Política

Senado deve votar PL que regula jogos de azar; entenda o que está em jogo

Após Geraldo Alckmin se reunir com relator do PL e o CEO de um cassino canadense, o projeto pode ganhar novos contornos

O jogo do bicho é uma das modalidades que o PL pretende regular — Foto: Reprodução
Apoie Siga-nos no

Há mais de 30 anos em debate, a legalização de bingos, cassinos, caça-níqueis e o jogo do bicho no Brasil pode ser votada pelo Senado neste segundo semestre, após o recesso parlamentar. 

Está em pauta o PL 442/91, que ambiciona ser o marco regulatório dos jogos de azar no país – criminalizado por decreto desde a ditadura, sob pena de um a dois anos de prisão, sob temores como o aumento da criminalidade e o financiamento do terrorismo diante a práticas desses jogos de apostas. O que, apesar de não corresponder à realidade geral do setor, não era e nem é uma afirmação falsa.

Somente em 2022, foram cumpridos 26 mandados de prisão e 57 de busca e apreensão pela 1ª Vara Especializada em Crime Organizado do Tribunal de Justiça no Rio, por conta dos jogos. No mesmo período, a Polícia Federal cumpriu um mandato contra 215 estabelecimentos comerciais em São Paulo.

O fato é que, apesar da repressão, esse mercado segue ativo sob as cortinas da ilegalidade. “Talvez seja mais efetivo regulamentar do que ficar numa guerra um tanto perdida”, avalia a professora da FGV Direito SP, Raquel Scalcon

Diante desse cenário, o texto do deputado Renato Vianna (PMDB-SC) e relatoria de Felipe Carreras (PSB-PE), estabelece normas para regular o mercado de jogos e apostas com taxações comerciais, licenças para os estabelecimentos e o pagamento de impostos. Além da designação do antigo Ministério da Economia, hoje dividido entre Fazenda, Desenvolvimento da Indústria e Comércio, e Planejamento para a criação de um órgão regulador e fiscalizador. 

O aumento da receita via imposto é o argumento mais defendido entre aqueles que são a favor da proposta. O projeto estima captar, somente a partir das licenças de operação, os seguintes valores:

  • 20 mil reais com cada operadora de bingo e estabelecimentos de corridas de cavalos;
  • 300 mil por domínio licenciado de jogos on-line;
  • 600 mil por estabelecimento de cassino licenciado; 
  • 20 mil por entidade de jogo de bicho licenciada.

Quem é contra

O PL passou pela Câmara dos Deputados com votação acirrada, por 246 votos a favor e 202 contras, na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, e foi para o Senado, onde não passou por nenhuma mudança até o momento. 

Entre os movimentos contrários a proposta estão a Frente Evangélica, que pressionou o então presidente Jair Bolsonaro (PL) para que não aprovasse a proposta. Na época, as bancadas do PT, e PSOL também foram contra. Já o PDT, o PCdoB, o MDB e o Solidariedade foram a favor. 

Após meses com a tramitação parada, uma novidade surgiu com a reunião do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento e Indústria, Geraldo Alckmin, no dia 4 de junho, designada pelo relator do projeto, deputado Carreras e que contou com a presença de Mor Weizer, CEO da Playtech, empresa canadense de cassinos. 

CartaCapital, o Ministério do Desenvolvimento afirmou que não há nenhum encaminhamento sobre o encontro até o momento. Mas a expectativa do Senado, segundo o senador Angelo Coronel (PSD), é que o projeto não seja alvo de pressão extra da oposição.

As siglas que foram contrárias na Câmara devem manter posição no Senado. A Frente Parlamentar de oposição, chamada de “Brasil sem Jogos de Azar”, tem como titulares os senadores Eduardo Girão (Novo), Eliziane Gama (PSD), Damares Alves (Republicanos) e como integrantes, Humberto Costa e Paulo Paim, ambos do PT, e Izalci Lucas (PSDB).

Questionado pela reportagem, sobre a participação dos senadores do PT na frente e qual será a posição da bancada na discussão, o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato, afirmou que deve se reunir com os parlamentares, mas que ainda não há uma decisão concreta, nem previsão. 

“No momento é até anti-Brasil negar ou querer que não haja uma votação”, defende o senador Angelo Coronel. “Com a reforma tributária que está em curso, mais uma fonte de receita é importante, porque com isso você pode reduzir as alíquotas que estão previstas na implantação do CBS [Imposto de Contribuição Social sobre Bens e Serviços] e do IBS [Impostos de ICMS e ISS sobre mercadorias e prestação de serviço]”.

Quem ganha com a legalização dos jogos no Brasil?

O argumento de Coronel, sobre o aumento de impostos com a reforma, vai na esteira do que apontam alguns institutos, como o IPEA. Em linhas gerais, a tese é que com mais impostos, ter uma fonte de receita faria com que essas taxas não fossem tão altas. 

No entanto, apesar da alta expectativa de retorno da legalização, as pesquisas sobre as estimativas de retorno de cada jogo ainda são baixas, sustenta o analista do Banco Central, Mauro Salvo

“O principal ponto é o custo-benefício de legalizar, por isso uma estimativa é importante. O quanto o governo realmente poderia arrecadar? Até porque o ministério também teria diversos gastos diante dessa regulamentação”, sustenta o economista. 

O tamanho do mercado e seu faturamento é alvo de estudos feitos por organizações dentro e fora do país, mas as metodologias são questionadas por alguns especialistas.

O Instituto Jogo Legal, por exemplo, estimou em uma apresentação na Câmara, que os jogos ilegais movimentaram cerca de 19 bilhões de reais por ano, isto ainda em 2016. 

Os números foram coletados a partir de boletins de ocorrência, notícias e pesquisa de campo, segundo os documentos, o jogo do bicho lucrava 12 bilhões de reais por ano, seguido de 3,6 bilhões nos caça-níqueis, 3 bilhões em apostas na internet e 1,3 bilhão nos bingos.

Se aprovado, a legislação designa que parte dos impostos coletados sejam direcionados a investimentos, como para o tratamento do vício em jogos no Brasil. O maior montante, de 12%, irá para a Embratur.

Para o senador Coronel, também autor de um PL sobre o assunto que tramita no Senado, o texto pode ter ficado paralisado diante do que chamou de “uma tendência de favorecer alguns players”. 

“O projeto que foi aprovado na Câmara cria praticamente uma reserva de mercado na questão de máquinas na questão de máquinas para jogos eletrônicos. Você não pode aproveitar os hotéis existentes nas localidades onde foi aprovado [o jogo] para abrir jogos, tem que começar do zero”, diz o parlamentar.

Essa reserva estaria delimitada diante da imposição de regras muito específicas – que favoreceriam, segundo especialistas, grandes investidores. 

“Eles colocam ali um valor muito alto de investimento, sem um motivo aparente. Se um cidadão qualquer quer investir,  precisa ter 10 milhões. Isso me parece que está criando barreiras para concorrência”, defende o economista Mauro Salvo. 

E adiciona que: “Muitos bingos ganham na justiça com o argumento da livre iniciativa de mercado, mas [no PL] é livre iniciativa só para quem tem 10 milhões. É contraditório e é bem possível que já esteja mapeado quem e como vão dominar esse mercado no Brasil”.

O senador Eduardo Girão (Novo), titular da frente anti-jogos de azar no Congresso, afirma que “um lobby dos jogos de azar tem agido ostensivamente dentro do Congresso Nacional”, e a principal preocupação da Frente, tem sido com as consequências de uma eventual aprovação.

 “[A regulamentação] não irá trazer novas receitas, na verdade irá canibalizar as receitas de outras atividades produtivas que já pagam seus impostos. Isso poderá fazer com que vários outros negócios administrados pelo capital nacional possam fechar para que esse dinheiro vá para o capital estrangeiro”, defende.

Os possíveis caminhos e as principais controvérsias

Os especialistas ouvidos por CartaCapital, defendem que a melhor saída é a da regulamentação séria e fiscalização contínua, para que a lei possa alcançar seu objetivo efetivo e que a criminalidade não seja a imagem principal do setor. 

“A indústria de jogos, assim como a indústria de entretenimento, movimenta muitos recursos. E, onde há gente com dinheiro circulando, há alguns problemas de criminalidade”, argumenta Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos e Financeiro. “Quando você estabelece um regulamento você cria regras de entrada, cria regras de licenciamento, de proteção a jogadores, você cria a regra que prevenção a lavagem de dinheiro e cria regras de jogo responsável.

Essa transição para a regulamentação pode ser melhor aplicada com uma legislação experimental, sugere a professora da FGV Raquel Scalcon. A prática é adotada na União Europeia e nos EUA. A ideia é a liberação por período pré-determinado e com a aplicação, checar os ajustes necessários a partir de estudos conduzidos sobre o tema. 

“Me preocupa uma simples aprovação desse marco sem essa obrigatoriedade de, em pouco tempo, avaliar o que aconteceu e reajustar a lei e. Esse é o problema maior, e não tanto a experiência de tentar legalizar”, explica. 

A fiscalização e prevenção se tornam o ponto-chave para o funcionamento da lei. 

Para o analista do Banco Central Mauro Salvo, apesar do projeto mencionar a regulamentação e fiscalização pela Fazenda dentro de 90 dias, falta ainda estruturar como isso poderia ser feito.

“Por exemplo, quando criaram a lei de prevenção à lavagem de dinheiro estava lá: “vai ser criado o Coaf que vai ter tal estrutura”. Os servidores, eles não são concursados, eles são cedidos de órgãos públicos”, destaca. 

Salvo pondera ainda que o PL menciona a criação de um Sistema Nacional de Jogos e Apostas, sob o qual estaria este órgão regulador – mas não explica a função do sistema. Essa indefinição, alerta, poderia abrir brechas para irregularidades.

“Existe uma questão que se chama risco de captura, quando o órgão regulador ele acaba capturado pelos regulados, então o regulado acaba mandando na regulação”, explica. 

Outra preocupação é o uso de cédulas em espécie, “[o que você pode fazer é] restringir, e permitir só por algum meio que seja rastreável, essa seria a primeira preocupação – isso está mais ou menos no PL, podia estar mais explícito. O uso dos bitcoins também fica muito vulnerável”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo