não são dicotomia representa algo novo. Com as mudanças climáticas, vai ganhar economicamente quem encontrar maneiras mais sustentáveis de gerar energia, por exemplo, e crescer. Fora dessa esfera, no entanto, não a vejo como uma inovação. Ela terá que governar como qualquer outro presidente. A singularidade dela se resume a superar essa antiga divisão de mentalidade de preservação do meio ambiente versus desenvolvimento, no qual sempre escolhe-se o segundo.

CC: Marina Silva tem recebido críticas por ter rompido com posições defendidas no passado. Essas contradições afetam a campanha dela?
AP: A Marina vem de uma família pobre, uma trajetória mais parecida com Lula. Isso gera contradições quando ela apoia um liberalismo econômico, que nunca foi muito popular no Brasil, onde sempre houve uma tendência de um papel mais forte do Estado. Outra contradição talvez seja o choque entre o idealismo que capta o jovem de classe média que gosta do discurso dela sobre meio ambiente e alternativas à política tradicional, com o conservadorismo social da candidata contra o aborto e o casamento gay. Tento imaginar se um jovem de classe média se sentiria representado politicamente por esse conservadorismo social. Isso vai alienar alguns eleitores. Há também um debate sobre a religiosidade dela. O autor da bibliografia de Marina descreve que ela estava em dúvida se ela iria cooperar com o livro. Ela consultou a Bíblia aleatoriamente e encontrou um trecho que defendia a necessidade de se revelar. Ela interpretou isso como um “sim”. Ações como essas espantam eleitores mais racionais.

CC: O senhor acredita que o projeto do PT de seguir no governo ao menos até 2016 está ameaçado nesta eleição?
AP: Dilma não deve ganhar no primeiro turno e, no segundo turno, Marina aparece próxima. Isso pode ser visto como uma ameaça verdadeira, mas talvez não esteja muito claro o tipo de governo que Marina representaria. Sabe-se muito pouco sobre suas políticas públicas concretas. Sabemos que há assessores na área econômica bastante liberais e que sua plataforma de política externa fala muito em meio ambiente.

CC: Marina afirmou que um governo seu usaria os “melhores quadros” de cada partido. Mas isso seria realista?
AP: É possível fazer essa combinação e até há um certo respaldo do eleitorado para superar as barreiras entre os partidos. Mas não creio que ela tenha experiência para fazer algo deste tipo no Executivo. Creio que ela também não tem “gosto” para esse tipo de negociação. É complexo lidar com o Congresso, exige muita paciência, muito contato, vontade e sociabilidade. Ela parece ter dificuldades para exercer esse contato social.

CC: Aécio Neves corre o risco de ser o primeiro candidato do PSDB, desde 1994, a ficar de fora ao menos do segundo turno. Por que a campanha dele não decolou?
AP: Pode haver uma relação com o fato de o PSDB ter dificuldade em se manter como um partido verdadeiramente nacional. A legenda tem poder em alguns estados, mas como partido nacional não foi capaz de se manter unido. A divisão histórica entre as alas de Minas Gerais e São Paulo enfraqueceu o partido, mesmo que atualmente se fale em união interna. Além disso, a classe média tradicional não teve uma época de ganhos concretos e altos nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mesmo com a importante reestruturação econômica do País. Por isso, membros dessa classe media tradicional, historicamente ligada ao PSDB, talvez prefiram migrar para a plataforma liberal de Marina.

CC: Muitos entenderam os protestos de junho de 2013 como uma necessidade de mudar o sistema político do País. Dilma chegou a anunciar um plebiscito para a reforma política. Mas os candidatos têm evitado o tema. Por quê?
AP: Há um imenso leque de reformas possíveis, mas nenhum consenso na sociedade brasileira sobre o modelo mais adequado. Cada proposta tem defensores e críticos, talvez por isso os candidatos estejam evitando o debate mais aberto. Nenhuma reforma é obviamente majoritária em termos de apoio popular. Não há um desenho institucional para a democracia claramente superior a outro. Os protestos de 2013 eram um crítica aos serviços públicos e ao sistema representativo, mas a canalização dessa indignação não tem uma forma óbvia. Os movimentos Occupy (nos EUA) e os Indignados, na Espanha, também chegaram a esse ponto de dificuldade de propor algo.

CC: Pela primeira vez, o Brasil deve ter um segundo turno com duas mulheres. O que isso representa?
AP: Esse cenário indica uma profunda mudança social no País nas últimas décadas. Quando a filha de um seringueiro do Acre poderia ser candidata à Presidência? O Brasil não destruiu a hierarquia tradicional da política para os homens brancos, educados e ricos, mas a desafiou. E isso está relacionado, entre outras coisas, à expansão educacional e à maior mobilidade social. Ainda há hierarquias e desigualdade, mas há canais para as pessoas de camadas mais pobres subirem. Modificaram-se também algumas hierarquias em termos de gênero, o que é saudável para o País e representa uma exuberância social de se poder criar uma sociedade mais aberta. Na Grã-Bretanha, temos o contrário: o governo é mais elitista do que há 20 anos.

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