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Rio de Paes

Com uma amplíssima frente, o prefeito carioca desponta como franco favorito na disputa municipal e mira o governo estadual em 2026

Festa. Nos camarotes da Sapucaí, Eduardo Paes costura acordos. Ex-OAB, Felipe Santa Cruz é cotado para vice – Imagem: Tânia Rêgo/ABR e Cléia Viana/Ag. Câmara
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Não se sabe exatamente se foi na conversa ao pé do ouvido durante a inspeção do novo canteiro de obras do PAC no Complexo do Alemão ou em meio ao papo descontraído que reuniu artistas como Alcione e Moacyr Luz, além de boa parte dos caciques políticos fluminenses, em uma casa de festas no Alto da Boa Vista. O certo é que, na visita oficial de Lula ao Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes, do PSD, recebeu a notícia que mais queria ouvir. Ele tem a garantia do apoio do PT à sua reeleição e carta branca para montar sua chapa sem pressões do maior aliado.

Com o domínio sobre o processo de escolha de seu vice assegurado, Paes, na confortável posição de favorito não somente no pleito deste ano como também na disputa pelo governo estadual em 2026, está no comando de um inédito arco de alianças que inclui partidos de esquerda, de centro e de direita. Nessa amplíssima frente orbitam nomes “cascudos” da política fluminense, como o ex-governador Anthony Garotinho ou o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, entre outros.

O aval dado por Lula às vésperas do carnaval certamente contribuiu para a alegria contagiante com a qual Paes evoluiu este ano na Marquês de Sapucaí. Trajado com seu tradicional “uniforme” de carnaval, sem faltar o chapéu ao estilo de Zé Pilintra, o prefeito foi saudado na avenida e nos camarotes por convidados e aliados dos mais diversos matizes políticos, em uma mostra do que deve ser seu palanque na campanha pela reeleição. “As atuais circunstâncias dão a Paes o lugar de protagonista na política carioca e fluminense”, avalia Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC do Rio. Um leque de partidos que vai do União Brasil ao PT já faz parte da gestão municipal da capital, observa. “Franco favorito à reeleição e despontando como tal para 2026, ele vai ocupando cada vez mais espaços, até porque não encontra uma oposição à altura no pleito deste ano.”

Lula garantiu a presença do PT na aliança que inclui partidos de esquerda, centro e direita

O aparente favoritismo também na corrida estadual confere particular relevância à escolha da chapa de Paes este ano, pois o vice-prefeito terá grandes chances de assumir a prefeitura do Rio nos dois últimos anos do mandato. Daí a importância da mensagem passada por Lula, uma vez que Paes se mostra relutante em ceder a hegemonia municipal. Ele ainda tenta emplacar o nome do deputado federal Pedro Paulo Carvalho, do PSD, seu principal aliado, mas já admite retribuir a generosidade de Lula escolhendo um nome mais palatável ao PT. Depois da visita pré-carnavalesca, segundo fontes petistas, o arranjo mais perto de ser concretizado é a escolha de Felipe Santa Cruz, ex-presidente nacional da OAB e hoje secretário municipal de Governo. Mas ainda é preciso definir se o advogado permaneceria no PSD ou se se filiaria ao PT, do qual foi militante.

O plano B, pelo menos na vontade de Lula, seria ter como vice de Paes a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Mulher, negra e herdeira do capital político da irmã (a vereadora assassinada Marielle Franco), ela terá sua força testada em 23 de fevereiro, durante a festa programada para sua filiação ao PT. Embora conte com a simpatia das diversas correntes do partido no Rio, pesa contra Anielle seu pouco trânsito com outros setores da complexa política carioca. Além disso, a ministra não esconde sua preferência por tentar uma vaga no Senado pelo Rio em 2026. Enquanto a pedra petista no tabuleiro da reeleição de Paes não é definida, correm por fora o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio André Ceciliano, atualmente secretário nacional do Ministério das Relações Institucionais, a deputada estadual Tainá de Paula, hoje secretária de Meio Ambiente na gestão municipal, e o prefeito de Maricá, Fabiano Horta.

De A a Z. Garotinho, Cunha e Waguinho são alguns dos caciques que orbitam em torno da candidatura do prefeito carioca – Imagem: Prefeitura de Belford Roxo, MDB Nacional e União Brasil na Câmara

Como nada é simples no PT fluminense, parte do partido é contra a aliança com Paes. Esse setor é composto de alguns nomes de peso, a exemplo do ­deputado federal Lindbergh Farias, além de correntes internas mais à esquerda. “Nas eleições, o PT precisa erguer ­suas bandeiras e defender com altivez um programa de esquerda que seja coerente com os princípios que defendemos e se contraponha ao modelo neoliberal e excludente de Eduardo Paes”, diz uma resolução apresentada ao diretório municipal do partido. Na linha de frente do acordo estão petistas também importantes, como o deputado federal ­Washington ­Quaquá, que garantiu não haver “faca no pescoço” de Paes: “A prioridade do PT é a reeleição de Lula. Vamos pleitear a vice, ela é importante com a perspectiva de assumir a prefeitura em 2026, mas atuaremos com senso de colaboração”.

Para Ismael, existe “interesse recíproco” entre Paes e Lula no que tange às eleições de 2026. No lado petista, é uma oportunidade de usar um atalho para chegar ao poder na capital, façanha jamais conseguida: “Há também interesse do PT nessa vice-prefeitura, porque o partido precisa se renovar para continuar a ocupar algum espaço na cidade e no estado. A aliança com Paes pode ajudar a sigla a ampliar a bancada de vereadores este ano e o número de deputados estaduais e federais em 2026, com a eventual chapa unindo Paes para governador e Lula para presidente. Se Paes disputar o Palácio da Guanabara, o PT vai ocupar uma das prefeituras mais importantes do País e com grande influência no pleito de 2026”.

Já pela lógica do prefeito, acrescenta o especialista, é preciso aproveitar o momento de frente ampla contra o bolsonarismo: “A estratégia eleitoral de Paes conta com o presidente em seu palanque e, provavelmente, Lula será um cabo eleitoral importante para os pleitos municipais”. Além disso, a polarização entre os aliados de Lula e os de Bolsonaro ainda é uma condição determinante na política nacional, avalia. “No curto prazo, a possibilidade de uma terceira força que possa romper essa polarização tem se mostrado muito improvável, seja no pleito de 2022, como observamos com as candidaturas de Ciro Gomes ou Simone Tebet, seja este ano, quando a polarização ainda se manterá. E a tendência é que permaneça em 2026, mesmo sem a participação de Bolsonaro nas eleições”.

Paes conseguiu isolar Ramagem, o candidato de Jair Bolsonaro

Os apoios obtidos por Paes à esquerda estendem-se ao PDT e ao PSB, partidos que hoje estão à frente, respectivamente, das secretarias municipais do Trabalho e da Ciência e Tecnologia. Já o PCdoB hesita em aderir à aliança ou apoiar a frente de esquerda que deve ser constituída em torno da candidatura do deputado federal Tarcísio Motta, do PSOL, único adversário relevante de Paes além do bolsonarista Alexandre Ramagem, pré-candidato pelo PL. Presidente licenciado do PDT, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, levou ao prefeito a proposta de emplacar como vice a deputada estadual Martha Rocha, que chegou em terceiro lugar nas últimas eleições para prefeito do Rio com 11% dos votos. Esse arranjo, no entanto, é pouco provável no momento.

À direita, participam da gestão municipal partidos como o União Brasil, o Podemos e o Republicanos. Esse último firmou aliança com Paes após o desembarque na legenda do grupo político liderado pelo prefeito de Belford Roxo, Waguinho Carneiro, marido da ex-ministra do Turismo, Daniela Carneiro. A aproximação entre Paes e Waguinho foi articulada pelo ex-deputado Eduardo Cunha, figura que ganha força renovada nos bastidores políticos fluminenses, e se transformou em golpe de mestre ao isolar no partido o ex-prefeito Marcelo Crivella. “A ala pragmática do Republicanos estará com Paes. A expectativa é de que o restante do partido permaneça neutro”, resume Waguinho, presidente estadual da legenda, deixando subentendido que a ala ligada à Igreja Universal do Reino de Deus não nutre o mesmo entusiasmo pelo atual prefeito do Rio.

A adesão do Republicanos colocou ­Paes em uma saia justa. Nomeado secretário municipal de Ação Comunitária em outubro para sacramentar o apoio do partido, o vereador Chiquinho ­Brazão pediu demissão no início de fevereiro, após ficar somente quatro meses no cargo. O vereador é irmão de Domingos Brazão, ex-deputado e hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Rio que, segundo informações recentes vazadas na imprensa, teria sido apontado em delação premiada pelo sicário Ronnie Lessa como mandante do assassinato de Marielle Franco. Chiquinho não comunicou as razões de seu pedido de demissão, mas ele parece não ter atrapalhado as relações de Paes com o clã. O prefeito participou, na Zona Oeste, do lançamento da candidatura de Kaio Brazão, filho de Domingos, a vereador. “Quem mais briga pelas coisas de Jacarepaguá é a família Brazão, mas como Chiquinho e Dominguinhos já estão ficando velhos, é hora de colocar um moleque novo nessa história”, disse Paes.

De olho em 2026. Lula se move para consolidar aliança contra o bolsonarismo – Imagem: Valter Campanato/ABR

Além de importantes caciques políticos do interior como Waguinho ou Quaquá, Paes conquistou o apoio de figuras emblemáticas da política fluminense nos últimos anos. É o caso do pastor Everaldo Dias, ex-candidato à Presidência da República e vice-presidente nacional do Podemos. Ou de Anthony Garotinho, com quem o prefeito se reuniu na segunda semana de janeiro. De saída do União Brasil, o ex-governador tratou do apoio de Paes à reeleição de seu filho, Wladimir Garotinho, para a prefeitura de Campos dos Goytacazes, reduto político do clã. Em troca, a ex-deputada Clarissa Garotinho, de malas prontas para o Republicanos, apoiará a reeleição de Paes e já negocia uma das vagas ao Senado na chapa do prefeito em 2026. “Foi um diálogo muito proveitoso e ainda vamos conversar mais”, disse Clarissa, presente à reunião.

O principal desafio de Paes, acrescenta Ismael, é não repetir 2018, quando também era considerado favorito, mas foi derrotado na disputa para governador por Wilson Witzel, um azarão que acabou adiando por alguns anos os planos políticos do prefeito: “Tudo indica que Paes agora tem um caminho muito favorável para ser reeleito prefeito este ano e pensar em 2026. Ele sabe que precisa ampliar o diálogo para conseguir viabilizar sua campanha para governador e que esta é uma questão muito mais complexa porque envolve a Baixada Fluminense e o interior do estado, onde vai precisar de acordos diferentes dos agora feitos na capital. Ele procura dialogar com os dois campos, mas no momento o foco é consolidar a aliança com Lula contra o bolsonarismo e viabilizar o projeto para 2026”. •

Publicado na edição n° 1298 de CartaCapital, em 21 de fevereiro de 2024.

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