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Só o Centrão pode festejar

O governo Lula e a esquerda sobreviveram por pouco. Já Bolsonaro coleciona derrotas nas capitais

Só o Centrão pode festejar
Só o Centrão pode festejar
Belo Horizonte. Na capital mineira, o prefeito Fuad Noman, do PSD, venceu o bolsonarista Bruno Engler, do PL.É mais um fracasso na conta do ex-presidente – Imagem: Júnia Garrido/Redes Sociais Fuad Noman
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O resultado do segundo turno é complexo de ser analisado, porque implica avanços e retrocessos para diferentes grupos políticos em distintas arenas. Em primeiro lugar, ele reforça a dianteira que o PSD havia conquistado no primeiro turno. No domingo 27, o partido de Gilberto Kassab obteve 27 importantes vitórias, como as capitais Belo Horizonte e Curitiba, além de grandes cidades como Uberaba (MG), Caucaia (CE), Ribeirão Preto (SP) e Londrina (PR), chegando ao total de 887 municípios sob seu comando. Também não podemos descartar o MDB, devido às vitórias em São Paulo e Porto Alegre, ainda que se deva perguntar quão emedebista Ricardo Nunes é. De todas as formas, os dois partidos que constituem, ao menos idealmente, o centro do espectro político se tornaram os grandes vencedores desta eleição.

Por outro lado, um diagnóstico mais amplo requer alguns cuidados. A primeira cautela é que temos dois tipos de resultados sob análise. Um deles refere-se ao desempenho da esquerda e o outro, ao do governo. Muitas decisões eleitorais não foram boas para a esquerda, mas se tornam importantes para a gestão Lula, como são os casos de Belo Horizonte, João Pessoa e Belém, com prefeitos eleitos próximos da administração federal. Em Belém, tratava-se de derrotar o campo bolsonarista e antiambientalista para que a COP-30, a ser realizada na cidade no próximo ano, possa acontecer com tranquilidade e seja palco do momento que o presidente espera para se posicionar como líder das negociações climáticas. Além disso, Belém, Belo Horizonte, João Pessoa e Goiânia tiveram um segundo elemento que pode ser encarado como ganho para o governo: a derrota de candidatos do PL nos quais Jair Bolsonaro concentrou suas forças. Nessas eleições, houve uma diferença fundamental entre o ex-presidente e o atual. Lula manteve-se afastado das disputas mais contenciosas, enquanto Bolsonaro envolveu-se diretamente, colecionando derrotas pessoais.

No que diz respeito ao PT, podemos analisar os resultados a partir de duas óticas diferentes. De um lado, se pensarmos que o partido ganhou a Presidência da República em cinco das últimas seis eleições e está atualmente no poder, seu desempenho ficou aquém do esperado. Mas, se levarmos em conta os amargos resultados obtidos pelos petistas nas ­disputas municipais anteriores, temos uma fotografia diferente emergindo das urnas. Em 2016, o PT perdeu todas as disputas no segundo turno. Em 2020, venceu em Juiz de Fora e Contagem, em Minas Gerais, e Mauá e Diadema, em São ­Paulo, mas não conquistou capital alguma.

Agora, em 2024, também foram quatro vitórias em segundo turno, mas com duas diferenças fundamentais. A primeira delas é que as prefeitas petistas de Contagem e Juiz de Fora foram reeleitas ainda na primeira votação, em 6 de outubro. A segunda diferença é a conquista de Fortaleza, que fez com que o partido voltasse a governar uma capital após oito anos. Completando as vitórias em segundo turno, o PT ainda derrotou o candidato do PL em Pelotas (RS), derrotou o candidato do União Brasil em Camaçari (BA) e reelegeu o prefeito de Mauá (SP), impedindo que o partido desaparecesse da Grande São Paulo.

Outro ponto que chama atenção nos resultados eleitorais do domingo 27 é que, nessas três primeiras cidades conquistadas pelo PT, a diferença entre o vencedor e o derrotado não chegou a 2 pontos porcentuais. Em Pelotas, por sinal, essa diferença foi de pouco mais de mil votos. Apenas Mauá concedeu algum respiro ao partido no segundo turno da disputa, também a única dessas quatro cidades em que o candidato buscava reeleição.

O PT tinha 153 prefeitos em busca de reeleição, dos quais cerca de 80% saíram das urnas vitoriosos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Com isso, o partido termina as eleições de 2024 com 252 cidades sob seu comando a partir do próximo ano. Há quatro anos, o PT vivia esse cenário com 184 municípios conquistados. Assim, talvez seja possível construir o argumento de que o antipetismo continua reduzindo as margens de vitória do partido. Quando olhamos alguns dos ex-petistas que disputaram eleições em cidades importantes, vemos margens mais confortáveis, como foi o caso de Rodrigo Neves em Niterói.

Por fim, cabe discutir o resultado em São Paulo, que ficou aquém do esperado para o candidato apoiado pelo PT. Se é verdade que Guilherme Boulos, do PSOL, teve ligeiramente mais votos do que em 2020, algumas mudanças, como a vitória do presidente Lula na cidade em 2022 e uma campanha muito bem financiada, colocavam a possibilidade de um desempenho melhor. É verdade também que ­Pablo Marçal, do PRTB, tornou a possibilidade de uma estratégia ordenada de campanha quase impossível e que sobrou para Boulos a tentativa de construir uma imagem quase do zero no segundo turno.

Nas regiões Sul e Sudeste, o PT deve buscar uma reaproximação com o eleitorado de baixa renda

Algumas ações do presidente Lula e alguns posicionamentos de Boulos nos momentos finais da campanha apontam para a possibilidade de uma adaptação da esquerda às fortes mudanças estruturais que aconteceram na sociedade brasileira e tem prejudicado a viabilidade eleitoral da esquerda. A aproximação realizada pelo presidente com lideranças evangélicas parece fundamental para diminuir a rejeição do PT entre esses grupos, que têm influenciado fortemente o eleitorado de baixa renda. Ao mesmo tempo, a tentativa de Boulos de conversar com trabalhadores do setor informal e colocar uma agenda de esquerda para o empreendedorismo aponta na direção de mudanças que têm de ser rea­lizadas para recuperar o eleitor de baixa renda nas grandes cidades do Sudeste.

Assim, podemos apontar um cenário complexo, mas não completamente negativo. A lenta recuperação do PT deve continuar e as vitórias do PSB são importantes para a consolidação da esquerda em estados decisivos nas próximas eleições, como Minas, Ceará, Pernambuco e Bahia. Para além desses estados, em especial nas regiões Sul e Sudeste, adaptações no discurso e nas propostas do partido são necessárias para retomar uma relação com o eleitorado de baixa renda que não pode continuar confinada ao Nordeste. O importante é que, se o resultado eleitoral aponta problemas na esquerda, ele aponta problemas maiores no bolsonarismo, o grande derrotado no segundo turno das eleições de 2024. •


*Andressa Rovani é jornalista e doutoranda em Ciência Política pela Unicamp. Leonardo Avritzer é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG. Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.

Publicado na edição n° 1335 de CartaCapital, em 06 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Só o Centrão pode festejar’

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