Política

Senado aprova nova Lei de Improbidade, mas muda texto da Câmara; veja o que está em jogo

Um dos principais pontos é o que considera improbidade apenas a prática em que houver dolo, ou seja, intenção consciente de violar a lei

O discurso do senador Weverton, relator do projeto, nesta quarta-feira 29. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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O Senado aprovou por 47 votos a 24, na noite desta quarta-feira 29, o projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa. Um dos principais pontos do novo texto é o que considera improbidade apenas a prática em que houver dolo, ou seja, intenção consciente de violar a lei.

Mais cedo, o PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa, após o relator, senador Weverton (PDT-MA), apresentar seis alterações no texto avalizado pela Câmara dos Deputados. Eis algumas das mudanças:

  • ressalva de que o Ministério Público só será condenado ao pagamento de honorários de sucumbência em casos de comprovada má-fé. Conforme o texto da Câmara, haveria condenação em caso de improcedência da ação de improbidade;
  • aumento no prazo de duração do inquérito de 180 dias para 12 meses, prorrogável por uma vez;
  • aumento no prazo para que o Ministério Público manifeste interesse no prosseguimento das ações propostas pelas Fazendas Públicas de 120 dias para 12 meses;
  • ajuste na redação para garantir a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário;
  • a inclusão da ressalva quanto à possibilidade de configuração de nepotismo, na hipótese de indicação política.

Por causa das alterações, o texto voltará à Câmara dos Deputados, Casa em que o projeto nasceu e, sob a relatoria de Carlos Zarattini (PT-SP), foi aprovado em junho por 408 votos a 67. Na ocasião, os partidos que detêm as maiores bancadas, PT e PSL, orientaram voto favorável à proposta. Os únicos partidos a indicarem voto contrário foram o Podemos, o PSOL e o Novo.

CartaCapital, Zarattini disse que a atual Lei de Improbidade, de junho de 1992, tem “alguns problemas”, como o artigo 11, segundo o qual “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.

“Quando entra em um negócio tão amplo, isso acaba permitindo que o Ministério Público Federal tente punir qualquer irregularidade como improbidade, sendo que são coisas diferentes. A improbidade tem o significado de corrupção, dano ao patrimônio, de enriquecimento ilícito”, avalia Zarattini. “Irregularidade todo gestor pode cometer, sem que seja necessariamente uma improbidade”.

Segundo o deputado, o projeto aprovado pela Câmara é fruto de um “longo debate que durou praticamente dois anos”.

“Fizemos inúmeras audiências públicas, ouvimos juristas. Essa Lei de Improbidade deve se restringir ao que é o malfeito com recurso público e não um erro do administrador, algum descumprimento de legislação”.

O presidente Jair Bolsonaro já se manifestou a favor do PL. Ele disse que o texto, se aprovado pelo Congresso Nacional, será sancionado, a fim de que se dê “um alívio nessa burocracia pesadíssima que os prefeitos têm que exercer”. O ex-capitão deu a declaração um dia depois de o projeto receber o aval dos deputados. “Quem reclama [do PL], se candidate a prefeito”.

Houve críticas ao modo como o projeto tramitou na Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), entusiasta das mudanças, retirou o texto de uma comissão especial e o levou diretamente ao plenário. Após a ‘vitória’, celebrou nas redes sociais: “Aprovamos há pouco a lei que regulamenta a improbidade administrativa. Todos os líderes trabalharam com argumentos e respeito. Não vamos nos pautar por versões das redes sociais. Aqui nós promovemos os debates, discutimos e votamos”.

Apesar de ter sido relatado por um deputado de esquerda, o PL não contou com apoio do PSOL, cuja bancada na Câmara votou, de forma unânime, pela rejeição das mudanças. Análise técnica do partido recomendou a rejeição do texto porque ele “enfraquece a Lei de Improbidade Administrativa”. Também pontuou “a impertinência de deliberação de tal assunto em contexto do governo de Bolsonaro”.

De acordo com o PSOL, ao “exigir-se exclusivamente o dolo, passa-se a se estabelecer a compreensão do caráter da conduta (conhecimento) e condições de determinar-se de acordo com essa compreensão (vontade), ou seja, dolo do sujeito que pratica ato de improbidade administrativa”.

Conforme boa parte dos juristas, prossegue o PSOL, “a culpa seria suficiente apenas nas hipóteses de improbidade administrativa que provocam lesão ao patrimônio público (art. 5º) previstas no grupo do art.10, sendo que isso é a jurisprudência que prevalece”.

“Assim, segundo o substitutivo os atos de improbidade administrativa devem ser suficientemente graves e as sanções impostas são tão pesadas, que somente um comportamento intencional (doloso) seria admissível. Tenho opinião divergente, pois entendo que os agentes públicos devem ter cuidado especial com o patrimônio público (em sentido amplo) e mesmo um descuido não intencional (ou seja, culposo) grave pode justificar o enquadramento. Por exemplo, quando o sujeito, por falta de cuidado, permite que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

O deputado Marcelo Freixo, que anunciou sua saída do PSOL cinco dias antes da aprovação da nova Lei de Improbidade, votou a favor da medida. Foram 17 votos favoráveis e 9 contrários no PSB. No PDT, o placar foi de 18 a 6 a favor do PL. Já no PCdoB houve apoio unânime ao projeto, com 7 votos.

CartaCapital, o relator no Senado, Weverton, avaliou que “há um equívoco original nas críticas” e que a Lei de Improbidade “precisa ser modernizada, com as correções que o tempo mostrou que são necessárias”.

“Não estamos reduzindo seu alcance, mas focando no combate à corrupção, o que vai inclusive dar celeridade à Justiça”, afirma. “Hoje, ações com danos aos cofres públicos são tratadas da mesma forma que um erro administrativo. A Justiça está repleta de inquéritos e processos baseados em convicção, sem provas”.

“Precisamos ter uma visão mais justa, mais correta do projeto. Não é possível continuar alimentando essa visão punitivista e criminalizando o serviço público e da política. Isso nos trouxe até aqui, até esse momento tão difícil da democracia”, completa Weverton.

Conforme o projeto de lei, só serão considerados atos de improbidade aqueles cometidos com dolo. Diz o texto: “Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito”. Recairá sobre os magistrados responsáveis o dever de analisar cada caso.

Outra mudança significativa é a que retira o tempo mínimo de perda de direitos políticos. O texto estabelece apenas penas máximas, de 14 anos. Dispõe, ainda, sobre a possibilidade de celebração de acordos de não persecução com o Ministério Público, desde que haja restituição do prejuízo aos cofres públicos. Além disso, determina que apenas o MP tem a autonomia para iniciar ações de improbidade.

Um dos exemplos de mudança se aplica ao artigo 10, inciso X. Atualmente, ele estabelece como um ato de improbidade “agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”. Pela nova redação, será crime “agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”.

Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas – composto por advogados e juristas -, defende as alterações na Lei de Improbidade. Segundo ele, “a aprovação do projeto é conveniente e oportuna” e trará “segurança jurídica e previsibilidade para o gestor público”.

Carvalho é um dos signatários de um manifesto de professores e juristas em apoio à nova lei. Eles dizem que a reforma “é fruto de intenso debate acadêmico e reflete as preocupações dos estudiosos e agentes públicos dos mais diversos níveis”.

O texto é subscrito por especialistas como os ministros Gilson Dipp e Napoleão Nunes Maia Filho, ambos aposentados do Superior Tribunal de Justiça, o advogado Mauro de Azevedo Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e os professores de Direito Constitucional Lenio Streck e Pedro Serrano.

“São inúmeros os prefeitos, governadores, secretários, procuradores e servidores públicos processados por supostos atos de improbidade administrativa em tese, sem terem cometido qualquer ato irregular e muitas vezes sem haver nem mesmo acusação formal de desvio de valores”, avaliam. “A nova lei trará avanços e garantirá a condenação dos atos ímprobos com o ressarcimento de valores efetivamente desviados”.

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