Política

Se beber, você será mais alegre e inteligente

A arqueologia mostra que a bebida ajudou o desenvolvimento do cérebro humano. E na Idade da Pedra, assim como hoje, ela já irrigava as festas e o convívio social

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Por Robin McKie

Arqueólogos fizeram recentemente uma descoberta intrigante no sítio neolítico de Göbekli Tepe, no sul da Turquia: uma série de recipientes de pedra gigantescos, erguidos há mais de 10 mil anos.

Embaixo desses enormes vasos encontraram vestígios de uma substância química chamada oxalato de cálcio, geralmente produzida durante o embebimento, esmagamento e fermentação de cereais. É um subproduto da fermentação, em outras palavras.

A partir dessa evidência, os pesquisadores concluem que Göbekli Tepe foi o local de um grande festival, onde homens e mulheres da Idade da Pedra iam festejar e beber cerveja. Os seres humanos sabiam fazer festas há muito tempo, ao que parece.

Na verdade, o nosso amor pelas bebidas alcoólicas pode ser localizado ainda mais longe no passado, segundo cientistas. Hoje se acredita que o consumo social de bebidas teve um papel-chave em nossa evolução, conforme nos desenvolvemos como primatas de cérebro grande e sociáveis.

É uma teoria que formará o núcleo de uma importante conferência na Academia Britânica de Ciência estes dias: “Álcool e Humanos: Um longo caso social”.

Os congressistas vão afirmar que o nosso amor pelo álcool tem raízes profundas e que a bebida – embora prejudicial quando consumida em excesso – ainda tem um papel a exercer para gerar felicidade e bem-estar, como afirmou recentemente o apresentador Adrian Chiles em seu filme para a TV Drinkers Like Me (Bebedores Como Eu).

“Estudos mostram claramente que há benefícios sociais e para o bem-estar que podem ser extraídos diretamente do consumo de bebida alcoólica, especialmente em ambientes sociais descontraídos”, diz o biólogo evolucionário Robin Dunbar, professor na Universidade de Oxford. “É por isso que a prática persiste há tanto tempo.”

Dunbar, que é membro da Academia Britânica e um dos organizadores da conferência, afirma que nossos ancestrais caçadores-coletores começaram a realizar festas pelo menos 400 mil anos atrás, depois que aprenderam a usar e controlar o fogo.

Jantares ao redor de fogueiras nos ajudaram a cimentar as relações, enquanto os membros das tribos trocavam comidas, histórias e fofocas.

O álcool talvez não estivesse presente no início, mas pode ter se tornado um fator-chave das festas rapidamente, e com certeza muito antes que os neolíticos chegassem e começássemos a fazer vasos de fermentação.

“Os humanos arcaicos podem ter conhecido muito bem as frutas naturalmente fermentadas, e talvez as consumissem avidamente – como fazem os chimpanzés e os elefantes na África”, diz Dunbar.

O ponto principal é que todas essas atividades – contar histórias, trocar fofocas, contar piadas e cantar – provocam a produção de endorfinas no cérebro, afirma ele. “As endorfinas, por sua vez, geram uma sensação positiva na pessoa, semelhante à da morfina. Por isso nos sentimos bem. E de maneira crucial o álcool também ativa o sistema de endorfinas, o que reforça os laços sociais entre os que o consomem juntos.”

Em outras palavras, o álcool foi vital para ajudar a estimular os laços sociais e romper as inibições – e fez isso desde os primeiros dias da evolução humana. Certamente, havíamos dominado a arte de fazer o produto antes de fazermos aqueles vasos de pedra e potes de cerâmica 10 mil anos atrás. E ele continuou tendo uma influência considerável em nossa história.

Veja o exemplo da agricultura. Antes se supunha que recorremos à agricultura e a plantar campos de trigo para fazer pão e fornecer um sustento confiável para nós mesmos. Mas a espécie de trigo cultivada então – conhecida como einkorn – daria um pão muito ruim, segundo pesquisadores. Mas produziria uma excelente cerveja.

“Isto leva à grande teoria da história humana: que não começamos a plantar porque queríamos alimento – havia muita comida disponível”, diz Mark Forsyth em seu livro A Short History of Drunkenness (Uma Curta História da Embriaguez). “Começamos a plantar porque queríamos tomar todas.”

Essa ideia é apoiada por outros, incluindo Dunbar, para quem a fabricação de cerveja foi a principal atração para nos transformarmos de caçadores-coletores em agricultores. E, desde então, o álcool deixou a sua marca em nossas vidas, desde lubrificar festas até complexos rituais de Estado.

“No século XVII, depois da guerra civil (inglesa), beber havia se tornado um ato social de importância crítica”, diz a historiadora Angela McShane, do Wellcome Trust, que também falará na conferência. “Era uma maneira de demonstrar sua lealdade ao Estado em termos dos brindes que você deveria fazer. Se você errasse, poderia até ser morto.”

“Não beber não apenas sugeria que você não era uma companhia muito divertida, como que era perigoso e sedicioso, porque não brindava a sua fidelidade”, prossegue a doutora McShane. “Essa atitude se tornou tão incrustada em nossa cultura que ainda hoje há a sensação entre certas pessoas de que não confiam muito em alguém que não bebe.”

Em nossa época, o consumo excessivo de álcool foi relacionado a uma série de problemas de saúde, desde o maior risco de contrair doença hepática e câncer a sofrer acidentes graves. Em consequência de campanhas médicas, o consumo médio anual caiu de um pico de 9,5 litros por pessoa em 2004 para 7,8 litros em 2015.

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Mas Angela McShane indica que não há uma opinião médica definida sobre se o álcool é bom ou não para as pessoas. “Alguns médicos dirão que seja qual for a quantidade que você beber terá um efeito adverso no seu corpo. Mas isso também vale para chá, café ou até água. O que devemos perceber é que o álcool é um lubrificante que pode amaciar o funcionamento da sociedade.”

Robin Dunbar, o evolucionista de Oxdford, concorda. Ele indicou uma análise de 148 estudos epidemiológicos de pacientes de infarto, que então foi usada para isolar quais fatores previam melhor a sobrevivência de um paciente 12 meses depois do infarto. “O mais importante veio a ser a qualidade de seus relacionamentos com outras pessoas”, disse ele.

“Deixar de fumar, a obesidade e exercícios eram menos importantes que o número de bons amigos que você tinha. Em outras palavras, as nossas redes sociais têm um papel central em nossa capacidade de sobreviver aos piores traumas que a vida nos pode atirar. E essas redes são muito claramente ressaltadas pelo uso de bebida alcoólica.”

Outros estudos conduzidos por Dunbar mostram que os que visitam regularmente o bar para um consumo moderado de bebida tendem a ser mais envolvidos socialmente, sentem-se mais contentes e têm maior probabilidade de confiar em outros membros da comunidade do que os que não bebem nada.

“A maioria das pesquisas realizadas sobre álcool e seres humanos concentrou-se em seu uso excessivo – seu abuso – por homens e mulheres”, diz Dunbar. “O consumo moderado de bebida foi ignorado como tema de estudo até relativamente pouco tempo atrás. Esses últimos estudos sugerem que o impacto do consumo moderado de álcool é surpreendentemente benéfico.

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