Política

Revisão do Plano Diretor de SP em 2021: uma solução que virou problema

Mais de 130 entidades e especialistas cobram a Prefeitura por transparência e temem que se ‘passe a boiada’

A comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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São Paulo aprovou a versão mais recente de seu Plano Diretor em 2014, durante na gestão Haddad, com a determinação de revisá-lo em 2021.

A Constituição prevê que sejam revisados a cada dez anos. No caso de São Paulo, como a data cairia em 2024, ano de eleição municipal, o relator do projeto, o ex-vereador e arquiteto Nabil Bonduki, optou por antecipar a discussão.

O que nem ele e ninguém imaginava é que, em 2021, o mundo estaria passando pela maior pandemia do século, que mudaria todos os rumos de todas as cidades, principalmente de São Paulo, que é a maior do País. O risco de que novas diretrizes sejam aprovadas a portas fechadas, sem a participação da sociedade civil, preocupa urbanistas, ativistas e entidades especializadas

O que é um plano diretor?

Um Plano Diretor Estratégico é uma lei municipal com diretrizes para o desenvolvimento urbano e rural de uma cidade. “O plano diretor abrange diversos aspectos do desenvolvimento urbano e que deve ser produzido pelo executivo municipal e aprovado pela Câmara de Vereadores. O ministério das cidades tem uma série de sugestões e indicações de processos”, explica o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Roberto Andrés

Municípios com planos diretores bem elaborados, destaca, podem melhorar a vida nas cidades, por exemplo, priorizando o transporte público, garantindo a função social de imóveis e promovendo políticas habitacionais.

Em São Paulo, o plano determina a altura máxima de prédios nas diferentes regiões do município. O texto lista ainda quais bairros devem conter mais áreas verdes, e quais devem garantir mais espaço às moradias populares.

“Considerando que é um instrumento que interessa a todos os cidadãos, os municípios devem fazer de forma participativa e democrática”, ressalta o arquiteto. Daí o receio em relação ao plano paulistano.

Especialistas pedem que Prefeitura adie revisão

Teme-se que, sem a devida participação popular, o prefeito Bruno Covas (PSDB) ceda à pressão do mercado imobiliário, que quer autorização para construir torres em bairros onde predominam casas.

O próprio Bonduki, que escolheu 2021 como o ano da revisão, pede que a prefeitura adie as discussões. “Totalmente inconveniente a revisão acontecer neste ano. Primeiro porque o Plano Diretor é um projeto muito complexo, de longo prazo. E para revisar, setores da sociedade precisam participar, o que se tornou impossível no meio dessa pandemia”, justifica Nabil.

“Além disso, não há nenhuma necessidade de mudança seis anos depois que ele foi aprovado.”

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, ele diz que a prioridade da gestão municipal deve ser o combate aos efeitos da pandemia do novo coronavírus, como o aumento expressivo de pessoas em situação de rua na cidade. O Plano Diretor de 2014, argumenta, já permite à Prefeitura agir urgentemente em três frentes: a falta de moradia social, o saneamento básico e a superlotação do transporte coletivo.

“Um programa de apoio ao aluguel, por exemplo, para evitar essa tragédia. Na periferia a mesma coisa. Saneamento, falta de internet, desigualdade no mercado de trabalho”, enumera Nabil. “Não é preciso apenas hospitais. O urbanismo é essencial neste momento. Aprendemos isso com outras epidemias.”

Entidades pedem transparência

O Instituto de Arquitetos do Brasil e mais 130 entidades enviaram uma carta a Covas pedindo que a Prefeitura não deixe de contar com a participação democrática na revisão do plano.

O documento sugere à prefeitura que abra um diálogo para pactuar as ‘regras do jogo’, deixando claro como será feito esse processo.

O IAB-SP não abre mão, entretanto, de que sejam feitas oficinas temáticas para debater condições da cidade, principalmente nos bairros periféricos. Logo, esse segundo passo só poderia acontecer depois da pandemia.

“Tal revisão deve expressar as vozes e demandas de toda a população sem privilegiar reivindicações de qualquer grupo, incluindo os setores econômicos ligados ao tema. Eventos recentes no Brasil e no mundo apontam para uma tentativa de ruptura com a democracia e enfraquecimento da participação social e vêm sendo criticados e combatidos publicamente pelo Sr. Prefeito”, diz a carta,entregue na semana passada .

O arquiteto Fernando Tulio, presidente da entidade, também defende que o foco da Prefeitura esteja ser ações voltadas para a pandemia.

“O importante neste momento é promover um conjunto de medidas emergenciais que ajudem a cidade e os bairros mais vulneráveis a se adaptarem a pandemia”, diz Fernando. “A Prefeitura precisa empreender uma série de medidas emergenciais já prevista no Plano Diretor e fazer sair do papel com muito agilidade.”

O arquiteto pede ainda atenção redobrada de Bruno Covas. “Para que isso vire um pacto social e saia do papel para não ser motivo para mais conflitos e mais disputas”, completa.

Nabil segue na mesma linha. “Fazer uma modificação sem participação popular abriria a porteira para várias “boiadas”, apenas evitáveis se a revisão for feita com uma metodologia como a proposta na carta das entidades, com acompanhamento presencial”, analisa o professor.

Prefeitura promete um processo democrático 

Questionada, a Prefeitura de São Paulo afirmou que considera “legítima e elogiável a preocupação da sociedade com a revisão intermediária do Plano Diretor e reafirma seu compromisso com um debate amplo, democrático, transparente e participativo para a construção de uma cidade mais inclusiva e justa”.

A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento lançou nesta quarta-feira 24 um cronograma de trabalho que vai orientar a revisão do Plano Diretor da cidade. Segundo a pasta, em abril será feito um chamamento para a participação de entidades da sociedade civil.

“A participação social se dará por um modelo híbrido com a previsão de ações presenciais e digitais (reuniões, audiência públicas, visitas regionais, enquetes online). A Prefeitura lançará uma plataforma digital exclusiva nos próximos dias para acompanhar toda a revisão do Plano Diretor”, diz a secretaria.

A Prefeitura diz que vai encaminhar o projeto à Câmara de Vereadores até o fim de dezembro deste ano.

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