Política

Revivida por Bolsonaro, Lei de Segurança Nacional entra na mira

Proposta apresentada recentemente ao Congresso propõe substituir a velha lei da ditadura por um texto mais enxuto e preciso

O presidente Jair Bolsonaro, durante solenidade do Exército em 2019. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Em vigor desde 1969, a Lei de Segurança Nacional foi um dos instrumentos jurídicos mais utilizados pela ditadura para criminalizar e perseguir opositores, chegando a prever morte e prisão perpétua. Ganhou nova roupagem no final de 83, por João Figueiredo, o último presidente militar. Desde a redemocratização, houve várias tentativas de revogá-la. Nenhuma prosperou, mas a lei caiu em desuso.

Com a ascensão de Bolsonaro ao poder, a LSN ganhou novo fôlego. Passou a ser usada para investigar ataques ao ex-capitão e às Forças Armadas. E também ao Supremo e ao Congresso.

Entre janeiro de 2000 até dezembro de 2018, o Estado brasileiro abriu 114 processos baseados na lei, segundo dados divulgados pela agência Fiquem Sabendo. Foi evocada em casos marcantes como, por exemplo, no atentado de Adélio Bispo contra Jair Bolsonaro, então candidato, durante a greve dos caminhoneiros de 2018 e contra integrantes do MST. Mas raramente resultou em condenação.

Durante o governo Bolsonaro houve mais de 45 tentativas de enquadro na lei, que passou a ser usada para investigar ataques ao ex-capitão e às Forças Armadas. Com base nela, o ministro da Justiça André Mendonça pediu, em junho, que a Polícia Federal investigasse a publicação de um artigo do jornalista Helio Schwartzman intitulado Por que torço para que Bolsonaro morra, em meio à descoberta de que o presidente tinha covid-19. E também por uma charge do cartunista Aroeira que associava a suástica nazista ao ex-capitão. Mais recentemente, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, mencionou a lei em uma representação contra Gilmar Mendes encaminhada à PGR depois que o ministro declarou que o Exército estava “se associando a um genocídio” na gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde. Foram presos com base na lei a ativista Sara Winter e outros militantes bolsonaristas que protagonizaram atos antidemocráticos.

O retorno dessa herança verde-oliva tem provocado uma nova onda de reações. Em 17 junho, dois dias após a prisão de Winter, o deputado bolsonarista Paulo Martins (PSC/PR) propôs enterrar a lei. No início de julho, o deputado Daniel Coelho (Cidadania/PE) apresentou uma outra proposta de revogação. Duas semanas depois, no dia 22, um terceiro projeto, do deputado Paulo Teixeira (PT/SP), reforçou a ideia e foi além, propondo que a Lei de Segurança Nacional dê lugar a um novo conjunto de regras, mais enxuto e detalhado, batizado Lei de defesa do Estado Democrático de Direito.

A proposta pune a tentativa de mudar a estrutura estatal ‘por meio de violência decorrente do uso de arma de fogo, ou da ameaça da sua utilização’ com pena de 4 a 8 anos de reclusão, agravada caso o crime seja praticado por agentes públicos e insurreição das PMs ou Forças Armadas. Também penaliza a apologia pública a crimes da ditadura.

Segundo o constitucionalista Pedro Serrano, professor da PUC-SP e um dos autores do projeto apresentado por Teixeira, houve o cuidado de evitar brechas que possam violar a liberdade de expressão. “Concluímos que a lei deveria se restringir aos atos violentos, preservando direitos de expressão e sociais. Se aprovada, será a lei mundial nessa seara mais restrita e precisa”, explica. O novo projeto de lei tem oito artigos. Já a atual Lei de Segurança Nacional tem 35

Durante um ano, ele e outros juristas renomados estudaram a legislação de países que, como o Brasil, atravessaram ditaduras, mas criaram leis para proteger a democracia e evitar tentações autoritárias. É o caso de Portugal, Alemanha, Itália, Uruguai e Argentina. Já a lei brasileira, pontua ele, mantém um espírito incompatível com a Constituição de 88. “A LSN considera crimes comuns problemas nacionais, trata o cidadão indesejável ou de oposição como inimigo. Um Estado só pode ter como inimigo outro Estado.” Além de Serrano, colaboraram com a proposta o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e os juristas Lenio Streck, Juarez Tavares, Carol Proner, Marcelo Cattoni, Marco Aurélio de Carvalho, Fernando Hideo, Juliana Serrano e Anderson Bonfim.

O Supremo Tribunal Federal não debateu, até hoje, a constitucionalidade da Lei de Segurança Nacional. Também não há julgamento previsto. Mas manifestações recentes indicam a posição de alguns ministros. Durante um julgamento em 2016, os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski defenderam a revisão da lei.

Disse Barroso: “Já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira”. Lewandowski concordou: “Vossa Excelência tem razão. E há um aspecto importante, ao meu ver: com a superação da Carta de 69, a maior parte do fundamento constitucional da Lei de Segurança Nacional caiu por terra. Portanto, hoje certamente ela não seria recepcionada pela nova Ordem Constitucional em sua maior parte.”

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