Política
Relógio implacável
Alexandre Kalil corre contra o tempo para se tornar conhecido no interior e vincular sua imagem à de Lula


O mineiro tem fama de ser tranquilo e paciente, mas Alexandre Kalil, candidato ao governo de Minas Gerais pelo PSD, terá de apressar o passo para levar a disputa ao segundo turno. Apesar de a distância ter reduzido nas últimas semanas, o governador Romeu Zema ainda lidera com folga a corrida pelo Palácio Tiradentes com 46% das intenções de voto, segundo a pesquisa Real Time Big Data de 19 de agosto. Considerados apenas os votos válidos, estaria reeleito se a votação ocorresse naquela data. O ex-prefeito de Belo Horizonte, por sua vez, figura com 34% das preferências, mas tem potencial para crescer. Quando seu nome é associado ao de Lula, Kalil atinge 41%. A grande dúvida é: há tempo suficiente para o mineiro mostrar ao eleitorado que está associado ao líder petista?
Com o slogan “Do lado do Lula, do lado do povo”, Kalil acelera para emplacar a parceria com o ex-presidente. O coordenador da campanha nas redes sociais, Juliano Corbelini, alerta, porém, que o principal desafio, além de consolidar essa associação, é conseguir fazer a mensagem chegar ao interior do estado. “Além de explicitar a aliança presidencial, precisamos mostrar o que ele fez como prefeito de Belo Horizonte, porque ele ainda é muito desconhecido em Minas, um estado muito grande.” Kalil deixou a gestão da capital com 73% de aprovação, mas nem todos sabem disso, acrescenta.
A questão é que restam pouco mais de 30 dias para tornar o candidato conhecido no interior e, mais que isso, reforçar a aliança com o ex-presidente. “O problema é exatamente o tempo”, observa a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas e integrante do Observatório das Eleições, uma iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação. “Kalil demorou muito até definir o Lula como aliado ao palanque dele, e agora aposta todas as fichas numa campanha que consiga compensar o tempo perdido.”
Quando associado ao líder petista, o ex-prefeito de Belo Horizonte atinge 41% das intenções de voto
Na internet, explica Corbelini, o esforço de comunicação precisa ser tão grande quanto o despendido no rádio e na tevê, com um cuidado adicional: é necessário criar uma interação orgânica do eleitorado. “A internet tem outro objetivo, que é o engajamento. Isso vai ocupar muito do nosso esforço, criar mecanismos de engajamento e ter uma boa rede de distribuição de informações via WhatsApp. A gente sabe que a máquina bolsonarista vai agir em Minas Gerais, e precisamos ter um exército mobilizado para nos defender das fake news e dos ataques que virão.”
Para o ex-governador Fernando Pimentel, do PT, o aliado Kalil precisa melhorar a estratégia de campanha e mostrar ao eleitor mineiro a que veio, só colar com Lula não basta. “O slogan dele no começo era “Cola no Kalil”, num primeiro momento isso surte um efeito, mas agora ele precisa dizer a que veio, apresentar um plano de governo”, diz. “Ele repete muito o discurso do Lula, de cuidar dos mais pobres. Isso vale para o cenário nacional, mas também precisa falar das questões locais.”
Na avaliação do cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Kalil chegou a um momento crucial da campanha. “Se não subir logo nas pesquisas, corre o risco de desanimar o eleitorado e perder votos, o que também seria ruim para a campanha de Lula”, afirma. “Existem algumas questões em jogo: ele vai subir à medida que o eleitorado souber que ele está ligado ao Lula? As pesquisas dizem que sim. A maior parte das pessoas diz não saber que ele é o candidato do Lula, e mostra-se disposta a votar no candidato apoiado pelo ex-presidente.”
Voto útil. Kalil torce para o bolsonarista Carlos Viana roubar uns pontinhos de Zema – Imagem: Roque de Sá/Ag.Senado
Diferentemente do ocorrido em 2018, o horário eleitoral gratuito na tevê aberta terá papel central, avaliam Pimentel, Avritzer e Santana. O ex-governador e os cientistas políticos concordam que Kalil deverá apostar pesado nos programas de tevê para associar a imagem dele a Lula e conquistar o eleitor mineiro. Por mais que tenha reduzido a diferença com Bolsonaro na última semana, Lula ainda mantém 11 pontos porcentuais de vantagem sobre o atual presidente em Minas, segundo o instituto Datatempo. Divulgada na segunda-feira 22, a sondagem mostra o petista com 44,2% das intenções de voto no estado, seguido pelo ex-capitão com 33,1%. No mês passado, Lula tinha 45,1% e Bolsonaro, 30%.
Kalil tem motivos para torcer pelo crescimento do candidato bolsonarista Carlos Viana, do PL. Na pesquisa Real Time Big Data mencionada no início da reportagem, ele figura com 9% das intenções de voto. Se aumentar esse porcentual, vai contribuir para retirar votos de Zema, pois ambos disputam o mesmo eleitorado, observa Avritzer. Ironia do destino, o candidato de Bolsonaro pode ser o passaporte para o segundo turno de Kalil, aliado de Lula. “Se a disputa for para o segundo turno, Zema corre risco”, aposta Pimentel. “Imagine o Lula eleito no primeiro turno vindo a Minas fazer campanha pro Kalil? Ou mesmo que Lula esteja no segundo turno, com palanque em Minas ao lado do Kalil? Do outro lado, o governador estará do lado de quem? De Bolsonaro?”
Depois de vencer as eleições em 2018 no embalo da onda bolsonarista, Zema busca a todo custo desvincular a sua imagem do ex-capitão. “Não por acaso, ele se apresenta como o candidato que está fora da polarização entre Lula e Bolsonaro. O apoio do atual presidente traria mais prejuízos que benefícios”, observa Avritzer. Mas não será tão simples desfazer essa associação, emenda Santana. “Você há de concordar comigo: não dá para dizer ao eleitor que Zema não tem relação alguma com Bolsonaro. Ele tem. Até porque, em vários momentos de seu mandato, ele foi um dos governadores que mais manifestaram apoio ao presidente.”
Ironia do destino, o candidato de Bolsonaro pode ajudar o homem de Lula a chegar no segundo turno
Zema parece ter consciência dos riscos de a disputa avançar para o segundo turno. “Ele está tão preocupado que, nesta semana, deu uma declaração muito sugestiva: ‘Num segundo turno, eu estarei com Bolsonaro, não estarei com Lula, eu não voto no PT’”, observa Pimentel. “Ele já deu um passo em direção ao Bolsonaro e precisa dar mesmo, senão o Viana arrebata aí 10%, 12% dos votos e empurra a eleição para o fim de outubro.”
Minas Gerais tem 16 milhões de eleitores e, assim como no cenário nacional, o voto das mulheres e dos evangélicos pesa na balança. Luciana Santana é taxativa ao dizer: “O que vai definir o resultado é o voto evangélico, porque, em Minas, diferentemente do que ocorre no Rio de Janeiro ou em São Paulo, a igreja evangélica está muito inserida nas classes média e média alta. A Igreja Batista tem células em todos os municípios, em todos os bairros. E, hoje, quando a gente vê onde o Bolsonaro cresceu aqui no estado, é justamente nos redutos eleitorais dos evangélicos”.
Na primeira quinzena de setembro, Lula vai cumprir uma agenda importante na região Norte de Minas, uma vez que o Sul é dominado por Zema, explica Pimentel. “Eles irão a Montes Claros, que é o maior município do Norte, e isso pode dar uma alavancada. Aliás, o Kalil está trabalhando bastante no Norte, na Zona da Mata.” O maior inimigo, pondera o ex-governador, é o relógio: “A campanha ficou muito curta mesmo, menos de 40 dias. Ao menos o tempo corre igual para os dois lados.”
A despeito do alerta de aliados e especialistas, Kalil faz pouco caso do exíguo tempo para virar o placar. “Se a gente for olhar esse negócio de pesquisa, vamos enlouquecer. Eu não estou preocupado”, afirmou ao portal G1. “Eu não vou fazer malabarismo para tirar essa diferença, eu quero levar a mensagem. Se tocar o coração e a mente do povo, tocou.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Relógio implacável “
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