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Riqueza oculta

Projeto visa garantir ao cidadão o controle sobre dados pessoais e uma justa parte dos lucros que geram

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A LGPD protege dados sensíveis, mas não avança sobre o direito de propriedade – Imagem: iStockphoto
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No cenário digital contemporâneo, os dados pessoais tornaram-se a nova moeda global. Enquanto as economias são impulsionadas e as relações de poder remodeladas, o cidadão é levado ao centro das discussões sobre privacidade, propriedade e monetização de informações. Para suprir um vácuo na legislação, está em tramitação, na Câmara dos Deputados, o PLP 234/2023, que propõe a criação da Lei Geral de Empoderamento de Dados, um avanço crucial na regulação do ecossistema digital.

Precisamos dar mais controle aos cidadãos sobre suas informações e permitir sua monetização, complementando a legislação existente. A Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor no Brasil desde 2020, oferece um mínimo de proteção, especialmente para dados sensíveis, como origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, filiação a sindicatos ou organizações, dados de saúde, vida sexual, genéticos ou biométricos. Contudo, muitas outras informações são coletadas e processadas sem o conhecimento dos seus titulares, evidenciando a necessidade de uma legislação mais robusta e abrangente que vá além da proteção básica. A LGPD não aborda uma questão fundamental: o direito de propriedade e a repartição justa dos benefícios econômicos derivados dos dados. É nesse contexto que o PLP 234/2023 propõe a mudança de paradigma.

É preciso dar ao titular dos dados o poder de autorizar previamente seu uso, garantir sua privacidade e posse, e assegurar o direito de revogar o compartilhamento a qualquer momento. Os dados precisam passar a ser reconhecidos como um bem singular, parte do patrimônio individual e inalienável. Embora não sejam “vendidos”, seu fluxo autorizado gerará um retorno financeiro ao titular, conforme contrato.

Milhões de brasileiros geram diariamente dados valiosos ao realizar atividades rotineiras, como pagar contas de celular, acessar a internet, consumir energia elétrica, fazer compras online ou utilizar cartões de crédito. Essas informações são apropriadas por empresas como Google, Facebook, Amazon e outras, que formam um oligopólio sem regulação adequada.

Esses dados são a principal matéria-prima para atividades como desenvolvimento de produtos, estratégias de ­marketing, direcionamento de publicidade e até revenda para outras empresas, gerando lucros bilionários. Enquanto isso, os cidadãos, legítimos proprietários dos dados, não têm controle significativo sobre seu uso nem recebem qualquer pagamento, ficando à mercê de um sistema que os transforma em fontes anônimas de riqueza para corporações com influência global desproporcional.

Hoje, a monetização dessas informações produz bilionárias receitas, mas só para as big techs

Não podemos ignorar que, na economia moderna, os dados são um dos mais importantes elementos, cujos uso e processamento podem gerar benefícios e malefícios. Associado à regulação das redes e sua responsabilização em face de abusos cometidos, como prevê a recente “Lei Felca”, o empoderamento do cidadão diante das big techs é o melhor meio para evitar a usurpação do direito de propriedade dos nossos dados.

A própria regulação da Inteligência Artificial, que depende do processamento de um volume gigantesco de dados para gerar resultados válidos e úteis para os usuários, depende de como devem ser assegurados a propriedade dos dados e os direitos de propriedade intelectual. São temas, portanto, conexos. O projeto assegura que o fluxo de dados autorizado gere retorno financeiro ao cidadão, por meio de mecanismos contratuais transparentes. Dessa forma, a proposta não apenas empodera os indivíduos, mas também introduz um novo modelo econômico, no qual a valorização dos dados beneficia diretamente quem os produz.

Outro pilar fundamental do projeto é a taxação de grandes plataformas digitais. O projeto propõe a taxação de empresas de tecnologia, com foco em plataformas eletrônicas que processam grandes quantidades de dados. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) defende, há anos, uma tributação global mínima de 15% para empresas multinacionais, proposta à qual o Brasil aderiu por meio da Medida Provisória nº 1.262/24, que instituiu o Adicional da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, alinhado às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (GloBE).

Infelizmente, devido à pressão de ­lobbies corporativos, a MP perdeu validade. O PLP 234/2023 sugere uma alíquota de 10% sobre a receita bruta de empresas que processam dados de 50 mil ou mais titulares e faturam acima de 25 milhões de dólares globalmente ou 10 milhões de reais no Brasil. Os recursos arrecadados, somados às multas por descumprimento da LGPD e do Marco Civil da Internet, seriam direcionados ao Fundo de Combate à Pobreza, financiando políticas como a renda básica de cidadania – um direito constitucional ainda não efetivado plenamente.

A regulação proposta também dialoga diretamente com debates urgentes sobre Inteligência Artificial e soberania digital. Ao garantir a propriedade dos dados, o Brasil pode estabelecer bases mais justas e seguras para o desenvolvimento de tecnologias que dependem de massas de dados para funcionar, como os sistemas de IA. Como uma das maiores populações conectadas do mundo, o Brasil não pode abrir mão de seu papel na vanguarda da regulação digital. O País tem a oportunidade de liderar esse movimento, garantindo soberania sobre os dados produzidos localmente e promovendo benefícios econômicos e sociais para todos os cidadãos.

A Lei Geral de Empoderamento de Dados não é apenas uma necessidade jurídica ou econômica – é um imperativo ético e social. Sua aprovação significará um avanço civilizatório, garantindo que os frutos da revolução digital sejam compartilhados por todos, não apenas por alguns poucos detentores de poder tecnológico que faturam bilhões de dólares.

O País precisa ter os meios para fazer valer sua autoridade e promover a mudança, beneficiando toda a população. O Congresso Nacional precisa priorizar essa discussão, aprofundar o debate e aprovar uma legislação que coloque o cidadão no controle de seu próprio destino digital. •


*Deputado federal (PT-SP) e líder da Maioria na Câmara, Arlindo Chinaglia é o autor do Projeto de Lei Complementar 234/2023.

Publicado na edição n° 1379 de CartaCapital, em 17 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Riqueza oculta’

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