Política

Senhor do ‘orçamento secreto’, Arthur Lira desafia a hegemonia de Renan Calheiros em Alagoas

O resultado das urnas no estado deve mexer com a configuração política nacional

Em família. Renan Filho pretende ocupar uma vaga no Senado ao lado do pai - Imagem: Redes sociais
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Histórico reduto de lideranças polí­ticas com destaque no pla­­no nacional, alcançando a Presidência da República com Fernando Collor de Melo­ no início dos anos 1990, Alagoas deve enfrentar uma disputa fratricida nas eleições de outubro. De um lado estará o grupo do senador Renan Calheiros, do MDB, que sonha em voltar presidir o Congresso. De outro, Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados que, no governo Bolsonaro, assumiu um poder sem precedentes ao controlar um “orçamento secreto” de 16 bilhões de reais. Calheiros e os Lira são duas oligarquias que há muito fazem parte da disputa política da chamada “República das Alagoas”, que não se apartou por completo da sua trajetória canavieira e ainda sobrevive sob as rédeas dos usineiros que formam a elite local.

A votação em Alagoas deverá mexer com a configuração política nacional e o grupo que sair vitorioso nas urnas terá nas mãos um grande poder de barganha para ocupar espaços tanto no Legislativo quanto no governo eleito. Enquanto ­Renan Calheiros quer voltar a presidir o Senado – especula-se também que ele pode assumir um ministério em um eventual governo Lula –, Lira quer ser reeleito presidente da Câmara e continuar como uma espécie de primeiro-ministro informal, a controlar grandes fatias do orçamento nacional. A pretensão não depende apenas da vitória de Bolsonaro, ele também acredita ser possível conservar esse status caso o petista saia vitorioso. Para isso, trabalha intensamente para dobrar os quase 144 mil votos que obteve em 2018, além de buscar eleger uma boa bancada para reforçar seu nome na Câmara. Lira quer eleger-se senador em 2026.

Lira quer ser um “primeiro-ministro informal” do próximo governo. Calheiros tem planos de retomar o controle do Senado

Conhecedora como poucos do jogo político em Alagoas, a ex-senadora Heloísa Helena, da Rede, critica o modus operandi de Calheiros e Lira, citando o vínculo que eles constroem com o poder central para atender a interesses pessoais, uma relação que se retroalimenta. “(Eles) se fortaleceram muito porque sempre foram alimentados pelas máquinas governamentais de todos os governos federais. Eram os ungidos para cargos, prestígio, liberação de emendas orçamentárias e muito poder. Criaram poderosos impérios políticos pela conveniência da relação promíscua com o poder central.”

A hegemonia política oligárquica retrata-se na dificuldade que a esquerda tem em se firmar em Alagoas, o que está levando Heloísa Helena a disputar, este ano, uma vaga para deputada federal pelo Rio de Janeiro. “Foi muito difícil a decisão, mas sempre soube que, se tivesse de alterar o domicílio eleitoral, teria de ser para o Rio ou Brasília. O Rio sempre me abraçou generosamente.” A cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas Luciana Santana classifica como inteligente a opção feita pela ex-senadora e comenta a dificuldade de as esquerdas se consolidarem como uma força política importante local. “O PT restringe-se a grupos localizados que servem a governos locais como coadjuvantes. A esquerda de Alagoas reproduz muito essa lógica conservadora do Estado.”

Recursos. Lira privilegiou São Miguel dos Milagres, governada pelo pai, Benedito Lira – Imagem: Alan Santos/PR

Esse desempenho sofrível do campo progressista é perceptível também nas eleições presidenciais. Maceió é uma das capitais mais antipetistas do Brasil e, proporcionalmente, Alagoas é o estado nordestino onde os candidatos do PT têm obtido menos votos. Em 2002, Lula teve pouco mais de 43% dos votos válidos, perdendo para José Serra, do ­PSDB. Nas ­disputas seguintes, os presidenciáveis petistas ganharam no estado, embora com um porcentual menor que a média do Nordeste. Neste ano, as pesquisas revelam que os alagoanos preferem Lula a Bolsonaro. O petista figura com 54% das intenções de voto e o ex-capitão com 22%.

O palanque lulista em Alagoas será respaldado pelo grupo de Calheiros, tendo como candidato a governador o deputado Paulo Dantas (MDB) e a senador ­Renan Filho, que renunciou ao governo estadual em 2 de abril para disputar uma vaga no Senado em outubro. Embora o MDB ainda mantenha a candidatura de Simone Tebet para presidente da República, o senador deixou claro que vai apoiar Lula. Em recente encontro do ex-presidente com Renan Filho e Paulo Dantas, o petista ratificou a aliança e acordou que seu partido deve indicar um nome para vice na chapa majoritária. “Ouvi do presidente Lula que este é o momento de o País se reorganizar, que as forças progressistas têm muito a contribuir no processo eleitoral, explicando para a população quais são as saídas para a profunda crise em que estamos mergulhados”, salienta Dantas.

Se nada de excepcional acontecer, Dantas deve assumir, em maio, um mandato tampão de governador. Isso, porque o vice-governador eleito em 2018, Luciano Barbosa, se elegeu prefeito do município de Arapiraca e renunciou ao cargo no fim de 2020. Com a saída de Renan Filho, a legislação prevê uma eleição indireta pela Assembleia Legislativa. É dada como certa a vitória de Dantas. O emedebista precisa de 14 votos e o partido dele ocupa 15 das 27 cadeiras na casa. “Na base de apoio ao nosso projeto, alcançamos algo em torno de 23 deputados”, assegura o candidato.

Sem o palanque de Lira, não restou alternativa para Bolsonaro senão abraçar Collor

Se, por um lado, o palanque de Lula está garantido, na outra ponta, Arthur Lira está com dificuldade em defender a candidatura de Bolsonaro em Alagoas, tamanha a rejeição do mandatário no Estado. Aliado do presidente e principal articulador das pautas que interessam ao Planalto na Câmara, Lira deve reforçar o palanque do senador Rodrigo Cunha para governador, que descartou a possibilidade de pedir voto para Bolsonaro e anunciou que pretende apoiar um candidato da inexpressiva terceira via.

No arranjo feito pelo presidente da Câmara, Rodrigo Cunha trocou o PSDB pelo União Brasil, e deve ter como candidato a senador o deputado estadual Davi Davino Filho, do PP de Lira. Outra engenharia política que está por trás da candidatura de Rodrigo Cunha é o apoio que ele recebeu do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, do PSB, até então com boa pontuação nas pesquisas para o governo. Há pouco mais de um ano no cargo, JHC, como é conhecido, desistiu da disputa por ter planos de se reeleger em 2024 e só concorrer para governador em 2026. Além disso, caso seu candidato saia vitorioso em outubro, sua mãe, Eudócia Caldas, assume como senadora por ser suplente de Cunha.

Amor. Collor parece ser o único disposto a oferecer palanque para Bolsonaro no estado – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR

Mas a maior dificuldade que Cunha deverá enfrentar na disputa estadual será explicar as manobras bilionárias de Lira na distribuição das emendas de relator. Além de ter privilegiado a prefeitura de São Miguel dos Milagres, governada pelo pai dele, Benedito Lira, o presidente da Câmara é acusado de liberar recursos para a aquisição de kits de robótica para cidades alagoanas, onde, algumas delas, não têm nem salas de aula ou água encanada, muito menos computadores ou internet. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, os contratos foram feitos pela Megalic, empresa ligada a Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD) e aliado de Lira.

Nesse xadrez político e sem o apoio formal de Lira em Alagoas, restou ao palanque bolsonarista o senador Fernando Collor de Mello, recém-filiado ao PTB de Roberto Jeferson. Apesar de afirmar que é candidato à reeleição – com poucas chances de vitória, segundo as pesquisas –, o ex-presidente pode disputar o governo e montar uma base para Bolsonaro fazer campanha no estado. O senador aparece como segundo colocado nas pesquisas para governador (17%), atrás apenas do ex-prefeito de Maceió, Rui Palmeiras (PSD), com 19%, que tenta se viabilizar numa costura à margem dos palanques de Lira e dos Calheiros. Cunha tem 15% e Dantas, 11%.

O levantamento foi realizado em março pelo Ibrape, a pedido do MDB. Para mudar o quadro desfavorável, Rodrigo Cunha aposta no poder do presidente da Câmara e na máquina da prefeitura de Maceió, sob o comando de JHC. Já Paulo Dantas, além de disputar o cargo sentado na cadeira de governador, acredita que Lula deverá impulsionar seu nome à reeleição. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O xadrez dos oligarcas”

 

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