Política

Ruy Fausto: ‘A atitude do PT foi muito ruim para Haddad’

Para filósofo, mudanças na campanha foram boas, mas ocorreram tardiamente. Ele culpa os petistas pelo ‘apoio crítico’ de Ciro Gomes

Fernando Hadadd durante entrevista a imprensa internacional
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Ruy Fausto, professor emérito do Departamento de Filosofia da USP, afirma que o cenário político eleitoral é muito ruim. Apesar disso, o filósofo e estudioso de Marx e da esquerda contemporânea não acha que o jogo para Fernando Haddad, candidato à Presidência pelo PT, está completamente perdido. Para ele, um “sobressalto” – um acontecimento que possa alterar a conjuntura – pode ocorrer nos poucos dias que faltam para o fim da disputa presidencial.

O filósofo avalia que as mudanças feitas na campanha de Haddad na primeira semana pós-primeiro turno – tirando o vermelho do logo, a alteração do discurso do candidato, o distanciamento entre ele e Lula, além da tímida autocrítica feita – são muito boas, porém teme que tenham sido tardias para viabilizar uma virada.

Segundo Fausto, Haddad comete um erro determinante por não colocar a mão no telefone e ligar para Fernando Henrique Cardoso em busca de apoio. “Parece coisa de namorados”, brinca, ao se referir ao embate colocado na última semana sobre quem deveria fazer o primeiro movimento – Haddad ou FHC.

Já o “apoio crítico” de Ciro Gomes (PDT), explícito no bate-boca entre seu irmão Cid Gomes e militantes petistas no Ceará, é responsabilidade do PT, argumenta o filósofo. Primeiro, por ter barrado a ideia de uma chapa Ciro-Haddad. Segundo, por ter se colocado na frente da aliança que o PDT tentava com o PSB no primeiro turno da eleição presidencial.

“Agora estão se queixando que o Ciro fugiu, mas o que eles querem? Ele foi até correto. Brigou um pouco com o Haddad porque ele precisava de voto, mas no último debate ele não hostilizou o Haddad. Ele tem mais espírito universalista do que o PT.”

Ruy Fausto Filósofo e professor da USP, Ruy FaustoA relação entre Fausto e Haddad é de longa data, desde o início dos anos 90, conta. O filósofo fez parte da banca de doutorado que avaliou a tese do petista, em 1996. Apesar de não conversar com o presidenciável há cerca de um ano, Fausto não deixa de rasgar elogios.

Em seu livro, “Caminhos da Esquerda” (editora Cia. das Letras), lançado em 2017, o filósofo já refletia sobre a decadência do PT e a construção de uma nova esquerda na sociedade. Na obra, ele fala que “autocrítica bem exposta não enfraquece, mas fortalece a luta emancipatória”. Leia a entrevista abaixo. 

CartaCapitalApós o primeiro turno, como o senhor vê o cenário atual?
Ruy Fausto: Acho que está muito ruim e se não houver o que os franceses chamam de sobressalto, nós vamos perder. Isso posto, há esperança. Mas para isso é preciso ter um esforço grande. Houve uma evolução na candidatura, o Fernando (Haddad) mudou um pouco a linguagem, esboçou uma autocrítica – que não vai muito longe, mas um pouco ele fez -, o negócio de Venezuela ele disse que não tem nada com isso. Mudaram aquela coisa da bandeira, ao mesmo tempo puseram o Lula à distância. O problema é que é um pouco tarde.

CC: Por quê?
RF: Amarraram ele ao Lula. É bom para transferir voto, mas a rejeição era enorme. Haddad virou poste e isso pegou mal. Foi uma jogada errada. Retrospectivamente o melhor teria sido apoiar o Ciro [Gomes] e o Haddad como vice, mas a Gleisi declarou que Ciro jamais, e em seguida fizeram aquela jogada para afastar o Ciro [acordo que fez com que o PSB não apoiasse a candidatura do pedetista].

Agora estão se queixando que o Ciro fugiu, mas o que eles querem? Ele foi até correto. Brigou um pouco com o Haddad porque ele precisava de voto, mas no último debate ele não hostilizou Haddad. Ele tem mais espírito universalista do que o PT.

Eu fui desde o começo contra a candidatura de Lula. Minha primeira opção na época era lançar um candidato, o Haddad, e tentar. Se perdesse, perdeu.

O pessoal lida com Bolsonaro como se ele fosse um candidato qualquer. O Mercadante diz que ele vai ser um Temer piorado. Ele não vai ser. Ele é um militar, ele faz elogio à tortura. Não nos falta prova de que ele é misógino, racista, homófobo. Ele culpabiliza os pobres e é hiperliberal. Desde cedo tem que atacar. Aliás, o Ciro fez isso, o Boulos fez isso, o Haddad não. Deu no que deu.

CC: Haddad errou nesse ponto?
RF: Isso é coisa de partido, é coisa de interesse burocrático do partido. Por que eles cultivam a imagem do Lula até o final? Porque eles dependem disso. Eles são um partido meio populista, dependem disso. Não é um partido que quer renovar. Eles não querem renovar nada. O negócio foi desastroso.

Há duas coisas principais na campanha petista. Primeiro a questão da corrupção. Tinha que falar que houve corrupção e que o candidato iria guardar o melhor do partido e não o pior. Isso eles não queriam que falassem porque iam tocar no caso deles. O outro é a política internacional. Acho que tem que romper com essa coisa de Venezuela. Isso não é ir para o centro, não é esquerda. A minha tese é de que é um erro pensar que ir pela democracia e ser anticapitalista são coisas opostas. Você pode ser muito anticapitalista e ser um democrata. O projeto é uma sociedade com base da economia solidária, que não acaba com o mercado, que deixa o capitalzinho existir. É revolucionário, mas é um revolucionário de um outro jeito, nos meios e nos fins.

CC: O Haddad chegou a convencer com a autocrítica que fez?
RF: Ele não foi tão longe como eu gostaria, mas deu alguns passos. Ele está amarrado com o partido, depende do dinheiro e da máquina do partido. Não é uma coisa absoluta. Em outra situação poderia ter pensando em financiamento de campanha. Ele não pode romper com essa gente toda.

CC: Quando Haddad citou a Igreja Universal e Edir Macedo foi mais uma estratégia ou um desabafo do candidato?
RF: Difícil dizer. Acho que o Haddad fez mesmo bem em atacar a corrupção de certas igrejas. A coisa é de fato um escândalo e ajuda a mostrar o que essa campanha pela “honestidade” significa realmente. Mas seria melhor não dar nomes expressamente. Só fazer uma alusão geral, mas localizável porque o tipo é muito poderoso.

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CC: O que seria esse sobressalto que o senhor se refere para o cenário eleitoral se reverter?
RF: Eventos são bons, mas muita gente não fica sabendo. As reuniões com integrantes da academia e de partido são muito convencionais. Me ocorrem duas coisas. Uma delas é fazer uma espécie de apelo à constituição de comitês democráticos pelo Brasil afora. Acho que o apelo já seria bom.

Outra coisa seria lançar uma grande manifestação, como o #EleNão, mas com uma estrutura de comunicação, porque a imprensa boicotou esse movimento. Precisa ter estrutura para divulgar isso, filmar e repassar pelas redes sociais. O ato deveria ser algo mais amplo, dos oprimidos e ameaçados: mulheres, índios, pobres, intelectuais, classe média. Com todos. Estão saindo grandes petições. A solução não é simples, mas o PT deveria ter feito muito mais o trabalho de conscientização. 

CC: Você acha que o ativismo espontâneo que está no entorno da candidatura do Haddad vai perdurar?
RF: Isso vai e volta, mas acho que seria uma boa ocasião para a esquerda pensar.         

CC: Em entrevista ao El País no sábado, Haddad disse que não telefonou para o FHC para tratar de um apoio dele. Como vê essa postura?
RF: Não é muito dele isso aí. Eu supunha que tivesse uma farpa, alguma coisa do lado de lá, mas acho que ele poderia. Ele deveria ter tomado essa iniciativa.

CC:  Isso não é um erro determinante?
RF: Eu acho que é. Parece coisa de namorados… Por que ele não toma iniciativa e abre a porta?

CC: Pergunto para o senhor.
RF: Pode ser que seja orgulho dele, pode ser que tenha alguma coisa no meio. Ele pode achar que o outro vá cobrar. Acho que ele deveria tomar a iniciativa e abrir uma porta.

Uma declaração do Cardoso seria importante e ele tem um certo interesse de limpar a barra dele. Ele tem 87 anos, ele deve estar pensando na história. O currículo dele não é extraordinário. Não faz muito tempo ele disse que, se recomeçasse, gostaria de trabalhar com a esquerda.

CC: Por que a academia está tão atônita com o Bolsonaro? O avanço dele não era previsível?
RF: Não era. É difícil de prever. Na política brasileira é uma coisa nova. Ele é um populista de extrema-direita, essa é a novidade. Tivemos populistas de direita, como Adhemar de Barros e o Jânio Quadros na última fase, mas não de extrema-direita.

Não é um fenômeno novo no mundo. Quem estava antenado com o mundo não achou que ele ia ganhar, mas não excluía essa possibilidade. Em junho, cheguei assustado da Europa. Falei: este troço é sério, mas ninguém me levou muito a sério. Meu irmão disse: “você acertou”. Eu acertei porque vinha de lá.

Isso está estourando no mundo inteiro: isso é o [Matteo] Salvini na Itália, isso é Trump nos EUA, isso é o [Rodrigo] Duterte nas Filipinas, isso é a Le Pen na França, que não está no poder, isso é o Viktor Orbán na Hungria, isso é o Putin. Para quem está observando, esse troço não é novidade, mas pensar que chegou até onde chegou…

CC: Por que não se imaginava isso?
RF: Porque no Brasil nunca houve populismo de extrema-direita. Isso lembra um pouco o integralismo, o fascismo, mas não é exatamente o fascismo. É novo. Se pode dizer que é neofascismo porque é o correspondente do fascismo no nosso tempo. E no discurso tem coisas fascistas e nazistas. O negócio de pintar suástica, de perseguir os homossexuais nas ruas. Isso é coisa do nazismo. Por outro lado, a esquerda não entende muito de totalitarismo. Ela está marcada pelo marxismo e estamos vivendo uma época que não é mais a do marxismo. O marxismo é pré-totalitário. Acho que isso pesa porque o pessoal é formado pelo marxismo e não dá instrumentos para pensar o totalitarismo de esquerda nem o de direita.

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CC: É uma eleição do anti-petismo ou do antissistema?
RF: É anti-PT e a culpa é muito do PT. Eles deram muita chance com a corrupção e o apoio a Venezuela. E então apareceu o sujeito com a bandeira anticorrupção e esse discurso pegou muito, foi transformado no absoluto. Com isso há o grande problema da violência. Junta todos esse fatores com o trabalho das igrejas que Bolsonaro teve apoio, deu nesta salada. É a confluência de vários fatores que correspondem a um quadro internacional.

O assunto violência tem muito peso. Os erros do PT pesaram e o PT não reconheceu, eles acharam que ia colocar uma pedra em cima. Não puseram a pedra. Se eles tivessem soltado o lastro do Haddad cedo… Eu não garanto que iria resolver, mas teria sido melhor. Ele [Haddad] ia lutar em melhores condições.

Em relação ao antissistema, eles (a campanha de Bolsonaro) aproveitaram a ideia de dicotomia do bem e do mal e a a ideia de que a mudança só vai para frente, nunca para trás. O discurso de que Bolsonaro é o novo teve êxito, mas ele vai para trás porque com ele perdemos direitos sociais, a democracia e tudo mais.

CC: O que acha que vai acontecer após a eleição?
RF: Acho que vai ter uma grande discussão interna no PT. O que pode acontecer é o partido romper em dois pedaços. Hoje tem mais probabilidade do que antes. Eles estão preocupados com o partido. O pessoal não se dá conta que o partido pode ser alavanca, mas pode ser freio também.

CC: No caso do Haddad é o quê?
RF: 
Freio… Quer dizer, a atitude deles foi de freio. Claro que, se não houvesse um partido, ele não iria se lançar. É preciso ter um partido ou um grande movimento popular. Não sei se freio é a melhor palavra no caso, mas a atitude deles foi muito ruim para o Haddad. Pelas razões seguintes: quem inventou o Haddad foi o Lula e o Lula impôs o Haddad. O Haddad de longe é o melhor sujeito que tem lá porque ele não é absolutamente corrupto e porque ele é democrático, mas na campanha eles amarraram ele ao Lula, humilharam o sujeito ao dizer que Haddad estava em estágio probatório.

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