Política

O voto nulo no lugar da esperança

Desilusão com falta de unidade na esquerda e “revolta latente” desde junho de 2013 levam coletivos a buscar adeptos

Cartaz da Frente pelo Voto Nulo na rua da Consolação, em São Paulo
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Depois de 18 anos votando em partidos de esquerda, o professor da rede de ensino pública Leandro Kameko cansou. A luta pelas vias institucionais lhe pareceu sem propósito. O ativismo deu lugar à falta de esperança. Decidiu mudar: no dia 5 de outubro, primeiro turno das eleições, vai votar nulo. “O PT nos traiu, não existe diferença entre eles e os demais partidos. Os partidos de direita defendem os interesses da elite dominante e os partidos da esquerda radical ficam brigando entre si pelo poder”, explica.

Segundo Kameko, a intenção do voto nulo é deslegitimar o sistema eleitoral atual e protestar em prol de “verdadeiras mudanças”. Estas, para o professor, virão das ruas, como mostraram as manifestações de junho de 2013. “O sistema eleitoral atual representa os interesses da burguesia, só a organização, união e luta dos trabalhadores e estudantes por direitos podem transformar o País”, diz Kameko.

O aparente niilismo político que toma conta do professor de 34 anos tem cada vez mais adeptos em meio à disputa eleitoral deste ano. Se há quatro anos, no primeiro turno da eleição de 2010 os votos nulos atingiram 5,5% do total, neste ano eles podem variar entre 5,9% e 7% – em algumas pesquisas de intenção de voto chegam a configurar 9%. As campanhas de grupos como o Vote Nulo ou mesmo a criação da Frente Pelo Voto Nulo ilustram que há cada vez mais brasileiros descrentes no sistema de representatividade atual. Nos cartazes espalhados por São Paulo os protestos “Não à roubalheira! Não à exploração! Não à humilhação! Poder aos trabalhadores!”, “Lute conosco contra os corruptores e contra a farsa eleitoral!” e “Basta! Chega de toda essa farra com nosso suor! Fora, aproveitadores do povo! É voto nulo nos parasitas!” expressam a raiva com as propostas apresentadas.

Os grupos buscam adeptos por meio de panfletagens em lugares de grande circulação, escolas públicas de ensino médio e também com intervenções nas ruas, com megafones e apresentações de maracatu. As reuniões em mais de sete estados entre diferentes grupos ativistas, do Partido Operário Revolucionário ao Território Livre, são realizadas a cada 15 dias, em geral aos sábados. “A gente não considera que as candidaturas apresentadas sejam alternativas à classe trabalhadora. Elas são candidaturas da burguesia, dá para ver quem as financia”, disse Rafael Padial, 27 anos, pesquisador do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. “Nossa posição é para expressar uma revolta, não tem nenhum tipo de reflexão pragmática. Não temos a ilusão de que esses votos possam anular a eleição. Depois de junho de 2013 há uma revolta popular latente que não encontra caminho para se expressar e agora tenta fazê-lo pelo voto nulo”.

Assim como Padial, Emiliano Augusto, 31 anos, também é membro da Frente pelo Voto Nulo e diz apoiar uma campanha na qual a revolta da juventude e dos trabalhadores possa se expressar. “É só pensar que em momentos de greve e lutas essas três candidaturas [Dilma Roussef (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB)] ajudaram a mobilizar o Estado para reprimi-las, e não estando ao lado da classe trabalhadora”, conta o doutorando em Letras na USP.

Questionados se a candidatura de Marina Silva (PSB) não seria uma alternativa à polarização entre o PT de Dilma Rousseff e o PSDB de Aécio Neves para a Presidência da República, os adeptos do voto nulo se opõem: “É mais um caso de abandono da luta e adesão ao sistema capitalista. Ingressou no Partido Revolucionário Comunista, identificava-se com o marxismo, engajou-se no movimento sindical, foi companheira de luta de Chico Mendes, fundou a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e em 88 foi a vereadora mais votada do município de Rio Branco, conquistando a única vaga da esquerda na câmara municipal. Hoje, Marina bebe da mesma fonte de FHC, abraçando o empresariado com campanhas financiadas por grandes empresas e disfarçando o neoliberalismo com um discurso verde”, publicou em sua página no Facebook o grupo Vote Nulo.

A repulsa à ex-senadora e ministra do Meio Ambiente no governo Lula, no entanto, não é unânime dentre os descrentes do processo eleitoral. Pesquisas indicam que os votos que Marina Silva vem recebendo, depois de assumir cabeça de chapa após a morte de Eduardo Campos, vêm tanto daqueles que votariam em Aécio Neves contra o PT quanto dos que declaram voto nulo nas pesquisas de intenção de voto. Segundo pesquisa Ibope de 2 de setembro, no estado de São Paulo Marina cresceu quatro pontos no intervalo de uma semana, chegando a 39% das intenções. Pelo cenário, dois pontos percentuais “migraram” de Aécio – que foi de 19% para 17% –, enquanto outros dois dizem respeito aos votos brancos ou nulos, que caíram de 9% para 7%.

Diferentemente do boato que circular há anos, os votos nulos não são capazes de invalidar o processo eleitoral. De acordo com o artigo 224 do Código Eleitoral, “se a nulidade atingir mais da metade dos votos do país nas eleições, (…) o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”. Para o TSE, no entanto, a nulidade de uma eleição não é representada nos votos nulos ou brancos, mas sim em caso de fraude, coação, interferência do poder econômico, abuso de poder, além de propaganda ilegal. Dentro deste contexto, para que um pleito seja considerado inválido e leve a uma nova eleição, é preciso que mais de 50% dos votos sejam declarados nulos pela própria Justiça Eleitoral.

De acordo com o Glossário Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o voto em branco é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum dos candidatos. Para votar em branco é necessário que o eleitor pressione a tecla “branco” na urna e, em seguida, a tecla “confirma”. É considerado pelo TSE voto nulo quando o eleitor manifesta sua vontade de anular o voto, ou seja, quando aperta o número de um candidato inexistente e depois a tecla “confirma”.

Antigamente, voto branco era considerado válido, contabilizando como voto para o candidato vencedor, e o voto nulo era tido como inválido e visto como um protesto contra todas as candidaturas postas. Hoje, no entanto, vigora o princípio da maioria absoluta de votos válidos. Isso significa que, conforme a Constituição Federal e a Lei das Eleições, são considerados apenas os votos válidos, desconsiderando os brancos e nulos.

Os votos nulos interferem apenas quando aplicados nas eleições proporcionais, ou seja, para os cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador. Para ser eleito a um desses cargos, o candidato precisa alcançar o quociente eleitoral, índice que determina o número de vagas para cada partido no Legislativo. Nesses casos, quanto maior for o número de votos nulos e brancos, menor será o quociente eleitoral e mais fácil será para o candidato conquistar a vaga.

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