Política

SP: Mais da metade dos candidatos à Prefeitura não cita enfrentamento ao racismo

Pesquisadores avaliam candidaturas que pautam agenda: Guilherme Boulos, Bruno Covas, Jilmar Tatto, Orlando Silva, Marina Helou e Vera Lúcia

Créditos: Bruno Covas/Divulgação, Facebook/Guilherme Boulos, Facebook/Marina Helou, Facebook/Jimar Tatto, Twitter/Orlando Silva e Vera Lúcia/Divulgação Créditos: Bruno Covas/Divulgação, Facebook/Guilherme Boulos, Facebook/Marina Helou, Facebook/Jimar Tatto, Twitter/Orlando Silva e Vera Lúcia/Divulgação
Apoie Siga-nos no

Mais de 50% dos candidatos à Prefeitura na cidade de São Paulo não cita o termo racismo em seus planos de governo. Dos 14 postulantes à vaga, ainda contabilizando a proposta de Felipe Sabará (Novo), que desistiu oficialmente do pleito, oito não fazem menção à agenda antirracista e seis abordam o tema.

O termo racismo não aparece nas propostas dos candidatos: Andrea Matarazzo (PSD), Antônio Carlos (PCO), Arthur do Val (Patriota), Celso Russomanno (Republicanos), Filipe Sabará (Novo), Joice Hasselmann (PSL), Levy Fidelix (PRTB) e Márcio França (PSB). A palavra é citada nos planos de Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Jilmar Tatto (PT), Marina Helou (Rede), Orlando Silva (PcdoB) e Vera Lúcia (PSTU).

Para a professora e mestre em educação Luana Tolentino, a ausência de propostas antirracistas é reflexo da negação do tema no País.

“A negação do racismo é dos maiores entraves às lutas de enfrentamento, porque uma vez que nega, como se enfrenta? Além disso, está posto o equívoco que é pensar em políticas públicas sem fazer um recorte de raça, classe e gênero uma vez que está mais do que demonstrado que as políticas universalistas não dão conta da configuração do País”, observa.

“Temos uma população majoritariamente negra, que enfrenta maiores dificuldades no acesso aos serviços e bens públicos, e que é representada pelos piores índices sociais, como acesso a educação, alimentação, habitação, emprego, e ainda persiste a negação de se pensar uma gestão pública sem interseccionalidade”, critica.

A coordenadora adjunta da Ação Educativa, Edneia Gonçalves, entende que o não enfrentamento ao racismo serve a um projeto de manutenção de privilégios por parte da sociedade, ancorado no “mito da democracia racial” no País.

“Isso é muito representativo sobre a permanência e força do mito da democracia racial que tem sido utilizado como uma moeda, articulado com o silenciamento das instituições no tocante a criminalização do racismo, uma justificativa muito grande para a permanência de privilégios”, diz.

A pesquisadora explica como o não compromisso de combate o racismo se concretiza de maneira opressora no cotidiano da população negra da cidade de São Paulo.

“É preciso entender que quanto mais há o silenciamento em torno do racismo, mais caminhamos para a permanência da violência policial contra a população negra”.

 

Luana e Edneia entendem que enfrentar o racismo deve ser uma das estratégias contidas em um plano de governo que se comprometa com a superação das desigualdades que se projetam mais fortemente sobre a população negra, e que se solidificaram ainda mais no contexto da pandemia do novo coronavírus.

Dados de estudo realizado pelo Instituto Pólis mostram que a mortalidade por Covid-19 na cidade de São Paulo é maior entre a população negra.

No período entre 1º de março e 31 de julho deste ano, a taxa da população negra residente na capital paulista foi de 172 mortes por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade da população branca foi de 115 mortes a cada 100 mil.

Os negros também sofreram mais com o desemprego no período da pandemia, sendo que a diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos não só aumentou, como atingiu o maior nível desde 2012, segundo dados do IBGE.

“É urgente que os prefeitos e prefeitas tenham em seus planos medidas para enfrentar as consequências deste período, levando em consideração que as maiores vítimas, o extrato social que mais perdeu empregos e que teve mais dificuldades em acessar a educação no contexto do ensino remoto, é justamente a população negra”, reforça Luana.

“O grande conhecimento que temos deste período é sobre a extensão dessa desigualdade social, o quanto ela penaliza a população negra. E para sair desse imbróglio é preciso ter uma solução baseada no enfrentamento da desigualdade. O enfrentamento à desigualdade racial é um ponto de partida”, atesta Edneia.

Eleitores devem equalizar discursos às propostas

O consultor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdes (CEERT) Leonardo Fabri mostra uma preocupação dupla em relação aos planos de governo.

“A ausência do tema é um fato que deve ser questionado, mas também a sua presença sem uma proposta qualificada. O simples fato de mencionar o racismo nas propostas não garante um compromisso concreto de combate às desigualdades estruturais ancoradas nele”, afirma.

O especialista ainda fala sobre as possíveis “armadilhas da representatividade”. “A identidade racial, de gênero, LGBTQIA+ não é suficiente para determinar as agendas das lideranças. Precisamos cruzar essa identidade com os projetos políticos em questão e averiguar reais possibilidades de emancipação para esses indivíduos”, avalia.

 

Edneia Gonçalves dá exemplos de como os eleitores podem buscar equalizar os discursos dos candidatos às suas propostas de governo.

“Se eu denuncio que existe uma desigualdade na saúde, tenho que ter uma proposta que responda isso. Se estou dizendo que a segurança pública enfrenta uma questão séria de direitos humanos, por exemplo, a questão da suspeição dos jovens negros, preciso ver como está colocado o processo de formação dos quadros da Polícia, se está colocada a aprendizagem de valores, o reconhecimento dos direitos humanos na manutenção da nossa civilidade. Também preciso saber se o candidato se propõe a construir uma proposta de ação afirmativa em todas as áreas do município. Os concursos públicos vão ter ações afirmativas, cotas? Porque se a ideia é contribuir com a desconstrução do racismo, elas são fundamentais”, observa.

E continua: “Se o candidato diz que na educação a agenda antirracista também é importante, o que ele vai fazer no tocante à laicidade, por exemplo? Vai defender a laicidade nas escolas, realizar um trabalho de criminalização do que tem acontecido como consequência da intolerância religiosa? O racismo também será discutido do ponto de vista institucional na Prefeitura, desde seus quadros internos até os projetos? Como vai acontecer a articulação entre a economia e o enfrentamento ao racismo?” enumera.

Os especialistas reiteram que, além das propostas, é necessária uma análise minuciosa dos currículos dos candidatos, bem como de suas trajetórias e posicionamentos públicos e privados.

Pesquisadores avaliam os planos de governo 

CartaCapital convidou os especialistas para analisarem os planos de governo dos candidatos a prefeito de que citam o enfrentamento ao racismo.

Luana Tolentino analisou os planos de Guilherme Boulos (PSOL) e Bruno Covas (PSDB); Edneia Gonçalves se dedicou às propostas de Jilmar Tatto (PT) e Orlando Silva (PcdoB); já Leonardo Fabri se voltou aos projetos de Marina Helou (Rede) e Vera Lúcia (PSTU).

Para Luana, a chapa de Boulos e Erundina marca o campo de enfrentamento ao racismo de maneira incisiva. A especialista destaca o fato do plano,  na educação, reconhecer as legislações antirracistas vigentes. Já no plano de Covas, entende que a estratégia aparentemente universal de se referir a todos, como no programa Toda Criança Importa, não dá conta das diversidades do País.

“Essa ideia de universalização é uma tentativa de escamotear o debate, negar a importância, a urgência de se discutir o racismo na cidade e suas formas de combate. Precisamos nomear as lutas identitárias, porque é justamente essa ideia de universal que nos leva para a invisibilidade das diferenças. É necessário afirmá-las e então caminharmos para o princípio da equidade, e não o contrário”, avalia.

Edneia Gonçalves considera que Tatto e Silva avançam na ideia da abordagem interseccional de enfrentamento ao racismo.

“Trazem um acento forte sobre a necessidade da abordagem de raça, gênero, bem e classe”, pontua.

Na proposta de Orlando Silva, ela destaca a “defesa da democracia como uma manifestação do enfrentamento ao racismo”, mas entende que o plano não avança na totalidade em relação às ações que derivarão da análise.

A pesquisadora entende que o detalhamento de ações é mais preciso na proposta de Tatto e destaca “a análise precisa da questão dos direitos humanos, da necessidade do poder público assumir o enfrentamento ao racismo”. No entanto, entende que cabem avanços em relação a ideia de como se dará, na prática, a construção de uma cidade antirracista.

Leonardo Fabri, por sua vez, entende que o plano de Marina Helou é mais bem fundamentado em relação ao combate ao racismo, quando comparado ao de Vera Lúcia. “A proposta se diz antirracista e isso é um avanço”.

O pesquisador também destaca a presença do vice candidato à prefeitura, Marco Dipreto, “um vice negro, comprometido com a pauta antirracista em São Paulo”.

“Vejo que a proposta aborda o debate racial não como um monolito, um elemento que se encerra em si, mas que deve permear outras instâncias, como saúde, educação e segurança”, acrescenta.

Já no caso de Vera Lúcia, Leonardo enxerga “mais palavras de ordem”. “Ali não tem um plano, de fato. Acho complicado quando a gente discute racismo, na esfera municipal, e apresenta problemas que estão em outras instâncias. Apesar de concordar que tenhamos que repensar a política de drogas no Brasil, já que ela vem sendo utilizada nos últimos 40 anos para o encarceramento em massa de pessoas pobres e pretas e para o extermínio delas, não é o prefeito da cidade de São Paulo que tem esse poder de agenda de alterar esse cenário de maneira estrutural, isso é feito com vários atores. Então acho que a candidata peca nesse aspecto”.

Os pesquisadores destacam o que consideram pontos fortes, fracos e de atenção nos planos de governo que citam o enfrentamento ao racismo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo