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Sucesso incômodo

“Não faz sentido acabar com um programa que se tornou referência no País”, afirma ex-ouvidor das polícias

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Pioneirismo. A iniciativa partiu do próprio comando da Polícia Militar, lembra Mariano – Imagem: Prefeitura de Diadema e Rovena Rosa/ABR
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Durante a campanha eleitoral, o governador paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos, prometeu retirar as câmeras das fardas da Polícia Militar. Diante da firme reação de especialistas em segurança pública, o ex-ministro de Jair Bolsonaro recuou da decisão, mas congelou os investimentos do programa Olho Vivo e abandonou os estudos sobre sua efetividade – nos batalhões onde as câmeras foram adotadas, a letalidade policial despencou 76,2% entre 2019 e 2022. Em um decreto publicado no início de outubro, Freitas cortou 15,2 milhões de reais do orçamento reservado para a compra de novos equipamentos, como revelou em primeira mão o site Alma Preta.

“Espero que o programa não seja interrompido”, afirma, em entrevista a CartaCapital, o sociólogo Benedito Mariano, ex-ouvidor das polícias de São Paulo e hoje secretário de Segurança e Cidadania de Diadema, no ABC paulista. “Com o fim das câmeras corporais, perde a população e ganha quem não deseja a transparência na atividade policial.”

CartaCapital: As câmeras instaladas nas fardas de PMs censuram o trabalho policial, como alegam parlamentares bolsonaristas?
Benedito Mariano: De modo algum, elas só censuram os policiais que atuam à margem da lei. Além de reduzir drasticamente a violência policial, como comprovam os estudos realizados nos batalhões onde a tecnologia foi adotada, as câmeras corporais protegem os policiais de falsas acusações, pois as imagens captadas comprovam se a sua atuação foi lícita ou não.

CC: O governador cortou verba e abandonou os estudos para aferir essa efetividade das câmeras. É uma forma de matar o programa Olho Vivo?
BM: Espero que não. É importante destacar que a iniciativa de adotar as câmeras corporais partiu do próprio comando da Polícia Militar, e logo o programa tornou-se uma referência em todo o Brasil. A minha esperança é de que não ocorra nenhum tipo de interrupção. Na verdade, o ideal é que se estabeleça um cronograma para implementar as câmeras corporais em todos os batalhões operacionais da PM no estado de São Paulo.

CC: A quem interessa retirar as câmeras das fardas dos PMs?
BM: Com o fim das câmeras corporais, perde a população e ganha quem não deseja a transparência na atividade policial. Hoje, discute-se a adoção dessa tecnologia em todo o território nacional. O estado de São Paulo foi pioneiro nesse tema, a partir de iniciativa da própria PM. Virou um case de sucesso para todo o País. Não faz o menor sentido abandonar um projeto que está dando certo e que melhora a atividade policial.

“Além de reduzir a letalidade policial, a tecnologia protege os PMs de falsas acusações”, observa Benedito Mariano

CC: A pedido do governo paulista, o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou uma liminar que obrigava os PMs a usarem câmeras nas fardas durante a Operação Escudo, realizada na Baixada Santista.
BM: O governador deveria ser o maior interessado em ampliar esse programa. As câmeras auxiliam, inclusive, no trabalho da Polícia Judiciária. Elas não foram criadas apenas para vigiar os policiais e coibir excessos, mas também para produzir provas contra os suspeitos detidos.

CC: Na operação na Baixada Santista, algumas câmeras corporais não estavam ligadas, outras foram retiradas durante a ação. Há relatos de moradores das comunidades ocupadas que policiais chegaram a cobrir as lentes ou até mesmo remover o equipamento da farda. Quem fiscaliza a atuação policial para impedir esse tipo de interferência?
BM: Garantir que as câmeras sejam usadas de maneira adequada é uma responsabilidade dos comandos regionais e do comando da Polícia Militar. Os equipamentos deixaram de registrar diversas mortes em decorrência de intervenção policial. É com muita preocupação que tenho visto essas notícias de que há poucas imagens da operação na Baixada Santista.

CC: Existem, atualmente, pouco mais de 10 mil câmeras para mais de 80 mil PMs. O governo diz ser muito dispendioso adquirir tantos equipamentos.
BM: Não é verdade. Hoje, o efetivo da PM gira em torno de 85 mil homens. Se levarmos em conta o turno de trabalho, temos entre 30 mil e 35 mil policiais atuando nas ruas simultaneamente. Esse é o total de câmeras necessárias para assegurar que todo o patrulhamento seja monitorado. Não me parece um investimento tão alto perto dos benefícios trazidos.

CC: Que outras medidas poderiam ser tomadas para reduzir a violência policial e também as mortes de policiais em serviço?
BM: Considero fundamental priorizar o policiamento comunitário. Nos últimos dois anos, registramos uma drástica redução das mortes violentas em Diadema. Foram quatro homicídios para cada 100 mil habitantes, é a menor taxa em cidades com mais de 200 mil habitantes no Brasil. Ao mesmo tempo, a letalidade policial também caiu bastante. Qual é o diferencial? Aqui, desenvolvemos uma política de prevenção, levando em conta a integração das polícias e a inteligência, por meio de uma central de videomonitoramento, hoje com mais de 310 câmeras espalhadas pela cidade. O policiamento de proximidade foi fundamental para esse êxito. •

Publicado na edição n° 1281 de CartaCapital, em 18 de outubro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sucesso incômodo’

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