Política

STF tem 5 a 1 contra restrição de envio de dados da Receita e do Coaf

Ministros divergiram com Toffoli sobre permissão judicial para acesso a informações secretas

O Supremo Tribunal Federal em julgamento. Foto: Nelson Jr SCO STF
Apoie Siga-nos no

Na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que retomou, nesta quarta-feira 27, o julgamento sobre o compartilhamento de dados bancários e fiscais sigilosos, os ministros marcaram placar de 5 a 1 em favor do repasse das informações sem autorização judicial. O julgamento será retomado na quinta-feira 28.

Contrários ao presidente da Corte, Dias Toffoli, votaram na última sessão os magistrados Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, acompanhando a posição do ministro Alexandre de Moraes, que já havia votado em 21 de novembro. Faltam os votos da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

O que está em debate é uma decisão de Toffoli adotada em julho deste ano, que determinou a suspensão de todas as investigações no Ministério Público e na Polícia Federal que, sem autorização judicial, utilizavam dados bancários e fiscais secretos, fornecidos por órgãos de controle, como o Banco Central, a Receita Federal e o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – que agora se chama Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Em tese, estes órgãos de controle extraem dados das instituições financeiras, como os bancos, para fiscalizar os contribuintes e verificar indícios de crimes tributários. A Receita, por exemplo, tem o papel primário de fiscalizar movimentações financeiras em bancos para verificar a compatibilidade entre a declaração do imposto de renda do contribuinte e os valores reais que constam em sua conta. A partir disso, os órgãos de controle identificam eventual ato ilícito e, em seguida, repassam os dados sigilosos para o Ministério Público ou a Polícia Federal investigarem. A questão é se a Justiça deve ou não permitir esse repasse.

O caso mais notório que foi suspenso com a decisão de Toffoli envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Foi a pedido de Flávio que Toffoli decidiu suspender as investigações. Segundo a alegação do presidente do STF, houve quebra ilegal de sigilo bancário por parte dos procuradores do Ministério Público, que acessaram relatórios do Coaf sem que a Justiça permitisse.

Após o mandado de Toffoli, o Ministério Público interpôs um recurso contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que anulou ação penal por considerar ilegal o compartilhamento de dados obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial.

O entendimento dos ministros

O julgamento teve início em 20 de novembro, com o voto de Toffoli, relator do processo. O magistrado votou pelo provimento do recurso para restabelecer as investigações e fez considerações em favor de que a administração pública tenha acesso a dados bancários e fiscais para apurar crimes.

No entanto, a divergência de Toffoli com os ministros é de que ele propôs que o STF delimite normas de, segundo ele, garantia do direito à intimidade e ao sigilo de dados dos cidadãos. Ou seja, ele defende a criação de medidas que deem à Justiça o poder de permitir ou não o acesso aos dados. Já os outros ministros defendem que não seja necessário haver intervenção judicial quando os órgãos de controle detectam possível crime nas informações.

No dia 21, o ministro Alexandre de Moraes também favorável ao provimento do recurso para restabelecer as investigações, reconheceu como constitucional o repasse dos dados, mas, diferente de Toffoli, afirmou que não é preciso aval da Justiça para que esse procedimento ocorra. Moraes afirmou que “os direitos fundamentais [à privacidade] não podem servir de escudo para a atuação de organizações criminosas”.

Na sessão desta quarta 27, Fachin seguiu Moraes e defendeu o compartilhamento integral da Receita Federal e da UIF sem aval da Justiça. Segundo o magistrado, afirmar que a UIF não poderia comunicar diretamente o resultado do exame de informações recebidas significa não observar o âmago e a própria finalidade das atividades mínimas deste órgão.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

“O encaminhamento das informações recebidas e examinadas pelo então Coaf, atual UIF, ao Ministério Público, não configura irregularidade. Ao contrário, consubstancia a consecução das finalidades próprias das atividades envolvidas pelo órgão e sujeitas, sempre que necessário, a escrutínio jurisdicional”, afirmou.

Alinhado a Moraes e Fachin, Barroso defendeu que a “criminalidade institucionalizada”, praticada por agentes públicos, é um dos três principais crimes cometidos no Brasil, ao lado de crimes violentos e de crimes que envolvem tráfico de drogas. “Não acho bom para o país, para a Justiça e para o Supremo criar dificuldades para o combate à criminalidade”, avaliou. No entanto, ele delimitou que o repasse de dados deve seguir um caminho formal.

Para ele, não é preciso haver aval da Justiça quando o órgão de controle, dentro de um procedimento administrativo apuratório, recebe os dados sigilosos do contribuinte pelos bancos, e, ao detectar indício de crime, repassa as informações ao Ministério Público e à Polícia Federal. Por outro lado, Barroso afirmou que o caminho inverso é ilegal: o Ministério Público e a Polícia Federal não podem solicitar os dados sigilosos diretamente às instituições financeiras sem que haja permissão da Justiça.

“Concluído o processo administrativo fiscal e constatada a existência de crime, deve, a autoridade competente, encaminhar representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, com todos os elementos apurados, e tal providência não depende de prévia autorização judicial”, explicou, divergindo de Toffoli, que defende permissão da Justiça para este procedimento. “Todavia, o Ministério Público não pode requisitar a Receita Federal de ofício, sem tê-las recebido da Receita, informações protegidas por sigilo fiscal. Nesse caso, se impõe a autorização judicial”, ponderou.

“O Coaf não vai mandar nota de supermercado para o Ministério Público. Só vai mandar dados de operações suspeitas”, disse Fux

Rosa Weber fez o voto mais breve da sessão e julgou constitucional o compartilhamento integral dos dados. Acompanhando Barroso, destacou que o procedimento dos repasses deve ocorrer “com absoluta transparência”, sendo banidas as “operações informais” em violação do devido processo legal.

Fux recorreu ao Artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal para defender que o direito à privacidade não tem relação com a necessidade de aval da Justiça para repasse de dados bancários. No item em questão, a Constituição diz que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial”.

“O direito à privacidade não tem nada a ver com sigilo fiscal. A própria Constituição ressalva a autorização judicial somente no último caso. E qual é o último caso? Comunicações telefônicas”, afirmou Fux. “A ordem judicial só é exigível pela Constituição no último caso de comunicações telefônicas, e não nos casos de sigilo de correspondência, de sigilo de dados.”

O magistrado também fez referência à fala de Moraes e defendeu que os direitos fundamentais não são absolutos a ponto de tutelar atos ilícitos.

“Eu dizia para uma pessoa leiga, que queria saber o que estamos julgando, que o Coaf não vai mandar nota de supermercado para o Ministério Público não. O Coaf só vai mandar dados que revelem operações suspeitas”, disse.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo