Política

São Paulo pode mesmo começar a vacinação no dia 25? Especialistas avaliam

Governo federal e o de São Paulo devem protagonizar mais um capítulo de embate político após nacionalização da Coronavac

João Doria e Jair Bolsonaro. Fotos: Divulgação/Governo de São Paulo e Marcos Corrêa/PR
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No sábado 9, o Ministério da Saúde anunciou a compra de todas as doses da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac. Com a transação, afirmou a pasta, os imunizantes serão incorporados ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. A informação foi confirmada pelo diretor-geral do Instituto, Dimas Covas.

 

Mesmo após a confirmação, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não recuou do prazo de iniciar a vacinação no estado no dia 25 de janeiro e tem atrelado como condicionante somente a aprovação do uso emergencial da Coronavac pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mas, como isso seria possível dada a compra exclusiva pelo governo federal?

O contrato atual fala de um repasse de 46 milhões de doses do Instituto Butantan ao Ministério da Saúde até abril e sobre a opção de compra de mais 54 milhões de doses, em cronograma a ser definido. Na quinta-feira, o ministro Eduardo Pazuello anunciou que a pasta compraria 100 milhões de doses da Coronavac.

O conflito de narrativas não passa despercebido pelo médico, advogado sanitarista e pesquisador da USP, Daniel Dourado, que acredita que o governador tucano possa ter “uma carta na manga”.

“Como ele pode garantir vacinação para o dia 25 de janeiro se o próprio governo assume a venda de todas as doses?”, questiona. A estratégia, avalia, pode ter relação com o contrato de transferência de tecnologia firmado anteriormente entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.

“Não sabemos o objeto do contrato que previa a transferência de tecnologias e insumos para a produção da vacina. Em regra, esse tipo de documento não é público, os governos decretam sigilo de propriedade industrial. Mas é possível que, juridicamente, o governo de São Paulo tenha acertado uma quantidade de doses anteriores a essa transação atual”, avalia Dourado.

O especialista imagina que, diante o cenário de disputa política, seria pouco provável que Doria ‘esticaria a corda’ sem uma garantia. “O que ele sabe fazer é marketing, então não acho que ele arriscaria a imagem dele”.

Uma outra possibilidade para a antecipação da vacinação em São Paulo, após a nacionalização, seria com um acordo junto ao Ministério da Saúde. Dourado lembra que, constitucionalmente, os estados têm autonomia gerencial para assumir a vacinação antes de um outro estado, desde que tenham vacinas e insumos.

O secretário estadual de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, disse que caso a vacina seja aprovada pela Anvisa e o Ministério da Saúde não inicie a campanha no dia 25 de janeiro, o estado vai requerer a cota de vacina a que tem direito para iniciar a imunização.

Ainda de acordo com o secretário, após a nacionalização das doses da Coronavac, o estado contará com 9 milhões de doses nas primeiras fases de vacinação, e não mais 18 milhões.

O cenário não é visto com confiança por Daniel Dourado. “O governo federal e o governo de São Paulo estão disputando o momento da foto da primeira vacina. É isso que está em disputa. Com certeza o Ministério da Saúde seria capaz de segurar o início da vacinação por cinco dias só pra não dar voto ao Doria, isso está claro”, avalia.

Imunização depende de liberação emergencial da Anvisa

A disputa política em torno do início da campanha de vacinação, no entanto, tem como limite a aprovação emergencial dos imunizantes pela Anvisa. O Instituto Butantan solicitou a aprovação emergencial da Coronavac no dia 8 de janeiro. No sábado 9, a Anvisa informou que a documentação enviada estava incompleta. No mesmo dia, o Butantan enviou novas informações.

Nesta terça-feira 12, o instituto anunciou a eficácia geral de 50,38% da Coronavac. A taxa mínima recomendada pela Organização Mundial da Saúde  e também pela Anvisa é de 50%.

A FioCruz, ligada ao Ministério da Saúde, e que está desenvolvendo a vacina de Oxford-Astrazeneca, não teve problemas com a documentação e passou à fase seguinte.

Dourado reforça que os estados não podem distribuir as vacinas sem um registro prévio da Anvisa. “O que pode acontecer é judicializar, se a Anvisa começar a segurar esse registro, sem explicações, aí o estado tem o direito de entrar no Supremo Tribunal Federal e pedir a liberação. O STF até já deixou a porta aberta para isso com a decisão do ministro Lewandowski”, esclarece.

No dia 17 de dezembro, o ministro definiu em liminar que caso a Anvisa não dê o aval para uso de vacinas já registradas em agências reguladoras internacionais em um prazo de até 72 horas, prefeitos e governadores poderão importar diretamente as doses. A agência pediu prazo de 10 dias para avaliar os pedidos emergenciais.

“Temos uma porta de judicialização dos casos, mas isso não está dado. Estamos esperando a Anvisa e acho que a autorização das vacinas deve sair sair”, aponta.

Seria benéfico São Paulo começar a vacinar antes?

Em entrevista a CartaCapital,  o médico e escritor Drauzio Varella já tinha abordado a importância do Ministério da Saúde fazer uma coordenação nacional das vacinas no País, via Programa Nacional de Imunização.

“Nós tínhamos que, nesse momento, ter uma coordenação central. São 27 estados e mais o Distrito Federal. Precisamos dessa coordenação para dizer quantas vacinas temos, como é que vamos distribuí-las, como está a situação nos estados. Temos que começar a vacinar as pessoas acima de 75 anos. Quais são os estados que têm mais população nessa faixa etária? Esses dados estão disponíveis. Sem essa coordenação, o Programa Nacional de Imunizações, construído durante décadas, com um trabalho árduo e até heroico do pessoal do Ministério da Saúde vai acabar”, alertou.

A professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Érika Aragão, concorda que o ideal seria centralizar as atividades de imunização e cita uma “falsa polêmica” criada entre o governo Bolsonaro com a vacina da Coronavac, produzida pelo Butantan.

“Historicamente, o Butantan é SUS, sempre produziu para o Ministério da Saúde. A parceria era prevista desde que o estado de São Paulo assinou um termo de cooperação com o Ministério, mas o Pazuello voltou atrás por conta de uma colocação do Bolsonaro”, observa.

A especialista chama a atenção para o percentual da população que precisa ser vacinada para que se caminhe para uma imunidade mais abrangente. “Do ponto de vista epidemiológico, não adianta São Paulo ter vacina e outros estados não. E em um país desigual como o nosso sabemos que alguns estados terão como comprar vacinas e insumos e outros não”, adverte. “Mesmo em países em que a vacinação é descentralizada, caso dos EUA que isso fica a cargo de cada estado, tem sido realizado um esforço para a cobertura nacional”, complementa, ao defender a gestão centralizada, articulada com os estados e municípios.

Dourado também condena o conflito federativo vivenciado pelo Brasil em torno das vacinas e prevê problemas tais como o “turismo  de vacinação”, sem uma estratégia nacional. “As pessoas sairiam de um estado para tentar se vacinar no outro, usando endereço de conhecidos. Isso só criaria uma inequidade entre as unidades da federação”, adverte.

Os especialistas ouvidos pela reportagem criticam a falta de planejamento do Ministério da Saúde para a vacinação, não só do ponto de vista da produção nacional, mas da negociação com vacinas de outros países, como cobram uma articulação mais transparente e efetiva junto aos governadores para definir um calendário vacinal. Nesta terça, a pasta pediu novamente para adiar uma reunião prevista com os governantes estaduais. Um novo encontro deve acontecer no dia 19 de janeiro.

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