Política

Roberto Requião: “Não assino embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do trabalho”

Em entrevista a CartaCapital, ex-senador defendeu mobilização por impeachment, mas destacou urgência de proposta que supere crise econômica

O ex-senador Roberto Requião (MDB-PR), em entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta. Foto: Reprodução
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O ex-senador e ex-governador do Paraná Roberto Requião (MDB-PR) defendeu mobilizações pelo impeachment, mas rechaçou a proposta de construção de uma frente democrática que não questione a exploração do trabalho. Em entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta, nesta terça-feira 23, Requião afirmou que apoia iniciativas voltadas para exigir o impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, mas não participará de movimentos que se dizem democráticos e, ao mesmo tempo, sustentem reformas liberais que precarizem os direitos dos trabalhadores.

“Acho que são coisas diferentes. Tirar o Bolsonaro, assino embaixo. Mas não assino embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do trabalho”, declarou.

Em sua visão, a aprovação de um projeto de impeachment nas atuais condições é uma tarefa difícil, porque o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) parecem apoiar abertamente as medidas econômicas do governo federal. Ao mesmo tempo, Requião considera que as políticas de austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, colaboram para que o Brasil entre em um cenário caótico após a pandemia do novo coronavírus.

“O impeachment do Bolsonaro, com esse Congresso Nacional eleito nas circunstâncias em que foi eleito, com esse ‘centrão’, com o meu partido, que é o MDB, incondicionalmente apoiador das medidas do Paulo Guedes e do Bolsonaro… O impeachment congressual é muito difícil. Também por uma visão do STF, do judiciário brasileiro, estão abertamente apoiando o liberalismo econômico proposto pelo Guedes, a serviço dos interesses geopolíticos norte-americanos e do capital financeiro no mundo”, afirmou.

Requião acredita que o Brasil está próximo de uma “crise brutal”, com a previsão de queda de 6% a 11% do Produto Interno Bruto (PIB). Para superar os efeitos das políticas econômicas do governo, Requião defende a formulação de um projeto “suprapartidário” que combata as reformas liberais. No entanto, o ex-senador que parte dos interesses por trás do “Fora, Bolsonaro” consistem na manutenção das medidas adotadas por Paulo Guedes.

Em suas palavras, Bolsonaro é um “palhaço no picadeiro do circo nacional”. Mas não basta a nós removermos o Bolsonaro e deixarmos o circo em pé, que é patrocinado pelo mercado financeiro e operado pelo Guedes, segundo ele diz.

“Se formularmos um projeto suprapartidário de empolgação nacional e de devolução da esperança, nós saímos desse buraco. Agora, o Bolsonaro é uma figura menor, uma consequência, um acidente que aconteceu no caminho dessa direita. Eles não gostam do Bolsonaro, eles dizem ‘Fora Bolsonaro’ também. Querem botar freio e bridão no ridículo do Bolsonaro para seguir com a reforma liberal que já fracassou no mundo”, argumenta.

Na opinião do ex-senador, é preciso abrir uma proposta sustentável para, a partir disso, criar um espaço democrático. Caso contrário, a tendência é surgir movimentos de esquerda ou de direita “completamente insustentáveis para o momento”. Entre as pautas cruciais, segundo ele, está a defesa aos direitos trabalhistas, já desmontados com a aprovação da reforma trabalhista na gestão de Michel Temer.

Requião critica privatização de empresas estatais

Para Requião, o governo federal segue em projeto de dar “fim à nação” com a privatização de empresas estatais estratégicas. A começar pela privatização da água e do esgotamento sanitário, resumo da proposta que deve ser votada no Senado Federal, na quarta-feira 24, no novo marco regulatório do saneamento básico. O setor privado já mirava as empresas públicas de saneamento desde o ano passado. O texto é amplamente criticado por especialistas e entidades que defendem os direitos à água e ao saneamento. O argumento é de que a privatização deve aprofundar desigualdades com o aumento de tarifas e a falta de interesse de companhias privadas em atender locais longínquos.

“Não se pode servir ao povo e ao capital financeiro. O capital financeiro está destruindo a humanidade. E essa loucura toda de privatizar a água, como está em pauta no Congresso?”, protestou. “Eu vejo a crise chegando com as bobagens do Guedes e o acelerador do coronavírus.”

Para Requião, é preciso estabelecer um “referendo revogatório” para recuperar empresas estratégicas que foram vendidas ao setor privado. O ex-senador citou uma carta que disse ter enviado a embaixadas para alertar aos compradores de empresas estratégicas brasileiras que a prática é um “crime contra o país”.

“Quem estava comprando empresas estratégicas brasileiras, estava comprando de quem não podia vender. De quem não propôs, no processo eleitoral, essa barbaridade. Estava comprando mercadoria roubada, portanto, cometendo crime de receptação. E que, mais cedo ou mais tarde, teria que devolver o que comprou dessa forma receptadora, sem indenização alguma. Nós precisamos da Petrobras, do Banco do Brasil, da Eletrobrás. E o que eu vejo? É que, apesar da crise do Queiroz, o que acontece é o avanço do fim da nação. Agora, com a tentativa de venda das empresas de saneamento e de purificação de água, o que é um crime contra o país”, disse.

Outra prioridade defendida por Requião é tirar o Banco Central da dominação dos bancos privados. Conforme mostrou CartaCapital, estabelecer a chamada “autonomia” do Banco Central é uma bandeira de grandes alas parlamentares no Congresso. No entanto, especialistas afirmam que descolar o Banco Central da política econômica do poder Executivo pode aumentar a influência das empresas privadas do mercado financeiro sobre a instituição.

Para Requião, é urgente que o Banco Central esteja alinhado com demandas sociais, como o combate ao desemprego.

“Começa tirando o Banco Central da mão do Bradesco, do Santander e do Itaú. O Banco Central tem que ser vinculado a um projeto nacional, subordinado à proposta do presidente da República, eleito pela maioria. Nos Estados Unidos, o Banco Central se destina à estabilidade da moeda e à manutenção do nível do emprego”, afirmou.

“Não vou ser candidato a prefeito”

Requião afirmou a CartaCapital que não se candidatá a prefeito de Curitiba, cargo que já ocupou na década de 1980. Segundo ele, seu objetivo é apoiar algum candidato na capital paranaense, para não deixar de participar do processo político.

“Eu pretendo apoiar, se possível, apoiar um bom candidato a prefeito de Curitiba, que entenda de administração pública, de planejamento de cidades, que não seja um desses picaretas que dizem ‘eu nunca fui político'”, disse Requião.

Em seguida, Requião citou como maus exemplos o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). “Não sabem nada de nada”, disse.

Ao mesmo tempo, o ex-senador afirma que seu foco tem sido debater a política e a economia no âmbito internacional. Portanto, seu propósito é seguir nesta tendência em sua carreira política.

“Eu quero influenciar esse processo. Agora, eu me foquei muito nos últimos anos na geopolítica e na economia mundial. Eu fui presidente do parlamento europeu latino-americano. Fiz reuniões com os principais líderes do mundo, na Alemanha, França, Inglaterra, Itália, na América Latina toda. E consegui entender um pouco esse mecanismo todo. Então, estou interessado em continuar falando sobre isso, candidato ou não”, afirmou.

 

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