Política

Senado deve aprovar MP da privatização da Eletrobras sem saber valores envolvidos

Após texto passar pela Câmara, estatal abriu licitação para contratar consultoria que vai ajudar na definição do valor da outorga

Foto: Reprodução
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A Eletrobras anunciou na terça-feira 25 a abertura de licitação para contratar uma consultoria que vai auxiliar a estatal na definição do valor de outorga em seu possível processo de privatização.

O ofício estabelece que a abertura das propostas será feita no dia 17 de junho. A empresa que vencer o pregão, de acordo com as regras, tem até dez semanas após a assinatura do contrato para executar os serviços.

O anúncio foi feito na semana seguinte à aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Medida Provisória que cria condições para a capitalização da estatal que atua com a geração, transmissão e distribuição de energia no País.

O texto do relator, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), seguiu para o Senado Federal e tem até o dia 22 de junho para ser analisado e votado antes de perder a validade.

Na prática, se ratificada também pelos senadores, a MP terá passado pelo Congresso sem que os parlamentares soubessem dos valores.

“É um desrespeito com as Casas Legislativas. Quando se vai vender determinada empresa é preciso saber ao valor dos ativos”, diz a diretora do Instituto Ilumina Clarice Ferraz, que alerta para o risco dos deputados e senadores assinarem “um cheque em branco”.

“O certo seria todas as partes interessadas terem acesso ao estudo antes das votações ocorrerem”, acrescenta Clarice em conversa com CartaCapital.

A Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), em manifestação divulgada também na terça, aponta que a MP não apresenta “uma estimativa do valor a ser arrecadado, e, de quebra, ainda impede que o Senado, Câmara e União
tenham qualquer poder de decisão sobre a aceitação ou não dos valores a serem definidos no momento da capitalização”.

O aval ao acordo deverá ser dado em assembleia de acionistas da companhia na qual o governo, que detém a maior parte das ações com direito a voto, ficaria impedido de votar.

“Com isso, fica claro que o relator propõe uma manobra que usurpa ao mesmo tempo a prerrogativa democrática das Casas Legislativas de decidir sobre esse tema da mais alta importância, ao mesmo tempo em que veda à União de exercer seu legítimo direito nas deliberações mais fundamentais sobre o destino da empresa. Isso representa, de fato, um cerceamento ao direito democrático da população de posicionar diante da proposta a ser apresentada, por meio de seus representantes legais”, continuam os empregados da estatal.

No processo de desestatização, a Eletrobras pagaria um bônus de outorga à União em troca da renovação em condições mais vantajosas dos contratos de suas hidrelétricas antigas.

O Ministério de Minas e Energia diz que o valor deve ficar em 25 bilhões de reais, mas o número não está expressamente previsto na MP.

Pelos cálculos da AEEL, que CartaCapital teve acesso, a estatal “tem ativos que podem gerar uma receita [mínima] de 698 bilhões de reais até o fim das concessões já assinadas”.

A Eletrobras justifica a necessidade de contratação de uma consultoria por conta das  “incertezas e indefinições que pairam sobre o processo de capitalização”.

Entre os serviços a serem entregues pela contratada está um modelo econômico-financeiro para cálculo do que seria o valor de outorga adequado à privatização, bem como “análise dos cenários de atratividade para a Eletrobras” no negócio.

A estatal alega que “não houve prejuízo para a avaliação da MP”. “O valor da outorga será obtido após estudo complexo que contém parâmetros como cálculo de garantia física, projeção de preço de venda, taxa de desconto, entre outros fatores. Esse estudo será realizado a partir da aprovação da medida provisória, de modo que a capitalização será decidida em assembleia de acionistas”, disse em nota.

O governo do presidente Jair Bolsonaro pretende desestatizar a empresa por meio de uma capitalização, via emissão de novas ações, que diluiria a fatia estatal na empresa a uma posição minoritária.

Tramitação questionada

Os partidos de oposição entraram, na quarta-feira 19, com três ações no Supremo Tribunal Federal contra a tramitação na Câmara dos Deputados da MP. De acordo com os deputados, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), agiu contra a origem cronológica de votação das MPs ao pautar o tema direto no plenário sem passar pelas comissões.

De acordo com Danilo Cabral, líder do PSB na Câmara, a atitude de Lira é uma nova versão do “passar a boiada”. O deputado afirma que a mudança no regimento interno da Câmara tem dificultado o trabalho da oposição.

Ele se refere ao projeto aprovado que diminui a possibilidade de obstrução nas sessões e aumenta o tempo de debate de mérito das propostas na fase de discussão em Plenário.

Em uma das ações, a oposição argumentou que “é inconstitucional a apreciação diretamente pelo Plenário das casas Legislativas sem que, antes, se manifeste a Comissão Mista Prevista”.

“No processo legislativo, para se preservar a consistência decisória, deve-se ainda exigir que haja deliberação suficiente sobre os projetos submetidos à apreciação parlamentar. A democracia envolve, além da decisão majoritária, também a possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas”, afirmam os parlamentares.

Na quinta-feira 20, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, pediu que Lira explique em até dez dias o motivo de ter pautado a votação da MP.

“Não decorre inequivocamente da Constituição a exigência de votação das medidas provisórias em ordem cronológica de sua edição. Ainda quando essa questão possa ser revisitada quando do julgamento definitivo de mérito, não é o caso de reconhecê-la monocraticamente e em sede liminar, à falta de jurisprudência específica”, escreveu Barroso.

No Senado, a bancada do PT apresentou um requerimento para debater a MP. Segundo o líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), “já foram conseguidas todas as assinaturas necessárias para a sessão temática”.

“Estamos diante de mais um caso em que o governo se aproveita da pandemia para entregar o patrimônio público à preço de liquidação”, avalia.

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