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Renovação em marcha

Conheça algumas das novas lideranças do campo progressista que despontaram nas eleições

Renovação em marcha
Renovação em marcha
Força feminina. Aos 36 anos, Natália Bonavides disputa o segundo turno em Natal. Em São Paulo, Amanda Paschoal e Luna Zarattini amealharam mais de 100 mil votos – Imagem: Redes Sociais/Natália Bonavides, Victor Angelo e Matheus Alves
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Muito se fala que os partidos de esquerda precisam de uma renovação em seus quadros para fazer frente à extrema-direita brasileira, a lançar, a cada disputa eleitoral, jovens lideranças no cenário político. A crítica parece, porém, desproporcional diante da quantidade de jovens esquerdistas eleitos nas disputas municipais deste ano. Após o último pleito, a média de idade das bancadas petistas e psolistas, as duas principais legendas de esquerda, é de 35 anos. Alguns dos novos vereadores do campo progressista figuram entre os dez mais votados em várias capitais. Muitos figurões da política têm ficado para trás, porque os eleitores mudaram, preferem novos rostos para representá-los, e os partidos, tanto de esquerda como de direita, começaram a perceber essa mudança de cenário. Dos 111 candidatos a prefeito com menos de 35 anos lançados pelo PT neste ano, 33 foram eleitos, assim como mais de 560 vereadores nessa faixa etária.

É bem verdade que os novos quadros da direita têm tido uma projeção superior por, na sua grande maioria, surgir do submundo das redes sociais, com milhares de seguidores-eleitores, sempre com um discurso estridente e ideias ultraconservadoras, como é o caso de Lucas Pavanato, campeão de votos para a Câmara Municipal de São Paulo, e do deputado federal por Minas Gerais Nikolas Ferreira. Esse protagonismo da extrema-direita, no entanto, não impediu que Amanda Paschoal, do PSOL, uma mulher negra e trans, fosse a quinta vereadora mais votada na capital paulista, com 108.654 votos, nem que Natália Bonavides, de apenas 36 anos, esteja no segundo turno na disputa pela prefeitura de Natal, enfrentando o ex-prefeito Paulinho Freire, do União Brasil, representante da política tradicional do Rio Grande do Norte. Bonavides, por sinal, tem sido constantemente citada pela deputada Gleisi ­Hoffmann, presidente nacional do PT, como um caso emblemático de renovação no partido. Em 2018, aos 28 anos, ela foi a segunda deputa federal mais votada do estado e, em 2022, foi a campeã de votos.

“A política institucional no Brasil tem um rosto muito específico: a maioria é composta de homens, brancos, com mais de 49 anos e com patrimônio médio de 3 milhões de reais. Mas, andando pela cidade, vejo que tem prevalecido no sentimento do eleitor não aguentar mais os políticos tradicionais prometendo tudo”, comenta Bonavides, empatada tecnicamente com seu adversário. “É evidente que não basta apenas ser jovem na idade, é preciso carregar nas lutas o compromisso com a defesa de um projeto de sociedade que, na prática, se traduza em garantir os direitos da juventude e do povo trabalhador, o que não acontece com as candidaturas jovens da direita, a ocupar os espaços de poder apenas para manter os velhos interesses.”

Agora, a média de idade das bancadas do PT e do PSOL nos municípios é de apenas 35 anos

Com mais de 100 mil votos, a petista Luna Zarattini renovou o mandato para a Câmara Municipal de São Paulo e desponta como mais uma promessa do seu partido. “Sou parte de uma nova geração que traz consigo experiências concretas de luta. A questão é que, muitas vezes, a extrema-direita ocupa um espaço nas redes sociais com figuras performáticas e com discursos simplistas. No nosso caso, estamos comprometidos com um projeto de sociedade justo e igualitário, o que nem sempre é fácil de explicar de forma rápida ou midiática. Mas isso não significa que não estamos renovando”, diz ­Zarattini, que tem apenas 30 anos. “Estamos renovando nossos quadros e construindo novas lideranças de forma consistente, enraizada nas lutas sociais e com um projeto claro de transformação social. O desafio, claro, é enfrentar uma extrema-direita que, apesar de renovada em figuras, continua a representar projetos retrógrados.”

A colega Amanda Paschoal, do PSOL, defende a qualificação de novos quadros já para 2026, visando alterar a configuração política, ainda predominante no perfil de “homens brancos, cisgênero, ricos, que colocam suas famílias e amigos para ampliar e continuar na construção das políticas que eles defendem”. Ela também destacou a importância de a esquerda repensar a forma de se comunicar com a sociedade, uma crítica recorrente ao campo, que perde de lavada para a direita no quesito comunicação e domínio das redes sociais. “Não é só rua, não é só o contato direto com os sindicatos, com o movimento social. É preciso estruturar a gestão das redes para se aproximar mais do público e furar a bolha da esquerda.” Assim como Paschoal, outras 27 lideranças LGBT foram eleitas vereadoras em capitais. Várias mulheres negras e trans lideraram as votações no campo da esquerda, a exemplo de Tainá de Paula, no Rio de Janeiro, Iza Lourença, em Minas Gerais, e Tábata Pimenta, em Natal.

Base sólida. Ingrid Sataré elegeu-se vereadora em Florianópolis e Maíra do MST, no Rio – Imagem: Redes Sociais/MST-RJ e Fran Silva

“Enquanto o desalento político tem impulsionado o populismo de extrema-direita, a resposta da esquerda tem sido canalizar votos para candidaturas transformadoras de mulheres negras e ­LGBTQIA+”, destaca Gui Mohallen, diretor-executivo do projeto Vote LGBT. Ele lamenta a falta de apoio dos partidos a essas candidaturas. “As legendas ainda não reconheceram o potencial de nossas lideranças que seguem fazendo história sem o devido apoio. Quanto mais tempo a esquerda demorar para entender essa mudança no eleitorado, mais terreno perderemos para as forças antidemocráticas.” Criticado por priorizar velhos quadros na distribuição de recursos, em detrimento dos novos nomes nas disputas eleitorais, o PSOL comemorou o resultado das urnas. “Estamos muitos satisfeitos com as novas lideranças eleitas para as Câmaras Municipais. São pessoas que mostram a força da diversidade na política e do nosso partido, conectado com as lutas do tempo de hoje”, destaca Paula Coradi, presidente da sigla.

O movimento indígena também comemora a vitória de várias de suas jovens lideranças, a exemplo de Ingrid Sataré-­Mawe, eleita vereadora em Florianópolis, uma região controlada majoritariamente pela direita. “Estamos trazendo perspectivas que ampliam o debate progressista, conectando-o às questões climáticas, de justiça social e à luta pela demarcação de territórios indígenas. A extrema-direita tem se apresentado com nomes conhecidos. Do lado de cá, fazemos um movimento de fortalecimento das bases, de construção de lideranças que dialogam com os povos originários, com a juventude, com as mulheres, e com quem está à margem desse sistema”, ressalta a indígena, que obteve mais de 3 mil votos.

Em 6 de outubro, foram eleitos mais de 250 indígenas e 111 candidatos lançados pelo MST

Ingrid é uma entre os 256 indígenas eleitos em 6 de outubro, dos quais 9 são prefeitos, 13 vice-prefeitos e 234 vereadores. “Já estamos trabalhando para o aumento dessa representatividade em 2026, principalmente na Câmara Federal, mas também para ocupar espaços nas Assembleias Legislativas e alçar voos até mesmo no cenário nacional”, explica Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas, a Apib. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra já faz, há algum tempo, um trabalho de formação de jovens para disputar mandatos eletivos e desde a eleição de 2022 vem colhendo resultados importantes. Este ano elegeu 111 vereadores e 23 prefeitos e vice-prefeitos. Aos 29 anos, Maíra Marinho será a primeira representante do MST na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Ela não está entre as mais votadas, mas está cheia de energia para fazer a diferença no embate político que acontece num Legislativo marcado pelo discurso de ódio do bolsonarismo e pela atuação da milícia carioca.

“É importante renovar a política para renovar o projeto, testar novos nomes com criatividade, disposição. Isso, sem deixar de lado a necessidade de ouvir as pessoas mais velhas, que contribuem na política. Essa combinação de renovação e experiência é a síntese que a gente precisa”, diz Maíra do MST, como se apresentou nas urnas. “A esquerda aposta na juventude a partir da formação política, do trabalho de base. É através da luta popular que se cria essa legitimidade para os quadros dos movimentos se testarem nas eleições. A direita aposta em fenômenos rápidos, num discurso antipolítico que acaba pegando em alguns setores. Também é bom lembrar que temos um problema estrutural, que é o fato de as ideias conservadoras terem hegemonia na sociedade e na mídia empresarial.” •

Publicado na edição n° 1333 de CartaCapital, em 23 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Renovação em marcha’

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