A Paróquia São João Batista, no município paulista de Jacareí, jamais esquecerá a missa das 9 da manhã do domingo 16. Após cometer o “sacrilégio” de citar a vereadora assassinada Marielle Franco durante a homilia, o padre Éverton foi interrompido aos gritos: “O senhor não vai falar de uma homossexual envolvida com o tráfico de drogas dentro da casa de Deus”, berrou uma fiel. Dois dias antes, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no município paranaense de Fazenda Rio Grande, foi a vez de o padre Édson ser censurado em plena missa ao afirmar que o Altíssimo não defende a corrida armamentista. “O senhor está pedindo voto para Lula? Quer dizer que o Deus da vida é a favor do aborto?”, desafiou uma senhora. Relatos semelhantes acumulam-se na mídia e nas redes sociais.
A inédita agressividade entre os católicos confirma que a “guerra santa” promovida pelo bolsonarismo na campanha eleitoral, antes limitada aos evangélicos, espalhou-se como as pragas do Egito por outras religiões e sequestrou o debate nacional. Pela primeira vez desde o fim da ditadura e da retomada do direito ao voto livre no Brasil, oficialmente um país laico, a Bíblia tomou o lugar da Constituição. Fome, desemprego, inflação, miséria, educação, saúde, temas que afligem a vida da maioria, acabaram relegados ao segundo plano, enquanto os candidatos optam ou são obrigados pela dinâmica da disputa a paparicar pastores e padres e a gastar tempo para negar a intenção de fechar templos, perseguir fiéis, liberar o aborto ou instituir banheiros unissex, como se vivêssemos não no século XXI, mas no auge das disputas sangrentas entre católicos e protestantes que marcaram a Europa no período da Contrarreforma, no século XVI.
“O bolsonarismo faz uso inescrupuloso e antiético da fé para construir um projeto de poder autoritário e violento”, acusa o pastor Henrique Vieira
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