Política
Sem anistia nem trégua
Movimentos sociais deram resposta imediata aos atos terroristas na Praça dos Três Poderes e prometem não arredar o pé das ruas
Lula não teve sequer uma semana de sossego. No primeiro domingo após a posse, precisou enfrentar a crise causada pelos terroristas que devastaram as sedes dos Três Poderes. Novamente, contou com a corajosa atuação do ministro Alexandre de Moraes, que afastou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e decretou a prisão do secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, ex-ministro de Jair Bolsonaro. Recebeu ainda o apoio maciço de governadores e parlamentares. O presidente sabe, porém, que a chama do bolsonarismo permanece acesa, e não há como debelar o fogo dos extremistas sem mobilizar as ruas. Daí a importância da resposta imediata e contundente dos movimentos populares.
Em menos de 24 horas, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas das maiores cidades do País para dar um recado aos radicais bolsonaristas: qualquer tentativa de golpe será repelida, e não será tolerado qualquer tipo de anistia. A rápida mobilização serviu para mostrar que a sociedade civil permanece vigilante. “Hoje é o início de uma mobilização permanente”, afiançou Guilherme Boulos, deputado federal pelo PSOL e líder do MTST, durante a marcha paulistana, iniciada na Avenida Paulista, na noite da segunda-feira 9. No mesmo dia, grandes atos tomaram as ruas do centro de Salvador e lotaram a Cinelândia, no Rio de Janeiro. Manifestantes também se reuniram em Nova York, Paris e outras cidades no exterior, para chamar atenção da comunidade internacional para os crimes do bolsonarismo.
Dada a dimensão da ameaça, não cabe apenas aos movimentos sociais e aos partidos políticos a mobilização para barrar os golpistas, avalia o deputado estadual Emídio de Souza, do PT. É o momento de ampliar ainda mais a frente ampla que compõe o governo e atrair todo o setor democrático do País. “Precisamos mobilizar a classe média, o empresariado responsável e todos aqueles que querem viver num país livre e democrático. Vamos criar uma frente para isolar o fascismo no Brasil.”
Por trás dessas ações terroristas em Brasília há um movimento bem organizado, com força para financiar e promover as investidas da turma. Diversos presos confessaram que boa parte do financiamento vem de empresários do agronegócio. As investigações revelam ainda que a maioria dos ônibus enviados à capital federal é proveniente do Paraná e do interior de São Paulo. “Essas informações demonstram o que nós, trabalhadores do campo, estamos denunciando há anos: o agronegócio não é pop, o agronegócio é veneno na mesa e, agora, também na política”, denuncia Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST. Segundo o dirigente, os sem-terra estão alertas e em diálogo com outros movimentos populares para articular uma frente de resistência. “Não seremos pegos de surpresa. A conjuntura exige mobilização permanente e para isso vamos fazer reuniões de avaliação e encaminhamentos para novos atos unitários, com outras forças democráticas, para defender a democracia e a classe trabalhadora.”
De Norte a Sul, a articulação contra o golpe ganha corpo. No Paraná, de onde partiu boa parte dos extremistas, também há resistência, garante Ceres Hadich, outra liderança do MST. “A ideia é constituir comitês populares para fortalecer a luta em torno de uma pauta democrática”, afirma. “Precisamos pensar em longo prazo para consolidar um projeto popular e soberano de país. Entendemos que essa é a única saída para superar as práticas de violência, dominação e exploração que estamos vendo eclodirem. Com a violência vista em Brasília, temos certeza de que não basta ganhar as eleições, é preciso manter o povo mobilizado.”
“Não seremos pegos de surpresa. A conjuntura exige mobilização permanente”, avalia Conceição, do MST
A presidente da União Nacional dos Estudantes, Bruna Brelaz, revela que a entidade começou a conversar com “os movimentos mais amplos da sociedade para organizar um cordão de proteção à democracia”. A entidade planeja promover atividades para conscientizar a população da necessidade de defender a estabilidade política, vista como indispensável para a recuperação econômica do País. Ainda que o clima estivesse ameno, os jovens já estariam mobilizados para defender a reconstrução na Educação, fortemente atacada pelo governo Bolsonaro, emenda a líder estudantil.
Durante o ato na Avenida Paulista, milhares de jovens marcaram presença para repudiar os ataques golpistas. Muitos deles cresceram apenas com a lembrança de um governo popular e, pela primeira vez, tiveram a oportunidade de votar no líder operário de que tanto ouviram falar. É o caso da estudante de Pedagogia Gabriela Gomes Simão Correa, que aos 19 anos está pronta para encarar a jornada de resistência. “Acredito na transformação do mundo pela educação, pelos movimentos sociais e pela força do poder popular. Com a chegada de Lula à Presidência, achamos que teríamos um respiro, mas o fascismo estava escondido embaixo do tapete. Bastou dar uma sacudida para eles ressurgirem com força.”
Em meio à caminhada até a Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo, Boris Calazans dos Santos, advogado da Uneafro, ONG dedicada à preparação de jovens pretos e pardos para o processo seletivo de universidades, disse que o movimento negro agiu muito rápido depois dos atos terroristas em Brasília. As primeiras reuniões foram realizadas ainda no domingo. “Entendemos que era necessária uma resposta imediata e dura após as cenas aberrantes que vimos na Praça dos Três Poderes.”
A Uneafro é uma das entidades que compõem a Coalizão Negra por Direitos, um dos movimentos que convocaram o ato na Avenida Paulista. Para Santos, só a mobilização permanente será capaz de sustentar Lula. “Essa turma já demonstrou que não respeita o resultado das urnas. Precisamos permanecer ativos, nas ruas, não apenas para garantir a governabilidade, mas também para puxar este governo de coalizão à esquerda”.
Até mesmo torcedores de times rivais resolveram deixar as diferenças de lado para proteger o País de um golpe. Integrantes das torcidas organizadas de Corinthians, Palmeiras e São Paulo estiveram presentes no ato da Avenida Paulista e deixaram claro que, fora dos estádios, pretendem atuar de forma conjunta. Danilo Pássaro, do coletivo Resistência Corintiana, explica que as torcidas organizadas entenderam sua “responsabilidade histórica” com o povo brasileiro. “Desde 2020, estamos em contato. Naquele momento, nos unimos para defender o isolamento social na pandemia e, ao mesmo tempo, denunciar a omissão do governo Bolsonaro no combate à Covid-19. Agora, voltamos às ruas para defender o País de um golpe. Para combater o fascismo é preciso ter atitude e coragem, e isso está no DNA das torcidas organizadas, então vamos continuar mobilizados e defendendo a legitimidade do governo eleito democraticamente.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1242 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE JANEIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Sem anistia nem trégua”
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