Política

Sentença de Lula no caso tríplex se aproxima. Entenda

Acusação confia na tese de ocultação de patrimônio. O imóvel, atrelado a uma dívida, não poderia ser repassado a ninguém, rebate a defesa

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Após condenar o ex-ministro Antonio Palocci a 12 anos de prisão, Sérgio Moro agora concentra-se em proferir a sentença de Lula no caso do tríplex do Guarujá. O juiz responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba já parece ter formado sua convicção, como indicam relatos da mídia a adiantar uma provável condenação do petista pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A revista “Istoé” chegou a cravar em sua última edição a provável pena: 22 anos de prisão.

Se Moro optar por condenar o ex-presidente, o fará baseado na tese de que Lula é o dono oculto da unidade do edifício Solaris. As provas materiais indicam que o apartamento sempre pertenceu a OAS e está atrelado a uma dívida da empreiteira com a Caixa Econômica Federal, mas a tendência é que o juiz aceite a denúncia do Ministério Público Federal, segundo a qual Lula teria dissimulado patrimônio, ou seja, ocultado recursos ilícitos recebidos da OAS por meio do apartamento no Guarujá e de um contrato para guardar o acervo de presentes recebidos durante a presidência. 

Embora o petista seja apontado como beneficiário de 3,7 milhões de reais relacionados ao imóvel a à guarda de seus bens, os procuradores da Lava Jato, liderados por Deltan Dallagnol, defendem a tese de que o ex-presidente é o “comandante máximo” do esquema de propinas da OAS com a Petrobras. Por esse motivo, o MPF pediu uma multa de 87 milhões de reais a Lula, valor relativo a todos os desvios apurados entre a empreiteira e a estatal.  

Por se tratar de uma denúncia relacionada à ocultação de patrimônio, um tipo de lavagem de dinheiro, o MPF defende que é necessário avaliar a “dificuldade probatória” para condenar, pois a falta de provas cabais se justificaria diante de contravenções dessa natureza.

Já a defesa de Lula sustenta que a unidade sempre pertenceu à OAS e o petista jamais usufruiu do apartamento, condição necessária, segundo os advogados, para acusá-lo de ocultar a propriedade. Testemunhas do processo, diz a defesa, confirmaram que Lula era visto apenas como um potencial cliente. As melhorias no apartamento visariam apenas “fomentar seu interesse”.

Para sustentar a tese de que Lula recebeu o imóvel para atender a interesses da OAS, condição necessária para imputar-lhe o crime de corrupção passiva, os procuradores da Lava Jato contam com a mudança de versão de Léo Pinheiro sobre o caso.

No ano passado, o empreiteiro afirmou que as obras da OAS no tríplex eram uma forma de agradar Lula, e não contrapartidas a algum benefício. A versão desagradou os procuradores, que enxergaram uma suposta tentativa do empresário de preservar o petista. Em seu depoimento a Moro neste ano, o empresário passou a atribuir a propriedade do imóvel a Lula e disse ter sido orientado a manter em nome da OAS a pedido de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.

O empreiteiro afirmou ainda que o tríplex foi descontado de valores de propina em contratos da OAS com a Petrobras, negócio supostamente acertado diretamente com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Pinheiro narrou ainda que foi aconselhado por Lula a destruir provas do suposto esquema de repasses ao PT.

Caso Lula seja condenado por Moro, ele recorrerá ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na terça-feira 27, Vaccari Neto foi inocentado em segunda instância pelo mesmo tribunal após ser condenado por Moro a 15 anos e quatro meses de prisão por lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção. Se uma eventual condenação por Moro foi confirmada no segundo grau, Lula se tornará inelegível para as eleições de 2018, mas ainda poderá recorrer às instâncias superiores.

Entenda as alegações da defesa de Lula e de Léo Pinheiro apresentadas recentemente e a argumentação do MPF contra o petista.

Defesa: imóvel está atrelado a uma dívida

Os advogados de Lula entregaram as alegações finais do ex-presidente em 20 de junho. Na peça, eles pedem a absolvição do petista “pela ausência de participação do ex-presidente em qualquer ato indevido” e o afastamento de qualquer arbitramento de dano mínimo ou, ao menos, que seja apurada a extensão do dano supostamente causado pelo petista. Em suas alegações, a PGR pediu uma multa de 87 milhões de reais a Lula, mas o ex-presidente é acusado de ter sido beneficiado com 3,7 milhões de reais.

A tese principal da defesa é a de que o tríplex, embora pertença à OAS, jamais poderia ser vendido ou repassado à família de Lula, pois o Edifício Solaris foi usado como garantia de um empréstimo contraído pela empreiteira. O negócio remonta a novembro de 2009, quando a OAS Empreendimentos S.A. lavrou uma escritura de emissão de debêntures, tendo a Planner Trustee DTVM Ltda como agente fiduciário e Caixa Econômica Federal como banco depositário.

Em outubro de 2010, no segundo aditamento do contrato, a OAS apresentou o empreendimento Mar Cantábrico, como se chamava anteriormente o Solaris, como garantia para o pagamento da dívida. Nesse instrumento, foi indicada uma conta centralizadora da Caixa Econômica Federal para arrecadar os valores de eventuais unidades do empreendimento vendidas. Em fevereiro de 2011, a Planner comunicou a OAS que o Solaris tornou-se “elegível”, ou seja, foi aceito como garantia para a operação de crédito.

Em outras palavras, o imóvel só poderia ser repassado à família de Lula se a Caixa tomasse parte nas negociações. O depósito de valores em uma conta do banco seria uma condição para qualquer transação relacionada ao apartamento. “Nem Léo Pinheiro nem a OAS tinham a disponibilidade desse imóvel para dar ou prometer a quem quer que seja sem ter feito pagamento à Caixa Econômica Federal”, dizem os advogados do petista.

Além disso, no plano de recuperação judicial da OAS, atribuiu-se valor “zero” ao Solaris. Motivo: o condomínio e outros empreendimentos da empresa estavam alienados desde a operação de debêntures com a Caixa. “Os recursos dos mesmos serão utilizados para a amortização da dívida, devido ao ônus para o qual os projetos estão atrelados”, diz um laudo assinado pela Apsis, responsável na “avaliação de bens e ativos” da empreiteira, em junho de 2015.

A defesa havia solicitado uma série de diligências ao juiz Sergio Moro para comprovar a existência de tal operação de crédito, mas os pedidos foram recusados. Os advogados do ex-presidente só encontraram a papelada após uma busca ostensiva em cartórios, por conta e risco dos defensores.

Defesa: tese de ocultação de patrimônio

O crime de ocultação de patrimônio, uma das teses da acusação, só poderia ocorrer se o ex-presidente tivesse usado ou usufruído do apartamento, observa a defesa. De acordo com os advogados, Lula e sua família “jamais tiveram sequer a posse do imóvel”.

Os defensores distinguem “posse”, condição, segundo eles, “imprescindível para substanciar a acusação referente à ocultação”, de “propriedade”: a primeira está relacionada ao controle prático do imóvel, caracterizado por atividades como “usar, gozar, fruir, dispor e reivindicar” o apartamento. Segunda a defesa, nenhuma dessas ações teria sido praticada por Lula, o que impediria o ex-presidente de ser acusado de crime de ocultação de patrimônio. “O ex-presidente Lula e sua família jamais exerceram quaisquer das faculdades inerentes ao domínio sobre a unidade 164-A tríplex, do condomínio Solaris.”

Os defensores citam declarações de diversas testemunhas que afirmam não terem encontrado com Lula e seus familiares. Segundo diversos depoimentos, a família do ex-presidente não tinha as chaves do imóvel e o mesmo jamais foi habitado. Para os advogados, os depoimentos indicam que “Lula era visto como um potencial cliente, e que as melhorias no apartamento visaram fomentar seu interesse”.

Defesa: ausência de ato de ofício de Lula

Segundo os advogados de Lula, a acusação não teve êxito em provar qual ato de ofício teria sido omitido ou indevidamente praticado em contrapartida ao tríplex e ao armazenamento dos bens pessoais do petista. De acordo com a defesa, a nomeação de diretores da Petrobras, um dos argumentos da acusação para tentar provar a contrapartida de Lula ao benefício, não constitui ato vinculado ao exercício da Presidência, mas seria uma atribuição do Conselho de Administração da Petrobras.

Segundo os advogados, o MPF tenta criar duas modalidades de corrupção: a primeira, para funcionários públicos de baixa hierarquia, e a segunda, para agentes públicos com maior poder de atuação, para os quais não seria necessária a apresentação de um ato de ofício.

Os advogados lembram ainda que o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi inocentado no STF pela ausência de ato de ofício que comprovasse corrupção passiva.

Alegações finais de Léo Pinheiro

Embora ainda não tenha formalizado um acordo de colaboração premiada com a Justiça, Léo Pinheiro está em tratativas com os investigadores há algum tempo. Em junho de 2016, as negociações travaram, segundo informou o jornal “Folha de S.Paulo”, por causa do modo como o empreiteiro narrou episódios envolvendo Lula.

À época, Pinheiro afirmou que as obras da OAS no tríplex eram uma forma de agradar Lula, e não contrapartidas a algum benefício. Os procuradores, segundo a reportagem, consideraram a versão pouco crível e viram na postura de Pinheiro uma tentativa de preservar Lula.

Em meio ao processo conduzido por Sérgio Moro, Léo Pinheiro alterou sua primeira versão dos fatos, ao afirmar que imóvel era de Lula. A doação do apartamento seria, segundo a nova versão do empreiteiro, descontado de valores de propina em contratos da OAS com a Petrobras, negócio supostamente acertado diretamente com Vaccari Neto.

Em seus memoriais finais entregues a Moro, Léo Pinheiro reforça a nova versão com sua narrativa. Em 2009, quando a OAS iniciou as negociações para assumir as obras do Bancoop no edifício Solaris, diz Pinheiro, Vaccari Neto informou ao empreiteiro da existência de um empreendimento da família de Lula no local. De fato, os familiares de Lula tinham direito a uma unidade no local, mas não era o tríplex em questão.

Em 2010, o jornal “O Globo”, lembra Pinheiro, publicou uma matéria sobre o atraso nas obras do tríplex e afirmou que Lula não negou a propriedade do imóvel à época. Pinheiro relatou seu desconforto com a matéria jornalística e disse ter sido orientado “a manter o imóvel em nome da OAS e seguir encobrindo a identidade do real proprietário”. A orientação teria partido de Okamotto, segundo o relato do empreiteiro. “O apartamento continua em nome da OAS e depois a gente vê como é que nós vamos fazer para transferir ou o que for”, teria dito o presidente do Instituto Lula.

Outro argumento de Pinheiro é que o imóvel nunca foi colocado à venda por existir ali uma cobertura do ex-presidente. “Desde 2009, eu tinha orientação para não colocar à venda, porque pertenceria à família do presidente”, afirmou o dono da OAS.

Em 2014, narra Pinheiro, Lula e a ex-primeira-dama Marisa Letícia visitaram o tríplex acompanhados do empreiteiro e de uma equipe da OAS. Nesse encontro, o ex-presidente e sua esposa teriam feito “inúmeras solicitações de mudanças” na unidade.

Em seguida, Lula e Pinheiro teriam conversado no caminho de volta à São Paulo, quando, narra o empreiteiro, combinaram que algumas reformas teriam início imediato. Lula confirma a viagem de volta, mas nega ter falado sobre o tríplex. No mesmo ano, Pinheiro teria comparecido à residência de Lula em São Bernardo do Campo, para “obter a aprovação do projeto de reforma do tríplex”.

A defesa de Lula contesta a narrativa. Sobre a suposta conversa entre Pinheiro e João Vaccari Neto a respeito do imóvel em 2009, os advogados sustentam que não há evidência nos autos referente a esse diálogo. Em relação a uma aludida conversa em 2010 com Paulo Okamotto sobre a transferência do tríplex para Lula, os defensores negam não haver provas e afirmam que Okamotto negou o diálogo.

Alegações finais do MPF

Em suas alegações finais entregues na sexta-feira 2 ao juiz Sérgio Moro, os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato pediram a condenação do ex-presidente Lula em regime fechado e o pagamento de uma multa de 87,6 milhões de reais, baseada na tese de que o petista era um dos comandantes do esquema de propinas entre a OAS e a Petrobras.  

Nas alegações, os procuradores voltaram a afirmar que Lula “comandou a formação de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos” destinado à compra de parlamentares, ao enriquecimento ilícito e ao financiamento de “caras” campanhas do PT, “em prol da permanência no poder”. 

Embora Lula seja apontado como beneficiário de 3,7 milhões de reais, na forma da aquisição e reforma de um tríplex em Guarujá, litoral de São Paulo, e do armazenamento de seu acervo pessoal, Deltan Dallagnol e sua equipe de procuradores defendem que o ex-presidente deva pagar o valor integral dos desvios apurados entre a OAS e a Petrobras como suposto comandante do esquema:

“Se requer, em relação a Luiz Inácio Lula da Silva, o arbitramento cumulativo do dano mínimo, a ser revertido em favor da Petrobrás, com base no artigo 387, caput e IV, do Código de Processo Penal, no montante de R$ 87.624.971,26, correspondente ao valor total da porcentagem da propina paga pela OAS em razão das contratações dos Consórcios Conpar e Conest pela Petrobrás, considerando-se a participação societária da OAS em cada um deles (respectivamente 24% e 50%)”, afirmam os procuradores.

O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, também foi alvo de um pedido de multa de mesmo montante, mas como havia pago mais de 29 milhões de reais em indenização relativa a outro julgamento da Lava Jato, o valor solicitado foi de 58,4 milhões. Embora reconheça a falta de um acordo de colaboração premiada com Léo Pinheiro, da OAS, o MPF sugeriu que a pena do empreiteiro seja reduzida pela metade por ele ter confessado os crimes em interrogatório e “prestado esclarecimentos” à Justiça. 

Em uma espécie de confissão da falta de provas robustas para sustentar sua tese, a Procuradoria afirma que, no caso, “a solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação, mantendo simultaneamente todas as garantias da defesa.”

Em seguida, Dallagnol e sua equipe mencionam uma decisão da ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão, quando a magistrada defendeu que “em crimes graves e que não deixam provas diretas, ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências.” Sérgio Moro, agora responsável pela Lava Jato, foi o assessor de Rosa Weber no “mensalão”.

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