Política

Sucessão de Janot promete esquentar o Ministério Público

Para manter seu grupo no poder, o “xerife” quer a Lava Jato no centro da disputa pela lista tríplice

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Vai começar a sucessão de Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, com a inscrição na segunda quinzena de maio dos procuradores de Justiça candidatos à lista tríplice a ser eleita pela categoria. Será uma disputa quente, com um número inédito de concorrentes, a Operação Lava Jato como estrela do espetáculo e, desde já, suspeitas de acertos de bastidor entre Janot e o presidente Michel Temer, a quem caberá indicar o novo chefe do MPF. 

As candidaturas deverão ser conhecidas entre 15 e 30 deste mês, prazo combinado por alguns dos postulantes com a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A entidade é quem promoverá a eleição à lista tríplice, provavelmente em julho, a ser enviada a Temer. São esperadas as inscrições de ao menos seis nomes, um recorde: Carlos Frederico dos Santos, Ela Wiecko, Mario Bonsaglia, Nicolao Dino, Raquel Dodge e Sandra Cureau. 

Metade deles pertence à cúpula da corporação, o Conselho Superior do MPF, uma arena a mostrar como a Lava Jato cumprirá um papel importante na sucessão de Janot, cujo mandato termina em setembro. Aliás, Janot ainda não descartou oficialmente a hipótese de disputar um terceiro mandato, mas internamente tem dado sinais recentes de falta de paciência para seguir no cargo. 

A Lava Jato despontou no Conselho em 24 de abril, dia em que o colegiado reuniu-se para votar uma proposta de limitar o vai-e-vem de procuradores entre órgãos do MPF. Formado por dez procuradores, todos com larga bagagem, o Conselho decide temas como o orçamento da corporação, regras de distribuição de processos e de trânsito de procuradores no MPF. 

A proposta queria um vai-e-vem restrito. Cada repartição estadual só poderia ceder para a sede em Brasília ou para uma co-irmã estadual até 10% de seus procuradores. Era uma ideia do MPF no Distrito Federal, que de seus 30 procuradores, cedeu 23 e hoje só possui sete atuantes em seu órgão de origem. 

O projeto foi encampado por Raquel Dodge, candidata à lista tríplice e integrante do Conselho. Ela apresentou-o em outubro de 2016 com o argumento de que o vai-e-vem ilimitado “tem gerado efeitos concretos de grande impacto sobre a atuação institucional em unidades onde há elevado número de afastamentos” de procuradores. 

Coube a Carlos Frederico dos Santos, outro aspirante à lista tríplice e componente do Conselho, preparar um relatório sobre o assunto para levar a voto no colegiado. O julgamento começou em 24 de abril e já contava oito a favor e só um contra, quando Janot, na qualidade de presidente do Conselho o último a opinar, interrompeu tudo. 

Para o “xerife”, restringir o vai-e-vem atrapalharia a Lava Jato. Seu gabinete em Brasília convocou muitos procuradores de fora para ajudar nas investigações. Se tivesse de devolver gente aos órgãos de origem, haveria prejuízo às apurações, disse Janot, que se declarou “perplexo” com a existência daquela discussão. “É óbvio que as investigações serão atingidas”, afirmou. 

Ele então pediu vistas do processo, uma forma de adiar o julgamento, retomado em 2 de maio, novamente sem desfecho. Diante das sugestões de outra integrante do Conselho, Maria Hilda Marsiaj Pinto, o relator fez duas mudanças no projeto. Fixou janeiro de 2018 como data do início do limite do vai-e-vem e excluiu da regra as forças-tarefas já existentes, como a da Lava Jato. Vitória de Janot.

Entre certos procuradores, o papel do xerife no episódio foi visto como golpe baixo contra rivais na guerra pelo comando do MPF. Ele teria conseguido carimbar de uma só vez, perante a mídia, Raquel e Frederico dos Santos como inimigos da “Lava Jato”, mesmo sabendo que restringir o vai-e-vem não busca matar a investigação, mas fortalecer repartições estaduais do MPF. 

O interesse de Janot com essa manobra, teoriza um procurador, seria fazer com que o tema principal de sua sucessão seja a Lava Jato, uma maneira de facilitar as coisas para a corrente dele na disputa. 

O avanço da investigação levou a um inchaço no entorno do chefe do MPF em Brasília, graças ao vai-e-vem irrestrito, a resultar por exemplo em um grupo de trabalho dedicado só à investigação. A corrente de Janot gostaria de seguir dando as cartas no MPF e usaria a Lava Jato com esse objetivo, a fim de cultivar o apoio da opinião pública. 

Há candidatos, como Raquel Dodge e Ela Wiecko, que acham que a primazia da Lava Jato tem prejudicado outras áreas de atuação da corporação, como a defesa dos direitos humanos.

Curiosamente, apesar da tentativa de alçar a Lava Jato à condição de tema central de sua sucessão, Janot e seu entorno têm feito gestos que despertam dúvidas de algum acerto dele com Temer, chefe de um governo com oito ministros investigados justamente em decorrência daquela investigação. 

Nicolao Dino, vice do MPF para atuar perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um dos cotados à lista tríplice, aliviou a situação de Temer no julgamento pela corte da chapa vencedora da eleição de 2014. Seu parecer pede a cassação da chapa, mas diz que Temer não precisa ficar inelegível, só Dilma Rousseff. 

Dino é fortemente ligado a Janot. Antes de atuar no TSE, foi secretário do “xerife” em 2013 e 2014 para Relações Institucionais. Na prática, com seu parecer, Dino abriu uma brecha para o TSE tratar Dilma e Temer de forma diferente, como salientava um dos advogados do presidente, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, no dia em que a corte deu início ao julgamento, 4 de abril.

Outra peça de Janot que tem buscado certa sintonia com o Palácio do Planalto é seu secretário-geral, Blal Dalloul. Segundo um observador das coisas no MPF, Dalloul aproximou-se do chefe de assuntos jurídicos do Planalto, Gustavo do Vale Rocha, para ter uma ponte com Temer. Além do cargo no Planalto, Rocha também é membro do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão encarregado de vigiar o MPF, um espaço que facilita o contato dele e Dalloul. 

Dalloul é um dos nomes que Janot pode tirar da manga, na hipótese de descartar o terceiro mandato, para emplacar como o candidato de sua corrente na lista tríplice, aquela que será apresentada a Temer. Uma reportagem da Folha de S. Paulo de 23 de abril mostra Dalloul como um nome que o Planalto estaria disposto a abraçar.

O próprio Janot tem, aparentemente, feito gestos conciliadores na direção do presidente. Ao pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de investigação sobre uma tramoia de 40 milhões de dólares entre Odebrecht, Petrobras e PMDB que teria sido abençoada no escritório de Temer em São Paulo em julho de 2010, excluiu o presidente da lista de investigados. 

“Isso porque ele [Temer] possui imunidade temporária à persecução penal, conforme entendimento do Supremo”, disse Janot. Ele invocou o artigo 86 da Constituição, segundo o qual o presidente da República não pode ser responsabilizado por atos anteriores ao mandato. 

O xerife já tinha agido assim em março de 2015 com Dilma Rousseff, por ocasião do envio ao STF de sua primeira leva de pedidos de investigação decorrentes das descobertas da Lava Jato. Mas há quem veja Janot excessiva – e suspeitamente – cauteloso em relação a Temer. Sequer testou o STF. 

É o caso do ex-ministro da Justiça Eugenio Aragão, que um dia já ocupou a vaga de Nicolao Dino perante o TSE. Para ele, Janot fez uma leitura “equivocada” da Constituição. A Constituição impediria apenas que o presidente fosse “responsabilizado”, ou seja, alvo de uma denúncia criminal, mas não que fosse “investigado”. “A investigação imediata é necessária para assegurar a prova que possa, numa ação penal futura, após o mandato, embasar a acusação. Deixar de investigar é permitir que a prova pereça e esse não é o objetivo do dispositivo constitucional.” 

O mais antigo ministro do STF, Celso de Mello, disse a mesma coisa em uma entrevista publicada em 30 de abril pelo jornal O Estado de S. Paulo. “A responsabilização supõe, na área penal, o oferecimento de uma denúncia, e o prosseguimento de um processo criminal perante o Supremo”, disse Mello. “Investigação é outra coisa, e o Supremo já decidiu que deve ser feita”. 

É possível que em breve o STF tome uma decisão a respeito. O PSOL entrou com uma ação a questionar a decisão de Janot de excluir Temer do inquérito sobre os 40 milhões de dólares. Usa os mesmos argumentos de Aragão e Mello: presidente pode ser investigado sim, só não pode ser julgado. Chamado pelo relator do caso no Supremo, Edson Fachin, a se pronunciar na ação, Janot reafirmou: Temer está imune temporariamente.

Com a postura conciliadora perante Temer, o objetivo de Janot seria salvar uma prática de escolha do chefe do MPF vigente desde 2003. O cargo é preenchido pelo procurador de Justiça mais votado dentro de uma lista tríplice eleita pela categoria. O primeiro ministro da Justiça de Temer, Alexandre de Moraes, hoje no STF, disse certa vez que não está escrito em lugar algum que o escolhido deve sair da lista tríplice ou que, se sair, deva ser o primeiro colocado. 

Se o chefe do MPF sai de uma lista eleita pela categoria e figurava em primeiro lugar nela, em tese deve o cargo apenas a seus colegas procuradores, que o elegeram. Se for o segundo ou terceiro colocado ou mesmo se for alguém de fora da lista, em tese deve gratidão ao presidente. E gratidão sempre implica certos compromissos políticos.

Janot tem razões para temer entrar para a história como o “xerife” que matou a tradição da primazia da lista tríplice e do primeiro colocado nela. Com tantos governistas investigados por corrupção, Temer teria boas razões para botar no comando do MPF alguém mais, digamos, dócil ao governo.

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