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Resultado eleitoral em MS fortalece as direitas no atacado, mas impõe enormes desafios no varejo
O acordo entre PL-PSDB na capital Campo Grande rendeu bons frutos ao PL, resta saber se cumprirão a palavra em 2026


A primeira (ex-)vice-prefeita a concorrer a uma eleição em Campo Grande foi Marilu Guimarães, em 1992. Foi também a primeira e, até 2016, a única mulher a conseguir ir para o 2° turno nas eleições municipais da capital de Mato Grosso do Sul. Em 2016, Rose Modesto enfrentou Marquinhos Trad e, assim como Marilu Guimarães 24 anos antes, perdeu a eleição. Agora, em 2024, com certeza a vitória seria de uma mulher: ou da ex-vice-prefeita e prefeita em exercício, Adriane Lopes (PP), ou de Rose Modesto (União), que teve neste ano sua segunda chance de disputar a prefeitura.
Por fim, a atual prefeita venceu a eleição contra Rose Modesto por uma diferença de apenas 3 pontos percentuais, o resultado mais apertado de uma eleição em Campo Grande desde 1996. Os votos dados a outros candidatos no 1° turno (aproximadamente 172 mil) se dividiram quase que igualmente entre ambas: Adriane somou mais 81 mil votos ao seu eleitorado de 1° turno e Rose, 79 mil a mais.
Nesse inédito protagonismo feminino, Campo Grande agora conta não apenas uma prefeita mulher, mas também com uma vice-prefeita: Camila Nascimento, que embora nunca tenha disputado uma eleição antes, tem experiência administrativa no serviço público.
Outra mulher teve papel fundamental nesse processo: a senadora Tereza Cristina (PP). Patrocinadora e fiadora da candidatura de Adriane Lopes desde antes do início do processo eleitoral, articulou o apoio oficial de Jair Bolsonaro a sua candidata, ainda que tal apoio tenha vindo apenas no 2° turno. Embora seja prefeita há dois anos, a candidatura de Adriane Lopes não parecia favorita no início da campanha, dada a popularidade de Rose Modesto e da força do PSDB de Beto Pereira. Logo, a vitória da dupla Adriane Lopes/Tereza Cristina foi significativa.
Tal vitória foi mais significativa ainda quando analisada pela ótica partidária: além de conquistar a capital, o PP elegeu prefeitos em 15 outros municípios do estado, ficando em 2° lugar nesse quesito.
Por outro lado, embora o PSDB não tenha conseguido ir para o 2° turno em Campo Grande, cidade que concentra um terço do eleitorado sul-mato-grossense, o partido do governador Eduardo Riedel conquistou 55% das prefeituras do estado, consolidando sua força no interior e reforçando suas bases para as eleições de 2026.
Por fim, o terceiro maior vencedor foi o MDB, que conseguiu se recuperar parcialmente da queda sofrida na última década: de 23 prefeituras em 2012, caiu para apenas 7 em 2020, crescendo e conquistando 10 neste pleito.
Além desses três partidos, apenas outros três conquistaram prefeituras em MS: PSD (3), PL (6) e PSB (1). Tal quadro é inédito na política sul-mato-grossense recente. Nas três últimas eleições, pelo menos 12 partidos diferentes haviam conquistado prefeituras, cifra que caiu pela metade em 2024, indicando uma concentração da competição eleitoral em poucas e grandes agremiações partidárias, quase todas de direita e centro-direita.
Ao mesmo tempo que isso fortalece as direitas no atacado, coloca desafios enormes no varejo. O 2° turno em Campo Grande já assinalou que o campo se encontra dividido e mergulhado em disputas intestinas: enquanto Adriane Lopes angariou apoio (oficial, mas sem engajamento direto) do próprio Bolsonaro e do deputado estadual Cel. David, nomes muito próximos ao ex-presidente apoiaram Rose Modesto, como Renan Contar e o deputado estadual João Catan.
O PL e o PSDB se aliaram em muitos municípios de Mato Grosso do Sul, Campo Grande inclusive. A negociação envolveria o PL apoiar o PSDB em 2024, não lançando candidaturas próprias, inclusive, para, de 2025 em diante, os tucanos migrarem para o PL, fortalecendo o partido no estado.
Dado o tamanho assumido pelo PSDB em Mato Grosso do Sul e com o fortalecimento de Tereza Cristina, resta saber o quanto do acordo PL-PSDB será cumprido. Nesse cenário, embora o União Brasil não tenha conquistado nenhuma prefeitura no estado, o nome e o desempenho eleitoral de Rose Modesto continua sendo um ativo partidário muito importante, principalmente se as demais direitas racharem novamente em 2026.
Por fim, embora as esquerdas não tenham tido um desempenho eleitoral expressivo no estado, é digno de nota que o PSB conquistou Corumbá, o quarto maior município do estado, e Camila Jara (PT) manteve percentualmente a votação obtida pelo PT em Campo Grande nas eleições de 2020. Se o cenário para 2026 continuar sendo o de divisão das direitas, as brechas abertas pela intensidade da competição eleitoral poderá reservar papel relevante aos grupos minoritários, de esquerda inclusive.
(Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação)
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